DECISÃO DE FOGO

1285 Words
O amanhecer em Trabzon trouxe pouco alívio. O mercado central estava lotado, cheio de vozes, cheiros de especiarias e peixes frescos. Mas, em meio à multidão, Laura sentia o coração disparar. A sensação de estar sendo observada não a abandonava. Ela segurava firme a mão de Malu, tentando sorrir para que a filha não percebesse seu desespero. Mas, a cada rosto desconhecido que passava, a cada olhar demorado, Laura tinha certeza de que Eduardo estava por perto. De fato, ele estava. Eduardo caminhava pelas ruas, perguntando discretamente por uma mulher com uma criança. Seus olhos varriam cada movimento, cada detalhe. Ele sabia que estava perto, e isso o tornava ainda mais perigoso. Foi nesse momento que um gesto de solidariedade inesperado salvou Laura e Malu. Uma vendedora de frutas, percebendo o olhar assustado de Laura, se aproximou e sussurrou: — Sigam-me. Rápido. Sem pensar duas vezes, Laura a seguiu por trás da banca. A mulher abriu uma porta estreita que levava a um armazém cheio de caixas de maçãs e laranjas. Escondidas ali, Laura e Malu respiraram aliviadas, enquanto do lado de fora Eduardo passava a poucos metros, olhando ao redor como um predador impaciente. — Ele não pode encontrá-las — disse a vendedora com firmeza. — Aqui vocês estão seguras, mas precisam sair da cidade logo. Horas depois, com a ajuda de Ayla e o seu carro discreto, Laura e Malu conseguiram deixar o mercado sem serem vistas. O coração de Laura ainda pesava, mas dentro dela crescia uma gratidão imensa: pessoas comuns, que m*l as conheciam, arriscavam tudo para protegê-las. O perigo estava cada vez mais próximo, mas o tempo conquistado com a ajuda de estranhos mantinha a chama da esperança acesa. Laura sabia que não podia parar, mas também entendia que não estava sozinha nessa luta. O sol já havia se posto quando Laura percebeu que a atmosfera em Trabzon estava diferente. O silêncio das ruas estreitas parecia mais pesado, como se cada sombra escondesse um olhar. Malu, cansada, apoiava a cabeça no colo da mãe enquanto Ayla dirigia pelas vielas, mas Laura não conseguia descansar. O instinto gritava: Eduardo estava perto. Muito perto. E não era apenas uma sensação. Eduardo, astuto como sempre, havia espalhado dinheiro entre curiosos e moradores locais. Alguns aceitaram a oferta, passando informações sobre uma mulher estrangeira com uma criança. O cerco estava sendo montado, pouco a pouco, em silêncio, como uma rede prestes a se fechar. Selim foi o primeiro a perceber o risco. Ao chegar ao ateliê, avisou com urgência: — Ele está pagando pessoas para vigiar. Já não somos só nós contra ele… agora, a cidade começa a trabalhar a favor dele. O coração de Laura disparou. A ideia de que Eduardo podia ter olhos em todos os lugares era insuportável. — O que vamos fazer? — ela perguntou, sentindo a voz embargada. Fatma, firme como sempre, respondeu: — Vamos confundir o inimigo. Não será fácil, mas ele não conhece as nossas rotas. Assim começou uma noite de tensão absoluta. Ayla levou Laura e Malu até um bairro mais afastado, mas Eduardo, desconfiado, passou a circular pelas mesmas ruas. Houve momentos em que estavam a menos de duas esquinas de distância. Malu, assustada, tremia e segurava forte a mão da mãe, enquanto Laura lutava para não deixar o pânico tomar conta. De repente, um gesto inesperado os salvou: um pescador local, percebendo a situação, se aproximou discretamente e abriu a porta de um pequeno depósito à beira-mar. — Entrem aqui. Rápido, antes que ele veja. E assim, escondidas entre redes e caixas de peixe, Laura e Malu respiraram ofegantes, sentindo o cheiro salgado do mar misturado ao medo. Eduardo passou tão perto que os seus passos ecoaram como trovões. Mas ele não as viu. Ainda não. O cerco estava se fechando. E Laura sabia: a cada dia ficava mais difícil escapar. A escuridão cobria Trabzon como um véu ameaçador. As ruas antigas, iluminadas por poucos postes de luz, pareciam se transformar em cenários de um jogo c***l entre caçador e presa. Laura sentia o coração bater acelerado enquanto guiava Malu pela mão. Cada passo ecoava em sua mente como um grito de alerta. Eduardo havia se preparado. Naquela noite, ele não caminhava sozinho. Dois homens locais, comprados com dinheiro e promessas, rondavam a cidade, descrevendo Laura e Malu para quem cruzassem pelo caminho. Era uma caçada silenciosa, mas implacável. Ayla, percebendo o perigo, dirigia o carro em círculos, tentando despistá-los. Mas Eduardo era paciente. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, elas cometeriam um erro. Foi quando Laura percebeu os passos apressados atrás delas. Não era imaginação: Eduardo estava ali. O som de seus sapatos batendo no chão irregular fez o sangue gelar. Segurando Malu com força, ela correu por uma viela estreita, o coração explodindo dentro do peito. No momento em que a captura parecia inevitável, um jovem rapaz que trabalhava numa padaria noturna abriu uma porta lateral e sussurrou: — Por aqui! Depressa! Laura não pensou duas vezes. Entrou com Malu, e o rapaz as escondeu atrás de sacos de farinha, abafando o som dos seus passos. Segundos depois, Eduardo passou pela frente da padaria, os olhos atentos, farejando o rastro como um predador. — Eu sei que estão aqui… — murmurou para si, antes de seguir adiante. Laura abraçou Malu com força, sentindo o corpo da filha tremer. Lágrimas silenciosas escorriam pelo rosto da menina, mas Laura a beijou na testa e sussurrou: — Estamos juntas, e enquanto estivermos juntas, ele nunca vai vencer. A solidariedade novamente as salvara, mas a cada noite, Eduardo estava mais perto, mais ousado, mais implacável. O jogo de fuga e sobrevivência chegava a um ponto insuportável. E Laura sabia: em breve, teria de tomar a decisão mais difícil da sua vida para garantir o futuro de Malu. A madrugada em Trabzon estava sufocante. O barulho distante das ondas do Mar n***o se misturava ao silêncio pesado que caía sobre a cidade. Laura não conseguia dormir. Malu repousava ao seu lado, exausta de tanto medo e fuga, mas a mente de Laura estava em chamas. Fugir já não era o bastante. Eduardo sempre encontrava um jeito de se aproximar, como uma sombra que nunca desaparecia. A cada rua percorrida, a cada rosto desconhecido, Laura sentia a ameaça crescer. Não podia continuar assim. Não podia condenar Malu a uma vida de medo eterno. Sentou-se à beira da cama, as mãos trêmulas, e murmurou para si mesma: — Preciso acabar com isso. Preciso proteger a minha filha de verdade. Na manhã seguinte, Laura reuniu Selim, Fatma e Ayla no ateliê. O seu olhar estava firme, mesmo que por dentro o coração sangrasse. — Fugir não basta mais. Ele sempre estará atrás de nós. Preciso de um plano… preciso enganá-lo de uma vez por todas. Selim coçou a barba, pensativo. — Você fala de despistá-lo, fazê-lo acreditar que seguiu a trilha certa, quando, na verdade… vocês já estariam em outro lugar. Fatma completou: — É arriscado. Mas pode funcionar. Eduardo não é burro, mas o orgulho dele o torna cego. Ayla bateu com a mão no volante do carro. — Eu posso levá-las para fora da cidade. Mas precisamos de um disfarce, algo que o faça olhar na direção errada. Laura respirou fundo. Sabia que estava prestes a arriscar tudo. Mas também sabia que era a única saída. Não podia viver eternamente como uma sombra. Malu merecia luz, merecia infância, merecia futuro. Com lágrimas nos olhos, Laura acariciou os cabelos da filha adormecida. E naquele momento, tomou a decisão que mudaria tudo: iriam enfrentar o perigo de frente, criando um plano para despistar Eduardo definitivamente. A “decisão de fogo” estava feita. Agora, não havia mais volta.
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