Rafaela Narrando
Eu sou a Rafaela, tenho 17 anos e se tudo der certo, esse vai ser o Natal mais doido, mais inesperado e mais inesquecível da minha vida. Faz sete anos que eu não vejo a família do meu pai. Sete. Uma vida inteira quando a gente é adolescente. A última vez que estive com eles eu tinha dez anos, ainda morava no Rio Grande do Sul, magrela, sem entender nada da vida, agarrada no braço do meu pai achando que o mundo era enorme demais pra mim.
Depois que nos mudamos pra Salvador, por causa do trabalho do meu pai, tudo ficou corrido, distante… e, aos poucos, a gente foi perdendo contato. Não por briga, mas por essas coisas que a vida empurra. Mas agora… agora eu estou voltando. E, sinceramente? Eu tô empolgada como nunca.
Acordei antes do despertador tocar, com o coração batendo mais rápido do que asa de beija-flor. Tomei banho, arrumei meu cabelo loiro — enorme, quase batendo na cintura — e passei um gloss só pra deixar minha boca com aquele brilho bonito. Minha pele já é naturalmente bronzeada, fruto do sol baiano que me acompanha desde sempre, e minhas bochechas estavam mais coradas só de nervoso.
Coloquei meu short jeans favorito. Aquele que abraça a minha bundinha redondinha e deixa minhas pernas torneadas em destaque. Não que eu esteja tentando chamar atenção… mas, se chamar, também não reclamo. Esse Natal eu quero extravasar. Viver tudo. Não pretendo voltar tão “pura” assim pra Salvador, não.
Peguei minha mala lilás e fui pra sala, onde meu pai já me esperava. Ele sorriu daquele jeito meio orgulhoso, meio preocupado.
— Preparada, Rafa? — meu pai perguntou e eu respirei fundo.
— Preparadíssima — respondi com um sorriso que já denunciava a minha animação.
No carro até o aeroporto, fiquei olhando a cidade passar pela janela. Salvador amanhecia quente, viva, cheia de cor… mas meu destino era outro. Eu tava indo para o Rio Grande do Sul, terra fria, cheia de gente que divide o mesmo sangue que eu e que, provavelmente, nem me reconheceria mais.
Quando entrei no aeroporto, senti aquele frio gostoso na barriga. Gente indo pra cima e pra baixo, malas rolando, cheiro de café… parecia que o mundo inteiro tava em movimento, e eu fazia parte dele. Fiz check-in, passei pela segurança e sentei perto do portão de embarque.
Enquanto esperava, fiquei imaginando como seria reencontrar meus primos, meus tios… e, principalmente, pensando no que o destino poderia colocar no meu caminho. Eu tô longe de ser inocente — mesmo com só 1,50m e cara de anjo — e já decidi que esse Natal vai ser diferente.
Eu quero viver. Quero sentir.
Quero fazer história.
E, quando chamaram meu voo, eu sorri. Era agora.Minha aventura começava naquele exato segundo.
No avião, olhando pro lado e vendo todo mundo dormindo — até meu pai, que sempre dizia que não conseguia fechar os olhos em voo — eu tava inquieta, batendo o pé no chão igual gente que não tem paciência pra nada. A tela marcava 3h50, quase quatro horas de viagem, mas parecia que o tempo tinha parado só pra brincar com a minha cara. Aquilo tava virando uma eternidade.
Quando o piloto anunciou o pouso, meu coração acelerou. E, assim que o avião parou e a porta abriu, eu senti. Aquele vento gelado bateu em mim como um choque térmico, um tapa de realidade dizendo “bem-vinda ao Sul”. Arrepiei até a alma.
Descemos pela escada e, a cada passo, o frio entrava pelas brechas da minha roupa baiana. Entrei logo no desembarque, abraçando meus braços pra tentar me esquentar. E foi aí que eu vi.
Lá na frente, uma plaquinha branca com um nome escrito em azul: JAMES.
Eu ri baixinho, olhei pro meu pai e pra minha mãe, sem entender. Eles riram também, mas do meu lado minha testa já tava franzida. Alguma coisa dentro de mim vibrou, disparou, tremeu… senti um arrepio que subiu das minhas pernas e invadiu meu peito.
Quando meus olhos encontraram o dele… meu mundo travou.
Eu não acredito que é o James.
Meu pai soltou uma risadinha:
—Minha filha, nem parece o James de sete anos atrás, né? — meu pai falou como se estivesse lido o meus pensamentos.
Eu, de boca aberta, só consegui balançar a cabeça. Não mesmo. Nem de longe.
Conforme a gente foi indo na direção dele, ele também veio na nossa. A cada passo, aquela sensação estranha aumentava. Eu mordi o canto da boca sem nem perceber.
James esticou a mão pro meu pai, mas o olhar dele não saiu de mim. E o jeito que ele me olhou… meu corpo inteiro arrepiou.
Depois de falar com meu pai, minha mãe e meu irmão, ele entregou a plaquinha na mão do Rodrigo. E aí veio direto pra mim.
Ele riu, chegou perto demais, me abraçou firme…
— Caralhø… tu ficou gostosa demais, pørra. — James sussurrou no meu ouvido.
Senti minhas pernas fraquejarem. O Natal tinha acabado de ficar perigoso.
Ele afastou o rosto, mas a boca quase tocou a minha. Seus olhos azuis-cinza, frios como o inverno lá fora, percorreram meu pescoço, desceram pelo meu decote, e pararam na minha boca. Meu hálito formou uma nuvem entre nós.
— Você ainda está tremendo — ele disse, a voz mais grossa do que eu lembrava. — Pelo frio, ou por mim?
Não respondi. Não precisava. Ele sentiu meu corpo estremecer sob as mãos dele — mãos grandes, que ainda estavam firmes na minha cintura, como se eu fosse fugir.
— A gente vai de carro até a chácara — explicou meu pai, já pegando as malas. — Eu e sua mãe vamos com seu tio no carro dele. Você e o James vão na pick-up dele.
James soltou um sorriso lento, perigoso.
— Vai ser legal, prima. Um tempinho a sós pra botar o papo em dia.
Minha mãe lançou um olhar, mas não disse nada. Meu irmão já tava no celular. Ninguém viu quando o polegar de James fez um círculo lento na minha lateral, sobre o short, marcando território.
O toque atravessou o tecido, queimou.
Entramos no estacionamento coberto. Enquanto nossos pais entravam num SUV prateado, James me guiou pra uma camionete preta, alta, com vidros escurecidos. Abriu a porta do passageiro e ofereceu a mão.
— Cuidado com o degrau. — James falou me fazendo olhar para o degrau.
Coloquei a mão na dele. Calor. Pele áspera. Ao me ajudar a subir, sua outra mão foi parar — disfarçada, rápida — na minha coxa. Um toque firme, intencional, que prometia muito mais.
Ele fechou minha porta, deu a volta, entrou. O motor roncou. Aquecedor ligado. O ar quente começou a inundar o carro, junto com o cheiro dele — madeira, tabaco, algo masculino e selvagem.
Lá fora, o carro dos meus pais já saía da vaga.
James ajustou o retrovisor, e nossos olhos se encontraram no reflexo.
— Pronta pra sua primeira lição de direção no gelo, Rafa? — ele perguntou, a mão escorregando da alavanca de câmbio pra repousar no meu joelho.
Meus dedos se cerraram no tecido do assento. O carro começou a andar, seguindo os faróis vermelhos à frente. Dentro da cabine aquecida, escura, quase íntima, eu sabia — alguma coisa entre nós estava prestes a quebrar. E não ia doer. Ia arder.
Continua...