CAPÍTULO 2

1961 Words
JONAS Ano 2000 Estou terminando de escovar os dentes com a preguiça habitual de sempre, quando minha mãe aparece na porta do banheiro. — Jonas, já está pronto para ir à escola? Hoje é seu primeiro dia de aula e não é bom chegar atrasado. Cuspo a espuma e lavo a boca. — Deixa a mamãe ver se escovou esses dentinhos direitinho. Dou um sorriso com os dois dentes de cima faltando e minha mãe sorri para mim. — Lindo! Mamãe ama demais esse menino banguelinha. O banguelinha mais lindo desse mundo. — Bagunça meu cabelo. — Mãe, eu tô com medo. — Faço bico e coloco o dedão na boca. Eu ainda chupo dedo quando estou nervoso, mesmo tendo sete anos. — Meu amor, a mamãe vai te deixar no portão de entrada e quando você sair estarei lá, a sua espera. Você é um homenzinho, está na primeira série, já tem sete anos e precisa estudar. — Mas lá é tão grandão, cheio de criança maiores do que eu. — Abro os braços para mostrar como é grande. Eu frequentava em uma escola pequena, onde fazia parte dos maiores do local, mas a coisa agora parece ter mudado e isso me assusta. — Sei que a escola parece ser assustadora, mas lá você vai encontrar novos amigos, aprender muitas coisas novas e se divertir. Por mais que a mamãe o ame, você precisa conhecer novas pessoas e ares. — Mas, mamãe, eu não conheço ninguém aqui. — Assim como ninguém se conhece. — Eu queria continuar na nossa antiga casa — choramingo. — Meu amor, sei que lá você já tinha amiguinhos onde morávamos, mas papai foi transferido para cá e precisamos acompanhá-lo. Agora é fazer novos amigos e descobrir como aqui é igual ou melhor que onde estávamos. Com o tempo você vai se acostumar e nem vai se lembrar da antiga casa. Eu duvido disso, mas concordo com a cabeça e ela sorri, me olhando com carinho. Meu pai é xerife, foi transferido de condado, por isso acabamos nos mudando do Texas para o Kansas faz uma semana. Meu pai é um homem sério, rígido e muito respeitado por onde passa. Nunca o vi dar um sorriso ou falar uma palavra de carinho dirigida a mim, ou a minha mãe. Ele sempre foi bruto e grosseiro. Talvez, tenha sido devido a educação que recebeu do meu avô que diziam ser um homem r**m e que se foi antes mesmo do meu pai conhecer a minha mãe. Na verdade, nunca vi os dois sorrindo um para o outro como os pais de meus amiguinhos, ou tendo uma demonstração de afeto, pelo contrário, já vi muitas brigas e discussões. Uma vez, inclusive, vi meu pai levantar a mão para minha mãe que se encolheu e ele desistiu de bater nela. Já em mim, ele sempre bate quando tem oportunidade, mesmo minha mãe me defendendo sempre, ou me manda engolir o choro. Ele diz que faz isso para me ensinar a ser homem. Minha mãe sempre conversa comigo e diz que não é sinal de fraqueza o homem chorar ou demonstrar o que sente, por isso, não levo muito em conta o que meu pai diz, até porque não quero ser como ele quando crescer. Pego a mochila, a lancheira e então sigo à pé com minha mãe, já que a escola fica pertinho de onde moramos. — Meu filho, comporte-se e não faça bagunça. Obedeça a professora e aprenda tudo o que puder para se tornar um homem sábio — minha mãe diz e balanço a cabeça, disfarçando o medo que sinto do desconhecido. Assim que chegamos na escola, vejo outras mães segurando as mãos de seus filhos e acredito que eles estão com tanto medo quanto eu. Abraço as pernas da minha mãe e tento buscar forças para enfrentar o desconhecido. Logo o sinal toca, o portão se abre, minha mãe solta a minha mão e se agacha na minha frente. — Vá, meu passarinho, voe. O céu é o limite. — Beija meu rosto e sorrio. Entro na escola e vou dando tchau para minha mãe que parece chorar. Vejo que ela seca as lágrimas e me acompanha com o olhar até eu sumir das suas vistas. Já no pátio, uma mulher simpática pergunta meu nome, coloca um crachá em mim e então me leva até uma sala, onde uma outra mulher simpática sorri e olha o meu crachá. — Seja bem-vindo, Jonas, eu sou a professora Sara e irei te acompanhar durante esse ano. Sorrio para a mulher e procuro um lugar para me sentar. Vejo uma mesa vaga logo na frente e me acomodo. Estou tão apavorado que nem olho para os lados. Um tempo depois o sinal toca novamente, a professora se senta em sua mesa e começa a conversar com a gente sobre as letras e os números de uma forma divertida, com música. Confesso que o medo até vai embora. Estou tão entretido com a história que nem vejo a hora passar e muito menos sinto falta da minha mãe. A professora diz que é hora do lanche, então pego a lancheira e saio da sala. Já no pátio, me sento em um cantinho mais afastado de todos e pego meu sanduíche de pasta de amendoim quando um menino bem maior que eu, se aproxima dando uma risada que me dá medo. Ele se agacha perto se mim, olha meu lanche e simplesmente toma da minha mão. Começo a chorar e ele ri de mim. — Mais um bebezão da mamãe. — Dá uma mordida no meu lanche. — Hum, isso está uma delícia, amanhã traz mais. Ele me observa. — Vou te chamar de bebezão. — Meu nome é Jonas e não bebezão. — Para mim, será bebezão e pronto, aqui minha palavra é lei. — Ele ri e soluço, tentando me acalmar. — James, o que temos aqui? — um outro menino pergunta, se aproximando. — Temos um lanche garantido e um bebezão da mamãe, toma aí — responde rindo, enquanto pega todo o meu lanche, me deixando sem nada. Sinto a barriga roncar e a vontade de chorar e chamar por minha mãe só aumenta. — Que bonito! Por que não procuram alguém do seu tamanho? Escuto uma voz doce e quando levanto os olhos me deparo com um anjo em forma de menina. Ela é linda, cabelo vermelho trançado, sardas no rosto e óculos redondos cobrindo os olhos zuis como o mar. Fico admirando aquela menina baixinha, com as mãos na cintura, tentando intimidar dois meninos bem maiores que ela. — Ora, mas o que temos aqui? — O garoto de nome James se aproxima da garota que continua o encarando. — Veio defender o bebezão aqui? Quem você pensa que é? — Eu sou a Kat e não gosto de como estão tratando o meu amigo. Continuo a olhar para ela, encantado. Nunca vi essa menina, mas ela está aqui enfrentando esses dois e ainda se diz ser minha amiga. — Você não tem medo não? — Ele dá uma gargalhada enquanto o amigo dele se aproxima de forma ameaçadora. — Não tenho medo de dois babacas como você. — Ela não se move e muito menos aparenta ter medo dos dois que a encaram. Quando o tal de James se aproxima dela, parecendo que irá avançar em cima dela, me encolho de medo. Porém, ela dá um chute na canela do menino que se abaixa e geme de dor. O outro olha a cena e tenta pegá-la, mas por ser menor, ela se esquiva e o chuta também, deixando os dois caídos no chão. — VOCÊ ME PAGA, QUATRO OLHOS! SUA... SUA, PINSCHER! — um deles grita. — Eu nem ligo, pode vir que eu vou te bater de novo e de novo até você perceber que não deve mexer comigo. E outra, não mexa mais com meu amigo, estamos entendido? — Aponta para mim. Estou tão admirado que minha voz não sai. Ela dá outro chute neles que se encolhem enquanto gemem de dor. — Se eu souber que você mexeu com ele de novo, conto para todo mundo que você apanhou de uma menina menor que você. — Ela sorri mostrando sua janelinha igual a minha. — Vamos, James, essa pinscher não está de brincadeira e o chute dela é forte para caramba. Está doendo. — O menino se levanta e ajuda o amigo que continua deitado, encolhido. — Vamos sair daqui antes que a inspetora chegue e ainda sobre para a gente. — Olha, só um aviso, se me ver por aí, desvie senão irei chutar de novo e de novo — ela diz o encarando. Essa menina não tem medo do perigo, incrível! Ela bate o pé o chão e os dois saem correndo sem olhar para trás, então se vira para mim e sorri de forma amigável. — Prazer, sou Katlyn, mas pode me chamar de Kat. Qual é o seu nome? — Jonas — digo limpando as lágrimas. Ela se senta ao meu lado, abre sua lancheira e me entrega um pedaço do seu pão. — Não chora, eles são uns babacas, metidos a valentões, mas já escutou aquele ditado, cão que ladra não morde. — Sorri e vejo suas sardas sendo iluminadas pelo sol. — Toma, tem bastante aqui e você deve estar com fome, já que aquele babaca tomou o seu lanche. — Arruma seu óculos. Pego o lanche que ela me entrega e dou uma mordida no lanche que está muito gostoso. — Gostou? Balanço a cabeça e dou mais uma mordida no lanche. — É a especialidade da minha mãe, geleia com requeijão. Amo as misturas que ela faz do doce com o salgado. — Fecha os olhos e saboreia um pedaço do seu lanche. — Você é novo, não? Nunca te vi na cidade e olha que conheço todo mundo. Meu pai é carteiro e as vezes o ajudo a separar as correspondências para entregar no dia seguinte. — Cheguei faz um semana, sou filho do novo xerife do condado e vim de mudança com a minha mãe para morar aqui. — Uau, temos aqui o filho do homem da lei. Você deveria usar isso para afastar esse babacas. — Eu nem tive tempo de pensar e confesso que fiquei com medo do tamanho deles. Ela ri e me olha. — Você é maior do que eu, filho do xerife e deveria colocar a banca neles. Mas não se preocupe a partir de hoje você andará comigo e irei te proteger. Olho para a menina que é menor do que eu e sorrio com o que ela diz. — Sabe, vou te contar um segredo, nunca demonstre estar com medo, mesmo estando. O medo te torna fraco e dá uma vantagem ao outro. Não pense que não estava com medo deles, mas eu não abaixei a cabeça e vi uma oportunidade quando se aproximaram — cochicha e concordo dando um sorriso tímido. Pego o suco que tenho na garrafinha, abro e encho a tampa que pode ser usada como copo. — Toma um pouco, foi minha mãe que fez, é de maracujá. — Estico o copo em sua direção. — Ah, obrigada. — Toma um gole e lambe os lábios. — Nossa que delícia! Podemos combinar e trocar os lanches no intervalo, o que acha? — Eu aceito! Ela coloca o copo do seu lado, me olha, cospe na mão e estende na minha direção. — Amigos? Olho para ela que faz sinal com a cabeça para aceitar a sua mão, então cuspo na minha e aperto sua mão. — Amigos. Ali estava nascendo uma amizade verdadeira, uma amizade que infelizmente se perderia no tempo.
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