Prólogo

1324 Words
Prévia ~~ A vida dele era perfeitamente planejada Nathaniel remexeu no bolso do paletó preto e retirou uma pequena caixinha laranja, atraindo o olhar da namorada. — Quer casar comigo, Lina? — pediu enquanto abria a caixinha e deixava Paulina ver o pequeno anel de diamante. — Sim, claro que sim! — a jovem respondeu estendendo a mão direita para que colocasse o anel em seu dedo anular. — É lindo — declarou com um sorriso doce nos lábios. — Como você anjo — disse enquanto beijava o anel antes de se inclinar na mesa para beijar a noiva. A vida dela era uma loucura diária Estava à meia hora procurando as chaves de seu carro, o que significava que chegaria atrasada e seu chefe, como sempre, iria repreendê-la. — Por que não procura no sofá? — aconselhou Isabele desfilando de babydoll pelo apartamento. Cherry olhou para o sofá ocupado pelo boneco de plástico da amiga. — Droga, Isa! Não dá pra manter esse... — Fez uma careta de nojo pensando em como descrevê-lo. — Treco sorridente no seu quarto? – Não fale m*l dele — pediu Isabele indo até o boneco para abraçá-lo. — Ele é meu amigo e odeia ficar sozinho no quarto. — A jovem beijou a face do "amigo". — Liga não Eri-magic, isso é falta de sexo. — Deus, porque me deu uma amiga pirada, um chefe ranzinza e uma chave sem GPS? Até que suas vidas colidiram — Nunca passei por isso antes também... — ele murmurou reparando nas fascinantes sardas pontilhando o nariz feminino. Deu-se conta que estavam perto demais, ao ponto que conseguia, mesmo no ambiente carregado de cheiros fortes de gasolina, esgoto e escapamento, sentir um leve e encantador aroma floral desprendendo-se dela. — Imagino — Cherry torceu os lábios, o que atraiu os olhos azulados para os lábios largos e rosados. — Nem teria passado se Isa não o tivesse recrutado para "ajuda-la" — falou fazendo aspas com os dedos. Nathaniel riu. Cherry corou ao concluir que ele combinava com a risada vibrante e tão... gostosa. Provocando sentimentos e desejos proibidos — Não deveria pensar e nem beijar outra estando noivo da Lina — Nathaniel resmungou fitando o copo entre suas mãos. — Deveria aproveitar enquanto ainda não casou — Simon aconselhou tomando sua bebida em um só gole. — Se fosse você provaria do fruto proibido. Ninguém saberá se você não contar. Em seu estado normal Nathaniel rejeitaria o conselho, mas, após duas garrafas de uísque, aquela ideia era tentadora. E nada seria como antes — Nathaniel? O que faz aqui? Cherry se surpreendeu ao ter a cintura envolvida em um abraço e os lábios capturados em um beijo intenso e apaixonado. Em algum ponto distante de sua consciência uma vozinha lhe dizia para afastá-lo, que eram de mundos diferentes e que nunca dariam certo. Mas a ruiva a ignorou e se deixou levar pelos beijos dele. Provoca-me O coração ama desafiar a razão ~~ Cada parte do forte corpo masculino executava suas funções com perfeição, pernas moviam-se e pulmões bombeavam enquanto a mente estava imersa em si mesma, muito longe da calçada de pedra do condomínio Delluna. Como todas as manhãs, Nathaniel Muller reservara meia hora de corrida para se exercitar e desligar-se dos problemas, porém seu cérebro tinha outros planos, processando incessantemente os últimos dias. Cada olhar desconfiado e comentário venenoso vibrando mais alto que o blues instrumental em seus ouvidos. — É um almofadinha, festeiro e irresponsável. Não dou um ano para a fortuna ter escorrido pelo ralo ou virar joias no pescoço e dedos de alguma “caça níquel”. Essa era uma das várias frases que murmuravam nos corredores da fábrica de sua família, sempre o descrevendo como incapaz de manter o legado e a fortuna centenária dos Muller. Com os músculos tensos exigindo uma pausa, parou poucas quadras de sua casa. Com mãos impacientes afastou os fones dos ouvidos, pendurando-os em volta do pescoço, curvou-se esgotado e apoiou as palmas nos joelhos. Os olhos azuis observaram o reflexo disforme em uma poça, fruto da garoa que persistia desde a noite anterior, encarando a dor que o consumia. Três meses atrás riria de cada um desses comentários, até concordaria. Três meses atrás Carlota, sua bem humorada mãe, pediria para focar na faculdade antes de decidir se desejava trabalhar nos escritórios ou na fábrica da Essenz. Três meses atrás Nikolas, seu pai, seu herói invencível, esbanjava saúde... Em um espaço ínfimo de tempo tudo mudou... O exame de uma persistente dor nas costas de Nikolas colocou o mundo de Nathaniel de ponta cabeça. O diagnostico assustou os Muller e a internação modificou a rotina deles. Nathaniel obrigou-se a assumir, temporariamente, o posto dos pais, mantendo-se entre o hospital e os escritórios da Essenz, cuidando para que tudo estivesse em perfeitas condições para quando eles voltassem à ativa. Infelizmente, Nikolas descobrira o tumor no pâncreas tarde demais e a esposa - e parceira de trabalho -, Carlota, mergulhara em uma depressão profunda desde sua morte. Estava ha meses mergulhado em arquivos, planilhas e gráficos, trabalhando incansavelmente para cumprir os prazos dados pelo falecido pai e pela mãe. Durante todo esse tempo estivera longe de festas, mulheres, bebidas alcoólicas ou o que quer que presumam que ele consumia em suas “noitadas”, mas nada disso mudava a imagem que faziam dele. Tanto os sócios minoritários quanto os funcionários da Essenz o consideravam imaturo e inadequado para a função deixada por seu pai. Ergueu-se, massageou a nuca ensopada de suor e respirou fundo, os olhos azulados movendo-se ao seu redor sem realmente enxergar algo. Como apagar a visão de garoto bon vivant e transformar-se no sério homem de negócios? — Está bem, senhor Nathaniel...? As palavras quase murmuradas o alertaram da presença de uma jovem, usando calça jeans, blusa larga de moletom lilás e grandes galochas pretas, parada bem a sua frente segurando uma enorme sacola colorida, transbordante de frutas e verduras. Estivera tão mergulhado no próprio mundo que não percebera a aproximação dela. — Estou, Paulina, mas esse senhor me preocupa — disse com um sorriso cansado, recordando que tinha três anos a mais que a filha da governanta dos Salvatore. — Desculpe-me... — ela abaixou o rosto, ocultando-o com os fios pretos do longo cabelo e da franja farta. — Ei, ei, ei! — Inclinou-se e colocou a mão no queixo dela para erguê-lo. — Estou brincando. Pode me chamar como achar melhor, Lina. Com as bochechas imediatamente ruborizadas, a jovem molhou os lábios distendidos em um sorriso discreto. Paulina Perez era a pura discrição, avaliou. A filha da governanta e do motorista de seus vizinhos, os Salvatore, era pequena – no mínimo vinte centímetros menor que ele -, silenciosa ao ponto de muitas vezes nem notarem sua presença, possuidora de uma voz suave e uma beleza tão singela quanto sua personalidade. Um verdadeiro doce anjo[1]. A conhecia há nove anos, quando fez um trabalho escolar com o caçula da família Salvatore e seu colega de turma, Simon, e durante todos esses anos jamais a ouvira erguer a voz ou ser m@u educada. O amigo certa vez a descrevera como treinada para obedecer e servir. Outra recordação fortificava o comentário. Anos atrás, após uma festa na casa dos Salvatore, ela o olhara como um ídolo, enquanto ele só pensara que era uma menina frágil e submissa ao pai. Desde então, ela sempre o olhava e o tratava com adoração. — Velhos conservadores só desejam formar novos conservadores — profetizara Rafael Herrera, seu amigo de berço, em uma festa beneficente dada pela Essenz. Nathaniel rira na ocasião, mas agora, analisando friamente a situação, percebia que era isso que desejavam dele. Sorriu galante e estendeu uma mão. — Deixe-me ajuda-la com as compras. [1] Nathaniel fez uma relação entre como enxerga Paulina e o nome traduzido da música Sweet Angel de Jimi Hendrix, que ele ouvia no segundo parágrafo.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD