Elas me cercam de novo. Começam a me conduzir por um corredor lateral, com pétalas caindo do alto como numa cena de filme romântico. Mas para mim, cada pétala parece pesar um quilo de dúvida. E de expectativa.
Chegamos diante de uma porta dourada, alta, ornamentada. Duas delas me ajeitam o cabelo. Uma última passa algo brilhante nos meus ombros, com dedos leves demais. Como se me preparasse para... um altar. Como se eu fosse um presente. O presente da noite.
A porta se abre.
O quarto. Não o do hotel. Outro. Maior. Mais imponente. Com uma cama no centro. Véus brancos flutuando do teto. Velas acesas. Almofadas por todo lado. Cheiro de jasmim e incenso.
A cena perfeita para um conto de fadas. Ou para o começo de uma sentença de luxúria.
Eu paro na porta. O coração batendo na garganta. Na nuca. Nos pulsos.
E então, atrás de mim, ouço passos. Ele. Khaled. Vestido de preto. Impecável. E, ainda assim, selvagem no silêncio. Com o mesmo olhar que teve desde o começo: calmo, decidido, impenetrável. Mas agora... mais escuro. Mais denso.
Ele para atrás de mim. Não me toca. Mas está ali. Tão perto que meu corpo já sente antes do toque. A respiração dele roça minha nuca. E minha pele reage. Como se esperasse.
— Bem-vinda — ele diz, baixo. — Ao começo de tudo.
Eu fecho os olhos. E penso:
Ferrou. Eu me casei mesmo. Com um homem que dança com espada, ignora "não", e me chama de esposa como quem chama uma tempestade de "brisa".
Mas o pior?
É que uma parte de mim... quer chover.
Mas ainda estou de pé. E enquanto estiver... ainda sou minha. Mesmo que, por fora, pareça dele.
😟😟😟😟
Layla
"A verdade sempre tem um preço."
Depois da cerimônia, estou trancada nesse quarto há horas. O tipo de quarto que deveria parecer um sonho — cama king-size com dossel dourado, lençóis que mais parecem nuvens feitas de algodão egípcio batido por anjos, varanda com vista para o nada absoluto do deserto e uma banheira do tamanho de um Fiat Uno. Mas tudo o que consigo sentir é claustrofobia. E raiva. Uma raiva quente, fervente, que lateja atrás dos meus olhos como se meu cérebro estivesse tentando explodir por pura indignação.
Minha cabeça martela sem parar, como se cada pensamento fosse um pedregulho batendo contra as paredes do meu crânio. Tento encaixar cada peça desse quebra-cabeça surreal, grotesco, digno de pegadinha do Silvio Santos versão apocalipse, mas só consigo concluir uma coisa: alguém me usou. Me jogaram num papel que não era meu. Literalmente.
E o mais assustador?
Ninguém veio me dizer que foi um erro.
Ninguém pediu desculpas.
Ninguém me explicou absolutamente nada.
A única coisa que fizeram foi me deixar aqui — com um vestido bordado pendurado na porta, que parece ter sido costurado com lágrimas de sereia; um prato de tâmaras com mel na mesa, como se açúcar compensasse sequestro; e duas mulheres que não falam uma palavra comigo. Só me observam. Uma com expressão de quem já me enterrou três vezes. A outra, com cara de que tá esperando o espetáculo começar. Me olham como se eu fosse uma relíquia frágil. Ou uma bomba-relógio prestes a explodir com glitter e escândalo.
Acho que é mais a segunda opção.
Até que a porta se escancara. Sem aviso. Sem batida. Como se privacidade fosse um conceito estrangeiro por essas bandas. Ela simplesmente abre com autoridade. E lá está ele.
O homem.
O suposto Sheik.
De novo.
Alto. Irritantemente bonito. Desgraçadamente cinematográfico. Só que agora, com um olhar que não sorri. Nada naquele rosto se move em direção à empatia. Ele entra como quem tem posse da areia, do vento, do quarto. E, aparentemente, de mim.
As servas desaparecem em segundos. Como se soubessem que esse momento não comporta testemunhas.
Ficamos só nós dois.
E ele me encara. Fixo. Firme.
Como se pudesse me atravessar com os olhos.
E que Deus me perdoe... mas ele é lindo.
Lindo de um jeito que me irrita. Que me desconcentra. Que me faz odiar o fato de não conseguir desviar o olhar.
— Layla. — Ele diz meu nome como quem prova um vinho raro. Só que o tom? Frio. Afiado. Como se cada letra viesse com uma lâmina embutida. — Linda Layla. E agora minha.
Como assim?
Ele fala meu português?
Ótimo. Assim fica muito mais fácil ele entender os palavrões que eu tô prestes a usar.
Levanto-me da cama como um tiro, coração batendo igual escola de samba em véspera de desfile. Estou pronta para explicar. Preciso explicar. Mesmo que ele não queira ouvir. Mesmo que me ignore. Mesmo que ache que sou só um número.
— Olha, eu não sei o que aconteceu naquele evento. Só me mandaram vir, me deram esse vestido, jogaram pétalas em cima de mim e, de repente... disseram que eu era a noiva. Mas eu não sou. Isso tudo é um tremendo engano. Eu vim trabalhar. Eu sou tradutora. Tradutora! Eu juro! Não me candidatei a esposa.
Ele escuta. Ou pelo menos finge bem. Os olhos fixos em mim, como se estivesse decifrando um código secreto. Braços cruzados. Nenhuma reação. Zero piscadas.
Continuo tropeçando nas palavras:
— Eu não sei onde está a noiva verdadeira. Eu nem conheço ela. Nem sabia que existia. Eu só queria... — minha voz falha. Droga. Não agora. — Eu só queria ganhar meu dinheiro, fazer meu trabalho e voltar para casa. Eu não queria enganar ninguém.
Silêncio.
Um silêncio que pesa mais do que essas cortinas de cetim que parecem ter sido herdadas de um sultão cansado da vida. Um silêncio denso, quase sólido. Até que ele dá um passo à frente. Depois outro. E então para. Tão perto que consigo sentir o perfume dele: amadeirado, sofisticado, com uma nota de "eu tenho poder demais e sei disso". Quase irritante de tão bom.
— Você casou comigo. — Ele diz isso como quem fala que alugou um carro no aeroporto. Simples. Impessoal. Indiscutível.
— Não! Eu fui usada! Eu nem sabia! Você viu! Eu tentei sair, tentei falar... ninguém me ouviu!
Ele inclina levemente a cabeça, com aquela pose de quem analisa ações na bolsa de valores. E então vem o sorriso.
Aquele sorriso.
Um sorriso que dá vontade de jogar o vaso da mesa nele. Um sorriso frio. Preciso. Quase c***l. Um sorriso que me diz: "bem-vinda à jaula, minha cara".