Capitão Descobre Onde Ela Está

1311 Words
O sol ainda nem tinha subido quando o telefone de Roldão começou a vibrar sem parar. Ele estava sentado na mesa da cozinha, fardado, café pela metade, olhar cansado e mandíbula travada. Era um homem acostumado a caçar — não a ser caçado. E menos ainda a ser questionado pela própria filha. O número na tela era desconhecido. Mas ele atendeu. — Fala. — Capitão… a informação chegou. — Que informação? — A da sua menina. O mundo de Roldão ficou em silêncio por um segundo inteiro. — Onde ela tá? — perguntou, cada palavra cortando o ar. — Na Vila Kennedy. — Repete. — No morro. — Morro qual? — O da Kennedy, capitão. — Não. Isso tá errado. A mão dele apertou tanto o celular que parecia que iria quebrar. — Quem te passou isso? — Um moleque que viu ela ontem. — Descreve. — Branquinha, cabelo castanho, cheinha… Roldão fechou os olhos. Era ela. Era Catarina. — E com quem ela tava? — Sozinha. — E depois? — Com… O informante hesitou. Roldão levantou da cadeira, a voz baixa, mortal: — Com quem? — Com o… Don. O coração dele bateu como tiro. — Fala o nome. — V.K. — Não… Roldão bateu na mesa. O som ecoou pela cozinha vazia. — COMO ELA FOI PARAR NA MÃO DAQUELE FILHO DA p**a?! O informante engoliu seco pelo telefone. — Capitão… ele não encostou nela, não. — Ainda. — Ele só… — Só o quê?! — Tava… olhando. — Ele vai morrer. — Capitão— — DESLIGA. Ele desligou antes mesmo de ouvir resposta. As mãos tremiam, mas não de medo. De ódio. Roldão era conhecido por ser o tipo de homem que não perdoava bandido. Mas bandido tocando no que era dele? Aquilo era imperdoável. Ele respirou fundo, tentando organizar os pensamentos — mas tudo o que havia era caos. Na laje da avó, Catarina tomava café quando sentiu o celular vibrar. Ela olhou para o visor. PAPAI O coração dela caiu no estômago. — Atende. — disse Dona Nilva, séria. — Eu não quero falar com ele. — Melhor tu falar. O silêncio dele é pior. Catarina respirou fundo e atendeu. — Pai? — ONDE VOCÊ TÁ? A voz veio tão alta que ela afastou o celular do ouvido. — Pai, eu— — RESPONDE. — Tô na casa da vó. — A casa da tua avó é em Realengo. — Eu… vim visitar. — MENTIU. — Pai— — TU TÁ NA p***a DO MORRO, NÃO TÁ? Catarina fechou os olhos, derrotada. — Tô. — Eu te proibi de ir pra esse lugar. — Eu sou adulta. — NÃO INTERESSA SE É ADULTA! — Interess— — FICA NA CASA DESSA VELHA. NÃO SAI. NÃO SE APROXIMA DE NINGUÉM. EU TÔ SUBINDO. Catarina arregalou os olhos. — NÃO! Pai, não sobe! — Eu FAÇO o que eu quiser. — Pai, por favor— — Tô chegando. — Par— Bip. Ele desligou. As mãos dela tremiam. — Ele tá vindo. — ela sussurrou. — Eu ouvi. — disse Dona Nilva. — E se ele subir desse jeito… — O que acontece? — Dá morte. Catarina sentiu um nó na garganta. — Eu preciso falar com o V.K. — Falar o quê? — Que meu pai tá subindo atrás dele. — Menina… não mete tua boca nisso. — Eu já tô metida! Ela correu para a porta. — CATARINA! — a avó gritou. — NÃO SE METE ENTRE BANDIDO E POLÍCIA! QUEM FICA NO MEIO É O PRIMEIRO A CAIR! Mas Catarina já estava descendo a escada. No meio da viela, dois soldados barraram o caminho dela. — Ei, ei, ei! Aonde tu vai? — um deles perguntou. — Preciso falar com o V.K. — Com o chefia? — É urgente. — Nada é urgente pra ele a ponto de tu descer sozinha. — Meu pai tá vindo. Os dois trocaram olhares. — Teu pai? — Capitão Roldão. — p**a QUE PARIU. O soldado pegou o rádio. — Chefia! — Que foi? — a voz de V.K veio seca. — A filha do capitão tá dizendo que— — MANDA ELA SUBIR. AGORA. — Tá. — o soldado respondeu. Ele puxou Catarina pelo braço. — Anda, anda, anda! Ela subiu correndo, o coração na boca. V.K estava no alto do beco, perto da laje onde organizava os soldados. Ele virou na mesma hora em que a viu. — Que p***a tu tá fazendo aqui embaixo?! — ele rosnou. — V.K, meu pai— — Eu sei. — Ele vai subir! — Eu sei. — Então faz alguma coisa! — Eu tô fazendo. — O que?! — Preparando pra guerra. Catarina sentiu a respiração travar. — Não! — Sim. — Você não pode enfrentar meu pai! — Eu posso enfrentar quem eu quiser. — Mas ele… ele não é só polícia. — Eu sei quem ele é. — Ele é louco! — Eu também. Ela agarrou o braço dele. — POR FAVOR! Ele virou o rosto devagar, os olhos perigosamente calmos. — Catarina… — Não deixa ele subir assim. — Eu não mando em polícia. — Mas tu manda no morro. — E daí? — Se tu reagir, ele vai reagir pior! — Ele já reagiu. — Ele tá vindo matar você! — Eu tô esperando. Ela sentiu o coração despedaçar de medo. — Você não tá entendendo. — Tô entendendo sim. — Não tá! — Tô. Catarina empurrou o peito dele com força. — ME OUVE! O corpo dele nem se moveu. — Se vocês brigarem… As lágrimas subiram sem permissão. — …um de vocês não volta. Ele finalmente olhou para ela — de verdade. Viu o medo. O desespero. O tremor nos lábios. E algo nele mexeu. — Tu tá chorando? — ele perguntou. — Eu tô com medo! — De eu morrer? — Dele matar você. — E se ele matar, qual o problema? — O problema… Ela engoliu. — …é que eu não quero que você morra. O peito de V.K travou. Por um segundo — um segundo que ninguém viu — ele perdeu o ar. Ele se aproximou, tocou o rosto dela com o polegar e limpou a lágrima. — Catarina… — Não briga com meu pai. — Ele veio brigar comigo. — Mesmo assim. — Eu não corro. Ela agarrou a camisa dele. — Eu tô pedindo. Algo dentro dele derreteu. Ele segurou o pulso dela, devagar. — Se teu pai subir armado… O olhar dele escureceu. — …eu não tenho escolha. O rádio chiou. —“Chef! O carro do capitão já tá na subida!” Catarina prendeu a respiração. — V.K… por favor… — Vai pra tua laje. — Eu não vou te deixar— — VAI. Ela não se moveu. Ele segurou o rosto dela com ambas as mãos e falou baixo, firme: — Se tu morrer hoje… eu mato ele. — Eu não vou morrer! — Vai sim se ficar no meio. Ela congelou. — Vai, p***a. — ele repetiu, sem gritar, mas firme como sentença. Ela deu um passo para trás. Mas antes de ir, falou: — Ele não vai parar. — Nem eu. Ela deu as costas e correu. V.K a acompanhou com os olhos até ela sumir na escada. Tigrão parou ao lado dele. — Chefia… e aí? V.K respirou fundo, chacoalhando a arma no coldre. — Fecha o morro. — Fechando. — E prepara. — Pra quê? — Hoje… Ele olhou para o alto, onde Catarina havia desaparecido. — …o capitão vai descobrir que a filha dele não é o único problema dele. Tigrão sorriu. — Chefia… — Hm? — Tu tá fodido. — Tô. E pela primeira vez, V.K admitiu isso sem nenhuma vergonha. Porque agora… a guerra não era só contra o BOPE. Contra rivais. Contra o Estado. Era contra ele mesmo.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD