A PRESENÇA QUE ESPREITA

1141 Words
Os dias de luz que Rose trouxera haviam terminado, mas os rastros que deixara permaneciam. Laura sentia o coração leve ao lembrar dos momentos ao lado da amiga: as risadas na cozinha, os castelos de areia, as músicas na sala. Era como se tivesse redescoberto que a vida podia ser doce. Mas o mundo, Laura aprendera, nunca deixava que a felicidade durasse muito. Quando Rose embarcou de volta, alguém observava de longe. O mesmo homem de casaco cinza, o mesmo olhar persistente que já havia anotado cada detalhe da estadia de Laura. Ele não precisava de mais nada: já tinha fotos, horários, placas e uma narrativa convincente. Na mesma noite, num beco úmido da cidade, entregou as informações a um mensageiro que não fazia perguntas. O dinheiro trocou de mãos, e a notícia seguiu por fios invisíveis até alcançar a mente de quem jamais deveria saber: Eduardo. Eduardo e a notícia Na cela fria, Eduardo recebia o bilhete dobrado dentro de um livro que lhe fora entregue como presente de um "visitante". Nada oficial, nada que pudesse ser facilmente rastreado. Abriu as páginas devagar, e o papel caiu sobre suas mãos. As palavras eram poucas, mas bastavam: "Laura localizada. Izmir. Mulher estrangeira esteve com ela. Fotos confirmam. Detalhes em andamento." Os olhos de Eduardo se acenderam como fogo em noite escura. O sorriso que escapou de seus lábios fez o companheiro de cela recuar, assustado. — Izmir… — ele murmurou. — Então é lá que você se escondeu, minha querida. Fechou os olhos por um instante, sentindo uma onda de triunfo. Não importava se estava preso. O conhecimento era poder, e ele tinha, mais uma vez, algo para usar contra ela. A rede invisível Mesmo encarcerado, Eduardo ainda possuía uma rede de contatos. Eram homens que lhe deviam favores, mulheres que temiam sua ira, e pequenos criminosos que buscavam recompensa. Através de mensagens cifradas, promessas de dinheiro e ameaças veladas, ele ainda mexia peças de um jogo perigoso. Um dos guardas, já conhecido por sua ganância, servia como mensageiro. Ele entregava bilhetes, levava recados, recebia dinheiro de fora e fazia de conta que nada via. Eduardo o manipulava com maestria: um sorriso falso aqui, uma ameaça silenciosa ali. — Quero olhos em Izmir. — disse Eduardo, baixo, para o guarda. — Quero saber cada passo que ela dá. Onde vive, com quem anda, o que faz. Não me importa como, mas traga-me notícias. O homem assentiu, nervoso. Sabia que recusar não era uma opção. A vida de Laura Enquanto isso, Laura tentava prolongar o brilho da visita de Rose. Malu ainda falava da “tia querida” todos os dias, pedindo para ligar para ela, relembrando histórias. Emir sorria, mas sempre atento, os olhos percorrendo ruas, analisando sombras, desconfiando até do vento. Numa manhã, Laura comentou com ele: — Sabe… às vezes penso que posso voltar a viver de verdade. Rose me lembrou disso. Me lembrou que não posso deixar o medo controlar tudo. Emir a olhou sério. — Você merece viver, Laura. Mas não podemos esquecer que ele ainda existe. Eduardo não é um homem que aceita derrota. Ela suspirou, passando a mão nos cabelos. — Eu sei… mas quero acreditar que estamos seguros agora. Ele não respondeu. Apenas a abraçou, em silêncio, como se soubesse que a segurança era uma miragem que poderia se quebrar a qualquer momento. O primeiro eco da ameaça O sinal de perigo não demorou. Selim, que mantinha contato com policiais locais, recebeu uma informação discreta: pessoas estavam perguntando por uma mulher estrangeira com uma filha pequena. Ele contou a Emir no mesmo dia, o rosto carregado de preocupação. — Alguém está farejando de novo. — Eduardo. — Emir respondeu sem hesitar. — Talvez. Ou talvez gente comprada por ele. Selim encarou o amigo com firmeza. — Você sabe o que isso significa, não sabe? — Que nunca estivemos realmente livres. — Emir apertou os punhos. Decidiram não contar nada a Laura ainda. Ela merecia alguns dias de paz, merecia acreditar que o pior tinha passado. Mas Emir sentia o peso crescer em seus ombros: a sombra estava voltando. Eduardo prepara o golpe De dentro da prisão, Eduardo tecia planos com precisão. Sabia que não poderia escapar tão cedo, mas podia criar o caos. Bastava uma ordem. — Quero que tragam ela até mim. — disse ao mensageiro, os olhos faiscando. — Não importa como. Se não conseguirem, façam com que ela sinta que não pode respirar. Quero medo, quero desespero. O mensageiro tentou argumentar: — É arriscado… a polícia está em alerta desde sua fuga. Eduardo avançou, o rosto a centímetros do dele, a voz baixa e mortal. — Você acha que eu me importo com riscos? Traga-me resultados. O homem assentiu, engolindo seco. Sabia que estava lidando com alguém capaz de tudo. O peso no coração de Laura Nessa mesma noite, Laura sonhou com Rose. No sonho, estavam novamente à beira-mar, rindo e cantando, mas de repente a água ficava escura e mãos emergiam das ondas, puxando-as para baixo. Acordou assustada, o peito ofegante. Emir a encontrou na varanda, olhando o horizonte com lágrimas nos olhos. — Pesadelo? — ele perguntou, tocando de leve seu ombro. Ela assentiu, em silêncio. — Ele ainda está aqui, não está? — disse, quase num sussurro. — Mesmo preso, eu sinto como se ele pudesse me alcançar. Emir segurou suas mãos, firmes. — Ele não vai te tocar, Laura. Não enquanto eu respirar. As palavras dela saíram em meio ao choro: — Tenho medo de perder Malu… medo de que tudo o que construí desabe. Emir a abraçou, deixando que ela chorasse em seu peito. — Você não vai perder. Nem Malu, nem a vida que está reconstruindo. Eu prometo. O fio de esperança Apesar da sombra crescente, havia algo diferente agora. Laura não era mais a mesma mulher que fugira desesperada meses atrás. Ela tinha Emir, tinha Selim, tinha Fatma e até Rose, que prometera voltar. E acima de tudo, tinha uma rede de pessoas dispostas a protegê-la. Ela própria sentia-se mais forte, mais consciente. Talvez ainda tremesse diante do nome de Eduardo, mas não era mais refém dele. Certa noite, ao colocar Malu para dormir, Laura sussurrou à filha: — Você é minha força, meu amor. Enquanto eu tiver você, ninguém vai me destruir. Malu, sonolenta, sorriu e murmurou: — A gente é invencível, mamãe. Laura chorou em silêncio, mas dessa vez de esperança. Eduardo sorri no escuro Na prisão, Eduardo recebeu novas notícias. Fotos borradas, relatos vagos de vizinhos que falavam de uma “mulher com uma criança e um estrangeiro”. Para ele, aquilo bastava. Guardou as imagens dentro da bíblia que fingia ler. Fechou os olhos e sorriu. — Agora, Laura… — murmurou. — O jogo recomeça. E no silêncio da cela, sua risada baixa ecoou como uma promessa de destruição.
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