"Contrato de Casamento? Só Que Não"

1002 Words
O hotel? Um palácio disfarçado de hospedagem. No check-in, me trataram como se eu fosse uma convidada. Fiquei tentada a rir, achando que tinham confundido meu nome com o de alguma VIP. "Desculpa, tem alguma confusão aqui..." No briefing, uma moça do RH de tailleur justo e olhar impessoal foi direta: — Seu papel é simples: representar com simpatia. Você vai acompanhar uma comitiva e ficar à disposição para tradução, se necessário. Mas o mais importante: seja discreta. O evento é cultural, tem forte tradição. É quase simbólico. E você foi escolhida por ter um perfil... neutro. "Neutro", no caso, era o combo perfeito entre sangue árabe e nacionalidade brasileira. Alguém que entendesse, mas não desafiasse. Que brilhasse, mas sem atrapalhar. Que coubesse onde precisassem. E eu, ainda iludida, só balancei a cabeça. A assistente me entregou o vestido. Vinho profundo, com bordados finíssimos, tão leve que parecia flutuar. Eu me olhei no espelho, estranhando a própria imagem. Não parecia fantasia — era real. Bonito demais. Caro demais. Cerimonial demais. Ainda assim, vesti. Prendi o cabelo. Passei um gloss. Respirei fundo. E me posicionei na entrada do salão, tentando parecer elegante com um salto que não era meu número e um coração que batia rápido demais. O salão de eventos era o lugar mais luxuoso que eu já tinha pisado. Cheirava a rosas, ouro e dinheiro. Muito dinheiro. E tradição. Estava no ar. Na música baixa, nas cortinas de tecido pesado, nas mulheres sentadas com vestidos longos e olhares atentos. Nos homens de trajes impecáveis, conversando baixo. O problema — e sempre tem um problema — é que ninguém me explicou o que, de fato, era o tal evento simbólico. Se tivessem dito que envolvia noivado, alianças e um sheik com cara de vilão de novela mexicana, talvez eu tivesse perguntado se o cachê incluía terapia. Ou, no mínimo, se ia passar na TV. Mas não. Eu entrei no salão, sorri educadamente e... ele estava lá. O sheik. Alto. Imponente. A luz do fim de tarde atravessava as cortinas douradas e batia no rosto dele como num filme. A pele bronzeada, o maxilar forte, o olhar preciso. Era como se todo o ambiente tivesse sido desenhado para ele. Quando nossos olhos se encontraram, senti uma coisa estranha. Como se ele soubesse. Como se já esperasse por mim. E o pior? Todo mundo pareceu concordar com ele. Ele se levantou da cadeira devagar, como se tivesse acabado de encontrar a resposta de uma pergunta antiga. É bonito. Bonito demais. Daquele tipo de beleza que não pede licença — só invade. Me vi desviando o olhar, mas tarde demais: o calor já subia pelo meu pescoço, queimando vergonha e confusão. Ele caminhava em minha direção com uma elegância que não se aprende. O salão inteiro silenciou. E eu? Eu só consegui ficar ali. Parada. Estática. Com um sorriso protocolar que escorria pelo canto da boca. De repente, começou uma música suave. Eu congelei. Pétalas foram jogadas no ar, como se alguém tivesse apertado o botão "romance forçado" do universo. E antes que eu entendesse o que estava acontecendo, senti uma leve pressão nas costas — alguém me empurrava, sutil, mas firme, como quem conduz uma atriz para o centro do palco. — Espera... — murmurei, mas a música abafava minha voz. Vozes em árabe ecoavam ao redor. Não consegui captar tudo, mas algumas palavras vieram claras como cristal: honra, aliança, destino. Meu coração disparou. Não como quem está emocionada. Como quem está em perigo. — Desculpa... — tentei de novo, mais alto agora, tentando recuar. — Acho que houve um engano. Mas ninguém parou. Ninguém me olhou. Ou pior: olharam... e sorriram. Como se eu fosse a peça que faltava. A escolhida. A certa. Foi quando alguém disse: — Al-'arousa noor hadha al-layl. A noiva é a luz desta noite? Eu tinha entendido certo? E eu pensei: Ferrou. Roubaram minha identidade. Ou a da noiva. Ou eu sou a noiva? NÃO, POR AMOR DE ALLAH, NÃO! O sheik sorriu. E aquele sorriso... era o tipo de sorriso que destrói muralhas. Ou pelo menos, estruturas emocionais m*l sustentadas. Nesse momento, uma mulher ajeitou o meu vestido com delicadeza e sussurrou no meu ouvido algo que fez o mundo parar: —Mabrouk, Layla... Você foi escolhida por Khaled Al Makto e ele finalmente está se casando. E eu congelei. Como? Como assim? —Espere—falei em árabe quando ela faz menção de se afastar—Eu não sou a noiva dele. —Sim, é. Entre todas ele te escolheu. Deve se sentir honrada com isso. A noiva oficial tinha fugido horas antes? E alguém, em algum lugar, achou que eu era o plano B perfeito? É isso? Porque eu estava no lugar certo, na hora errada... ou no lugar errado, na hora exata? Agora eu estou presa num castelo no meio do deserto, com uma aliança no dedo, um passaporte confiscado e atada a um louco? Fiquei ali, estática, tentando assimilar. Minha cabeça girava. Noiva. Desaparecida. Substituição. E eu... no lugar dela. Tudo começou a se encaixar com a mesma lógica torta de um pesadelo. O vestido já estava pronto. E o cargo "neutro" que me deram era só um pretexto. Eles precisavam de alguém. Qualquer uma. E eu, com meu árabe arranhado, minha cara de "estou perdida, mas tô sorrindo" e minha nacionalidade conveniente, fui o encaixe perfeito. Ou o erro perfeito. O sheik se aproxima, passos lentos, calculados, e os olhos percorrem meu rosto como se estivessem decifrando uma linguagem secreta. — O destino nos uniu, mas não antes de meus olhos te escolherem. — Ele diz em árabe, com um sorriso que parece mais uma armadilha do que um elogio. Isso é um casamento ou uma peça publicitária de perfume árabe? E eu respondo, também em árabe, com a boca seca e o coração tentando escapar pela garganta: — Eu definitivamente não sou quem você acha que eu sou. Desculpa, houve um engano...Eu...não sou a mulher que pensa. Não sou a noiva.
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