A AMIGA E A SOMBRA

1345 Words
O sol da manhã entrava pelas frestas da janela, dourando o quarto simples onde Laura e Malu dormiam. O silêncio trazia um alívio raro, como se o mundo, por um instante, tivesse esquecido de persegui-las. A notícia da recaptura de Eduardo havia dado a elas dias de descanso. Ainda assim, dentro de Laura, o medo nunca desaparecia por completo. Sabia que monstros não se rendem facilmente, que o ódio sempre encontra formas de sobreviver. Foi nesse intervalo de falsa tranquilidade que uma mensagem inesperada chegou. Rose, sua melhor amiga desde a juventude, tinha conseguido notícias por vias tortuosas e agora estava a caminho da Turquia. Laura não acreditava de imediato. Achou loucura, perigo, imprudência. Mas quando ouviu a voz de Rose ao telefone, cheia de saudade e calor humano, não resistiu. — Eu preciso te ver, Laurinha. — A voz de Rose tremia, mas era decidida. — Você não pode lutar tudo isso sozinha. Me deixa cuidar de você, ao menos por uns dias. Laura chorou ao ouvir aquilo. Rose sempre fora sua fortaleza em tempos de tempestade. Antes de Emir, antes da fuga, era ela quem segurava sua mão quando o mundo desabava. A ideia de reencontrá-la reacendeu algo em Laura que quase esquecera: a sensação de ser amada por alguém que conhecia cada detalhe de sua alma. O Reencontro A chegada de Rose foi como abrir uma janela no coração. Elas se encontraram em um café discreto, num bairro menos movimentado de Izmir, acompanhadas de Emir e de Selim, sempre vigilantes. Laura m*l conseguiu conter as lágrimas quando viu a amiga atravessar a porta com aquele sorriso largo e o abraço apertado de quem carrega anos de cumplicidade. — Meu Deus, Laurinha… você está viva. — Rose a segurava como se fosse perder de novo. — Eu achei que nunca mais te veria. — Eu também achei… — Laura soluçou. — Mas você está aqui. E isso… isso significa o mundo pra mim. Malu correu até Rose, que a ergueu nos braços, encantada. — Você cresceu tanto! Está linda, minha princesinha. O café se encheu de risos e memórias. As duas relembraram histórias de adolescência, confidências, paixões antigas e as noites em claro quando juravam que nada jamais as separaria. Emir, em silêncio, observava a cena com respeito, admirando o quanto Laura se iluminava ao lado daquela amiga. Por algumas horas, parecia que o medo havia desaparecido. Caminharam juntas pelo bairro, tiraram fotos discretas, compraram doces que Malu devorava com entusiasmo. Foi um momento de respiro, de vida normal. Mas o destino, c***l e atento, rondava à espreita. O Olhar que Não Perdoa Naquele mesmo café, um homem sentado algumas mesas atrás observava a cena. Não parecia diferente de outros clientes: barba por fazer, roupas gastas, olhar cansado. Mas seus olhos se acenderam quando reconheceu Laura. O rosto que vira em fotos antigas, repassadas discretamente por contatos da rede obscura que Eduardo ainda alimentava mesmo preso. Ele não se aproximou. Apenas esperou. Quando Laura, Rose, Emir e Malu se levantaram para sair, ele anotou detalhes: a direção que tomavam, o carro que usaram, placas e sinais. Sabia que aquela informação valia ouro. Na mesma noite, o homem ligou de um telefone público. Uma mensagem rápida, sem nome, sem rastro, chegou até um dos poucos contatos fiéis que ainda arriscavam servir Eduardo. A notícia se espalhou como pólvora até alcançar os ouvidos do próprio prisioneiro. Eduardo, o Prisioneiro de Ódio Dentro da cela fria, Eduardo recebia a informação com um sorriso sombrio. O olhar endureceu, como quem acabara de beber um vinho raro. — Então ela está lá… — murmurou, a voz baixa como veneno. — E trouxe a amiga comigo para a festa. O carcereiro ao lado o fitou com estranheza, mas Eduardo não se importou. Já começava a maquinar. Mesmo preso, ainda havia mãos dispostas a agir em seu nome. Promessas de dinheiro, vingança ou apenas medo suficiente faziam pessoas obedecerem. A notícia reacendeu nele um fogo que a prisão não conseguira apagar: a obsessão de destruir Laura. A Inocência da Amizade Enquanto isso, Laura e Rose viviam dias preciosos. Elas cozinhavam juntas, relembrando receitas antigas; riam até tarde da noite; Malu adorava ouvir as duas contarem histórias da juventude. — Você não sabe como é bom ter você aqui — dizia Laura, olhos marejados. — Eu me sinto menos… sozinha. Rose apertava sua mão. — Você nunca esteve sozinha. Eu sempre estive contigo, mesmo de longe. E vou continuar. Emir, por sua vez, observava em silêncio. Gostava de Rose. Via nela a força de alguém que realmente se importava. Mas ao mesmo tempo, sentia um peso no peito: a visita, embora cheia de amor, aumentava os riscos. Mais pessoas significava mais movimentos, mais chances de serem vistas. Ele não dizia nada a Laura, para não destruir sua felicidade momentânea, mas em seus olhos havia uma sombra de preocupação. O Primeiro Sinal Dois dias após a chegada de Rose, Emir percebeu algo estranho. Um carro cinza estacionava repetidamente na rua de cima, sempre em horários diferentes. Não havia placas suspeitas, mas os detalhes denunciavam: vidro trincado, mesmo motorista de olhar esquivo. Em uma das manhãs, enquanto caminhava com Selim para comprar pão, Emir apontou discretamente: — Acha que ele está de olho? Selim apertou os lábios. — Eu não duvido. Depois de Eduardo, nunca mais subestimo coincidências. Resolveram reforçar a vigilância, dobrando as rondas e limitando os locais que frequentavam. Rose estranhou o cuidado excessivo, mas Laura explicou em voz baixa: — Minha vida virou uma constante fuga, amiga. É por isso que eu sempre tive medo de te chamar. Rose suspirou, abraçando-a. — Eu vim sabendo do risco. Mas não ia deixar você enfrentar tudo sozinha. A Rede se Movimenta A notícia da presença de Rose começou a circular em pequenos círculos da cidade, sem que elas soubessem. Pessoas comuns comentavam sem malícia — “duas mulheres estrangeiras foram vistas com uma criança e um homem turco” — mas, em tempos de perseguição, cada palavra era munição. Em uma tarde, Selim recebeu uma ligação anônima: alguém mencionara Laura em uma conversa suspeita perto do porto. O sangue dele gelou. Correu até Emir. — Já sabem. — disse em voz firme. — Alguém viu. Emir fechou os olhos, respirou fundo e respondeu: — Precisamos agir antes que seja tarde. O Retorno da Ameaça Na prisão, Eduardo aguardava como quem observa uma caça cercada. Suas mãos não podiam alcançá-las diretamente, mas o simples fato de saber onde Laura estava lhe devolvia uma sensação de poder. Mandou recados por meio de terceiros, instruções secas que prometiam recompensa. — Quero detalhes. Cada passo. Cada lugar que ela pisa. Do outro lado, homens que deviam favores ou temiam represálias obedeciam. A rede de p******o de Laura estava prestes a enfrentar sua prova mais difícil: não apenas Eduardo, mas o rastro de olhos e bocas dispostas a servi-lo. O Coração de Laura Laura, por sua vez, nada sabia. Para ela, aqueles dias eram de renascimento. Ter Rose ao seu lado era como voltar no tempo, resgatar uma parte de si mesma que achava ter morrido na fuga. Sentia-se mais forte, mais confiante, e começava a acreditar que poderia, sim, reconstruir uma vida. Numa noite, deitada na varanda com Rose e Emir, ela confidenciou: — Eu sei que o medo nunca vai embora. Mas quando olho para vocês, quando vejo Malu dormindo tranquila… sinto que valeu a pena tudo. Rose sorriu, segurando sua mão. — Você não imagina a inspiração que é pra mim, Laura. Emir apenas a olhou, com aquele silêncio que dizia mais do que mil palavras. A Sombra Cresce Mas enquanto elas riam, ao longe, um homem observava. O mesmo que as vira no café. Agora tinha fotos, horários, trajetos. E cada detalhe era enviado discretamente para a corrente invisível que levava tudo até Eduardo. Na cela escura, o inimigo sorria. Sabia que, mesmo atrás das grades, sua presença ainda os assombrava. E Laura, sem imaginar, celebrava sua amizade com Rose, enquanto o mundo ao redor se movia em silêncio, preparando o próximo golpe.
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