Eu estava em uma sala, sentada em uma cadeira enquanto aguardava Ruggero, que conversa com uns policiais, queria saber do que eles tanto falavam. Espiei os dois, estavam longe, não conseguia ouvir o que eles estavam conversando, voltei a sentar na cadeira sem entender o que estava havendo. Senti um misto de tristeza e medo. Eu só queria os meus pais. Não entendia o porquê de estar naquele lugar, estava tão assustada, com tanto medo, só queria ir pra casa, pra minha casa...
Logo, Ruggero voltou acompanhado de um policial e uma moça bem bonita, ela parecia simpática, tinha um sorriso doce.
- Oi. - Me disse a moça com um imenso sorriso.
- Oi. - Falei.
- Qual o seu nome, meu amor?
- Kimberly. - Digo ao olhar para Rugge.
- Querida, escuta aqui. - Fala Ruggero ao se abaixar ficando do meu tamanho. - Essa moça é a Aline, ela cuidará de você a partir de hoje.
- Pra onde ela vai me levar? - Questionei um pouco assustada.
- Você irá para um local que terá várias outras crianças pra brincar com você, vai estudar, terá uma caminha só pra você, comidinha gostosa…
- Eu não quero ir. - Falei com um imenso receio. - Posso ficar com você?
Ele baixou a cabeça e depois olhou para a tal Aline como se pedisse permissão, porém ela negou com a cabeça. Não era justo, primeiro eu perdia meus pais e agora iria para um lugar estranho, cheio de pessoas estranhas, eu não queria nada disso.
- Infelizmente não dá, pequena. Mas eu prometo que te visitarei sempre que possível. Eu não vou te abandonar, viu? Prometo.
Eu não queria ir pra esse lugar. Fiquei com tanto medo por ser algo novo, não sabia como seria.
O lugar era enorme, parecia uma casa de dois pisos, muito grande, maior que a minha, mas com certeza não era tão boa quanto a minha casinha.
A Aline era assistente social, eu tinha gostado dela, era muito carinhosa, pensei que ela ficaria comigo no abrigo, mas não ficou. Aquele lugar era enorme e eu tão pequena, me senti completamente deslocada, sem saber pra onde ir, na verdade eu sabia, queria ir pra casa, pra minha casa.
- Oi. - Falou uma pequena menina.
- Oi. - Falei meio tristonha.
- Sou a Camila, mas pode me chamar de Mila. - Disse com um doce sorriso. - E qual o seu nome?
- Kimberly, mas pode me chamar de Kim. - Sorri.
Mila era uma linda menina, tinha a pele n***a e cabelo castanho encaracolado e os olhos negros como a noite. Ela era apenas um ano mais velha que eu. Foi a minha primeira e melhor amiga no abrigo. A partir desse dia não nos desgrudamos mais.
No abrigo tínhamos horário pra tudo, de manhã tomávamos café e logo já íamos pra escola, todos nós estudávamos no mesmo colégio, quando chegávamos almoçávamos, fazíamos os deveres da escola, depois tínhamos umas horas livres, depois era café da tarde, e alguma aula diferenciada (como inglês, música, espanhol, artes e educação física), cada dia era uma aula diferente, após isso era a janta, depois duas horas livres e depois hora de dormir. Assim eram todos os dias. Ah, e duas vezes por semana eu fazia acompanhamento com uma psicóloga, e eu até que gostava, ela era boazinha e gostava de crianças.
As pessoas que trabalhavam ali eram bem legais, exceto pela Fabiane, a zeladora, ela assustava todas as crianças, não tinha alguém que não tivesse medo dela, era assustadora, e ela vivia pegando no meu pé.
Além da Mila, eu fiz algumas amizades como o Luka, a Hanna e a Debby. Pena que no abrigo tinha a Ana Clara e a Ana Júlia, elas tinham oito e nove anos, respectivamente, e eram muito chatas, viviam pegando nos pés dos menores, como a gente. Não gostávamos delas.
- O seu protetor chegou. - Falou Ana Clara ao cruzar os braços e se pondo a me encarar.
Abri um enorme sorriso e sai correndo, pois já sabia de quem se tratava. Parei e o vi. Ele também me viu e sorriu. Corri e pulei em seu colo.
- Oi, pequena. - Falou Rugge. - Como você está?
- Melhor agora. - Digo com um grande sorriso.
Fazia três meses que eu estava no abrigo, volta e meio Rugge me visitava, ele ficava um tempão conversando comigo, fazia questão em saber como eu estava, eu gostava muito dele, Rugge era tão legal, e as vezes me levava algum presente, eu gostava, mas o meu maior presente era poder vê-lo.
- Trouxe algo para você. - Ele disse.
- O que é? - Perguntei bastante curiosa.
Ele me mostrou. Era uma boneca e era linda. Não era pequena e nem muito grande, tinha cabelos louros e olhos castanhos e vinha com fraldinha e mamadeira, era tão fofinha.
- Eu adorei. Obrigada! - Falei ao abraçá-lo.
Eu adorava as visitas do Rugge, pena que eram curtas, já que lá tinha horários para visita e infelizmente não eram todos os dias.
- Olha a boneca que o tio Rugge me deu. - Falei ao mostrar para meus amigos.
- Olha, a novata ganhou presentinho. - Falou Ana Clara.
- Claro, ela tem um amigo lá fora, mas não por muito tempo. - Disse Ana Júlia.
- Do que você está falando? - Perguntei.
- Logo, logo, esse cara vai esquecer de você, do mesmo jeito que esqueceram da gente. Ele vai te abandonar.
- Mentira! - Gritei para as duas chatas. - Não vai, não!
- Claro que vai. - Disse Ana Júlia. - Não seja boba.
- Sua mentirosa!
Nisso, Ana Clara, a líder da dupla, pegou a boneca da minha mão.
- Hey, me devolve! - Pedi tentando pegá-la.
- É, essa boneca não é sua. - Falou Luka em minha defesa.
- E não será de mais ninguém. - Disse Ana Clara se pondo a arrancar a cabeça, os braços e pernas da minha boneca.
- Não! - Gritei começando a chorar.
- Pega a sua bonequinha. - Falou ao jogá-la em minha cama.
As duas saíram e eu me sentei aos prantos na minha cama. Meus amigos sentaram do meu lado e tentaram me consolar. Eu não entendia o porquê delas não gostarem de mim, talvez fosse pelo fato das tias do abrigo gostarem muito de mim, acho que aquelas duas tinham inveja, acho que a única que não gostava nadinha de mim era Fabiane, mas essa também não gostava de ninguém, vivia com a cara emburrada, estava sempre de mau humor.
Alguns meses já haviam se passado. Minha vida no abrigo não estava nada fácil, as Ana´s estavam cada dia mais insuportáveis, faziam de tudo para infernizarem minha vida e eu nem sabia o porquê. A zeladora, Fabiane, também não parava de pegar no meu pé, ela vivia me dando bronca por motivos inúteis e sempre eu era castigada por algo, já fui trancada no sótão escuro onde fiquei a noite toda, eu estava com medo, fome, frio e não tinha ninguém para me ajudar, foi h******l, uma vez ela me deixou amarrada no pátio do abrigo por horas enquanto caía uma chuva interminável, pena que ela estava responsável pela gente, aposto que ninguém aceitaria que ela fizesse isso com uma criança.
Certo dia, à noite, eu fui ao banheiro e me deparei com uma cena h******l, cinco garotos (Fábio, Júnior, Marcelo, Augusto e Alfredo), todos eles com idade entre 14 e 17 anos, estavam molestando duas crianças (Ágata, de 7 anos e Mauricio, de 3). Fiquei paralisada ao ver a cena. Eu não entendi nada do que estava acontecendo alí, mas aquilo me assustou muito, me deixou incomodada. Notei o pavor nos olhos de Ágata e Maurício. Fiquei tão assustada, que nem consegui me mexer.
- p***a! - Disse Júnior ao me ver. - O que você está fazendo aqui?
- Eu… Eu… Eu queria fazer xixi.
- O banheiro está ocupado. - Disse Alfredo.
Olhei para os cinco que estavam me olhando e sai correndo. Júnior e Alfredo correram atrás de mim. Senti muito medo, não queria que eles fizessem a mesma coisa comigo.
Júnior me pegou no colo, e eu bati em suas costas, pedindo para ele me soltar.
- Escuta aqui, pirralha. - Falou ao me colocar no chão. - Se você contar pra alguém, faremos a mesma coisa com você. Tá entendendo?
Olhei para os dois e morrendo de medo apenas acenei a cabeça positivamente.
- Boa menina! - Disse Alfredo.
Os dois sairam indo em direção novamente para o banheiro. Fiquei tão m*l pelas crianças, queria contar tudo o que eu vi, mas tinha medo deles me machucarem também. Eu não sabia o que era aquilo, mas sabia que estava errado, pois as vezes meus pais conversavam comigo sobre essas coisas e falavam que ninguém poderia tocar no corpo das crianças, não entendia porque aqueles idiotas estavam fazendo isso, será que eles não sabiam que é errado? Eu não sabia o que fazer, não podia guardar esse segredo, mas também estava com medo.