O Jogo

1280 Words
Bruno Fazia tempo que eu não pisava no Rio, o cheiro do mar me acertou antes mesmo de ver a praia,Maria corria pela areia com Paulo, rindo como se nada no mundo pudesse estragar aquele dia,Camila estava sentada numa canga, mexendo no celular, fingindo prestar atenção,Silvia, nunca foi de rodeios,depois do almoço, ela me chamou para a varanda do apartamento,meu cora mesmo ,com tudo que fazia no morro,achou um tempo pra curtir a neta,então descedimos descer para o Ap dele de frente ao mar, onde o vento trazia o sal do mar junto com aquele silêncio carregado. — "Bruno… posso te perguntar uma coisa?" — disse, mexendo na xícara de café. — "Claro." — "É impressão minha ou… a Maria evita falar da mãe? Não que fale m*l, mas… é como se fosse um assunto proibido." Meu estômago apertou,fiquei olhando o horizonte, mas não era o mar que eu estava vendo. — "Não é impressão, não" — respondi, baixo. — "E eu sei de onde vem."— Silvia me encarou, esperando,suspirei e continuei: — "Camila… às vezes… faz uns comentários. Pequenos, sabe? Sobre a Milena. Como se estivesse sempre colocando em dúvida o quanto ela é uma boa mãe. Não é direto, mas… Maria é esperta, ela percebe." — "Comentários como?" — perguntou Silvia, com o olhar sério. — "Coisas como… “Sua mãe deve estar ocupada demais pra lembrar de tal coisa” ou “Aqui com a gente é mais tranquilo, né?”Sempre com aquele tom “de brincadeira”. Só que… criança sente. Silvia encostou o café na mesa e cruzou os braços. — "Bruno, você sabe que isso é perigoso, né? A Maria está formando a visão dela sobre a mãe agora. Se ela crescer achando que tem que escolher um lado… quem perde é ela." Olhei para o chão,era verdade. E doía. —" Eu achei que fosse exagero meu… ciúmes ou paranoia. Mas já ouvi minha filha repetir algumas dessas frases. E… isso me mata. Porque, por mais raiva que eu tenha sentido da Milena, por mais que eu não confie nela… ela é a mãe da Maria. E eu nunca quis que minha filha se afastasse dela." Silvia respirou fundo e, num gesto raro, segurou meu braço. — "Então abre o olho, Bruno,as vezes a gente demora pra perceber quando alguém está plantando veneno devagar. E quando vê… já cresceu demais pra arrancar." Lá fora, Maria gritava o nome do pai, chamando pra brincar, e, por um instante, eu percebi que o mar não estava tão calmo quanto parecia. Camila Narrando Eu sabia,desde o almoço, senti o jeito que Silvia me olhava… como se me analisasse. Não precisava ser gênio pra entender: ela não gostava de mim, e pior… ela estava conversando demais com o Bruno,aquele tipo de conversa em que ele ficava sério demais, o olhar meio perdido, e depois não conseguia olhar nos meus olhos,Maria estava na sala com Paulo, jogando videogame. Eu me sentei ao lado dela e, com um sorriso, puxei assunto: — "Tá se divertindo, pequena?" — "Tô". — respondeu, sem desviar os olhos da tela. — "Que bom… "— pausei, deixando a voz cair num tom quase melancólico —"Imagina se sua mãe estivesse aqui… será que ela ia ter paciência pra ficar com você jogando assim?" Ela parou o jogo. Me olhou de lado, hesitando, eu continuei, doce como mel, mas certeira como uma agulha: — "É que… eu acho que ela ia estar ocupada demais. Ou cansada. Mas aqui, comigo e com seu pai, você sempre tem tempo, né?" Maria não respondeu. Voltou a jogar, mas ficou quieta,semente plantada,mais tarde, no jantar, percebi que Silvia tentava puxar assunto comigo. Educada demais. Falsa demais. Resolvi mostrar que também sabia jogar. — "Silvia, a Maria é tão ligada no pai…" — falei, sorrindo, e acariciando o braço do Bruno — "É incrível como ela gosta de estar aqui com a gente. Até parece que ela tem duas casas de verdade." Silvia arqueou a sobrancelha, mas não respondeu,eu sabia o que ela estava pensando. E sabia que, se quisesse manter minha posição, precisava agir mais rápido,quando fomos dormir, me enrolei no braço do Bruno e sussurrei: — "Eu só quero o melhor pra ela, sabe? Só tenho medo que… a Milena magoe a Maria de novo." Ele não disse nada, mas eu senti o peso da respiração dele mudar,silêncio. reflexão,perfeito,mais uma rachadura no muro. Narrado por Milena Eles chegaram num domingo à tarde,Maria correu até mim no portão… mas não da forma como costumava. Nada daquele grito de “mãe” que aquecia meu peito. Ela apenas sorriu rápido, um abraço breve, e foi entrando com a mochila nas costas. — "Oi, meu amor…" — tentei segurar ela mais um pouco, mas ela já estava perguntando onde estava o quarto para deixar as coisas,Bruno ficou parado no portão, com as mãos nos bolsos. Camila, claro, ao lado dele, um sorriso educado demais para ser real. — "Oi, Milena "— ela disse, como se a última vez que nos vimos não tivesse sido envolta naquele ar tenso que só nós duas sentimos. —" Camila" — respondi, simples,quando entramos, percebi Maria quieta, mexendo no celular, evitando conversar. Até mesmo quando ofereci o bolo que ela adorava, ela disse: — "Ah… não tô com fome agora." Eu a conhecia. Ela estava diferente. Distante e não era apenas porque tinha passado dias fora… era outra coisa,na hora de dormir, me sentei ao lado dela na cama. — "Tá tudo bem, filha?" — perguntei, ajeitando o lençol. — "Tá". — respondeu, mas sem me olhar. — "Tem certeza? Você tá meio… quieta comigo." Ela hesitou, mexendo no cobertor. — "É que… lá no vovô, a Camila falou que… você às vezes não tem tempo pra mim." O impacto foi como um soco. — "Ela falou isso?" — minha voz saiu mais firme do que eu queria,Maria deu de ombros, já arrependida de ter dito. — "Não liga, mãe… é que ela disse que às vezes você tá ocupada com outras coisas…" — "Outras coisas?" — eu respirei fundo, tentando não deixar a raiva transparecer — "Maria, eu nunca vou estar ocupada demais pra você. Nunca." Ela apenas me olhou, meio confusa, meio defensiva, e foi aí que eu entendi: não era só um comentário solto. Era uma semente plantada,na manhã seguinte, quando fui deixar Maria na escola, encontrei Camila no portão, eu sorri de volta. Mas dentro de mim, jurei que não deixaria essa mulher afastar minha filha de mim, o jogo tinha começado.Quarta-feira eu estava na saída da escola, encostada no carro, esperando Maria,as mães se espalhavam pelo portão, conversando, rindo, e eu sentia o vento frio de Curitiba cortando pela manhã. Foi então que vi o carro de Bruno se aproximar… e, no banco do passageiro, lá estava ela. Camila saiu como se fosse cena ensaiada, óculos escuros, cabelo solto, e aquele sorriso que nunca chegava aos olhos. — "Oi, Milena. "— disse, inclinando levemente a cabeça. — "Como você tá?" — "Bem". — respondi. — "E você?" — "Ótima. A viagem pro Rio foi maravilhosa… Maria adorou. A gente conversou bastante." — Ela enfatizou a última frase, como quem coloca um marcador na mesa. — "Imagino." — mantive o olhar fixo, não piscando. — "A Maria sempre adora conhecer lugares novos." Ela riu, leve demais para ser natural. — "É… e também é bom quando a gente pode ter tempo pra ela, né? Com calma… sem pressa." A frase pousou entre nós como um copo derramado,eu sabia exatamente o que ela queria dizer,e Bruno e nada ali naquele momente era a mesma coisa,nada.
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