Primeira Impressão

4458 Words
Como o habitual, Nathaniel se reuniu a mãe para o café da manhã, aproveitando para falar do que acontecera na empresa. Não dissera no dia anterior porque chegará tarde e Carlota já havia ido dormir. — Os demitiu? — Os afastei desse projeto — corrigiu Nathaniel. — Me tratavam como se tivesse que concordar com tudo e assinar os cheques. — Trabalhamos com essa agência há anos e nunca tivemos nenhum problema. — Eu sei — murmurou coçando a nuca. — Confie em mim, fiz o melhor para a empresa. Carlota ajeitou o corpo na cadeira e encarou o olhar firme do filho. Não aprovava a atitude dele, mas o que podia fazer? Quando a Essenz mais precisara, ela abdicara do comando que dividia com o falecido marido e se afastara devido o luto. Fora Nathaniel que se colocara a frente dos negócios, apesar das desconfianças dos sócios minoritários e funcionários. Ele passara todas as horas dos últimos seis anos dedicando sua atenção à empresa e a ela, sem reclamar um dia sequer. — Se te conforta já tenho outra agência em vista — Nathaniel comunicou para tranquiliza-la. — Tudo bem! — Carlota falou surpreendendo o filho. — Hãm?! — Confio em você. Não concordo com o que fez, achei impulsivo. — Sorriu ao completar: — Mas impulsividade é uma característica da família. Sei que eu não faria diferente. Nathaniel correspondeu ao sorriso, pegou a mão de Carlota e beijou seu dorso. — Prometo que será um sucesso — disse radiante e entusiasmado. — Acompanharei cada detalhe de perto, mesmo que signifique passar noites em claro. — Não exagere filho — pediu com o semblante preocupado. — Também terá que cuidar dos preparativos do seu casamento. Não quero que fique esgotado. — Os detalhes do casamento ficarão nas mãos da Lina. — Empolgado informou: — Marquei um almoço com a família dela aqui no sábado, para oficializar o noivado. — Que ótimo! Conversarei com a Paulina e ajudarei no que vocês precisarem. — Obrigada mãe! — Apertou a mão de Carlota com carinho, antes de erguer o pulso para verificar as horas no relógio. — Tenho de ir. — Bebeu o último gole de seu suco e levantou. — Nos vemos a noite. — Inclinou-se e beijou o topo da cabeça dela antes de sair apressado. Carlota observou a saída do filho com uma ruga de preocupação. Com exceção do café da manhã quase não via o filho, mesmo nos fins de semana ele permanecia correndo de um lado para o outro, resolvendo cada mínima pendencia da empresa e da fábrica. Esperava que, após o lançamento da nova linha e do casamento, Nathaniel diminuísse o ritmo. ~ Cherry revirou sua bolsa pela terceira vez, voltou ao quarto, vasculhou em cima e embaixo da cama, gavetas e cada compartimento a vista. Nada. Desistiu e foi para a sala. No exato momento em que a atravessou em direção à cozinha a porta principal abriu e Isa entrou carregando suas sandálias douradas na mão. — Você chegou só agora? — Arregalou os olhos ao notar que Isabele usava as mesmas roupas da noite anterior. Com um sorriso satisfeito nos lábios naturalmente rosados, Isa girava vaporosa pela sala em algo porcamente semelhante a uma dança, cantarolando qualquer coisa como uma bêbada. O vestido platinado da noite anterior subia a cada volta, revelando as coxas e quase a calcinha mínima que Cherry sabia serem as preferidas da amiga. Seu cabelo estava úmido e embolado em um coque alto, com fios soltos e desgrenhados a sua volta e preso com uma caneta, claramente feito às presas. Seu rosto jovial estava sem um pingo da maquiagem, o que para os padrões de Isabele era quase um sacrilégio. Mas a amiga resplandecia. — Lindo dia, Cher-lady! — Se jogou na banqueta, as mãos delicadas com unhas longas e cuidadas afastando uma mecha loira que insistia em cair sobre seu olho. — Tive uma noite ma.ra.vi.lho.sa com um deus flamejante. Você não acreditaria nas coisas que fizemos. — Ela riu. — E nem no que encontrei de manhã. — Prefiro não saber — declarou com uma careta. Tinha visto Isabele desaparecer na pista de dança assim que chegaram à festa. Da última vez que a vira estava agarrada ao ilustrador da empresa, Jásper Assis. Conhecendo a amiga, Jásper era o novo nome na lista de casos da amiga. Pobrezinho, não fazia ideia do perigo que a loira representava. De qualquer forma, o que ocorresse com o ilustrador seria merecido, assim como Isa, ele adorava quebrar corações. Deveria avisar a amiga que o ilustrador da SaaTore era um paquerador inveterado? Não. Até porque ela também era uma paqueradora inveterada. Apostava que Isabele riria maravilhada pela informação. Decidida a ignorar a amiga inebriada pelos resultados da noite anterior, continuou sua caçada. — O que tanto procura, cerejinha? — As chaves do carro. Não consigo achar e não lembro em que local coloquei — informou em voz alta, ajoelhada atrás da bancada, a mão direita tateando embaixo da pia. Levantou e afundou as mãos na cabeleira ruiva desesperada. Estava à meia hora procurando, o que significava que chegaria atrasada e seu chefe, Simon Salvatore, como sempre, iria repreendê-la, dessa vez com razão. — Já procurou no sofá? — questionou Isa, colocando os braços na bancada para apoiar a cabeça, o sorriso em seus lábios irritando Cherry. Estava desesperada enquanto a amiga sorria de orelha a orelha. Consternada, olhou para o sofá ocupado pelo boneco de silicone da Albuquerque. — Droga, Isa! Não dá pra manter esse... — Fez uma careta de nojo pensando em como descrevê-lo. — Treco sorridente no seu quarto? — Não seja rude com ele — pediu Isabele bamboleando até o boneco para abraçá-lo. — Ele é meu amigo e odeia ficar sozinho no quarto. — A Albuquerque beijou a face do "amigo". — Liga não Eri-magic, isso é falta de sexo. Exasperada, Cherry ergueu os olhos e as mãos para cima. — Deus, porque me deu uma amiga pirada, um chefe ranzinza e uma chave sem GPS? — Se esta atrasada, vá de táxi ou Uber — Isabele indicou, colocando as longas pernas no colo de Eri. — Ofereceria a minha moto, mas a deixei no salão de festa ontem. Vencida, Cherry deixou os ombros caírem e procurou as chaves no sofá, ignorando a amiga e o “magic”. Nada. Achava um desperdício gastar dinheiro com táxi quando tinha seu velho e fiel chevette vermelho, mas se demorasse mais um minuto, Simon tiraria sua pele e transformaria em um casaco. — Se encontrar a chave deixe em cima da minha cômoda — pediu ao abrir a porta do apartamento. — Sim capitã Cherry! — Isa disse, levantando em posse de sentido para acrescentar em voz alta e com tom militar. — Tanto estresse é falta de sexo, melhor praticar com urgência, capitã Cher! Para completar sua desgraça, justamente naquele instante, a vizinha da frente, Norma Camargo, uma senhora baixinha de mais de noventa anos, saia para sua caminhada matinal com seu chihuahua insuportável. A face flácida despencou em surpresa, os lábios finos e cheios de rugas abertos em choque, assim como os pequenos olhos castanhos fixos em Cherry. Sua amiga e colega de apartamento, dia após dia, a matava de vergonha. ~ Ansioso em assinar o contrato com a SaaTore, Nathaniel passou no prédio em que a agência de publicidade ocupava dois andares e solicitou falar com os amigos. Após entrar em contato com a empresa, a recepcionista entregou um cartão de visitante, liberando a passagem do Muller, e informou o andar para o qual deveria ir. Ao sair do elevador foi recepcionado por um forte aperto de mão de Gabriel Saadi. — A que devo a visita? — Gabriel questionou levando o Muller em direção a sua sala. — Quero saber se entrou em um acordo com o Simon, sobre promover a Essenz — respondeu Nathaniel, aceitando a cadeira que o outro indicou para sentar. — Conversei com a minha mãe hoje cedo, ela aprovou a troca de agências publicitárias. Agora, só necessito a confirmação de vocês. — Antes que Gabriel pudesse responder, continuou empolgado: — Simon me disse que estão com a agenda cheia, mas o lançamento da nova linha será no final de abril. Por isso, ontem insisti para que ele convencesse você a aceitar minha oferta. — Compreendo... — Gabriel sentou, pegou uma caneta e a moveu entre os dedos. — A agenda não é problema. Podemos corresponder a qualquer expectativa que uma empresa do porte do Essenz tenha. — Maravilha! — Nathaniel alegrou-se. — Confio na capacidade de vocês e ficarei mais tranquilo em relação à nova linha da Essenz. — Agradeço a confiança. — Aproveito para convida-lo ao meu casamento — Nathaniel comunicou com um sorriso empolgado. — Será simples, mas pretendo fazer uma reunião depois da cerimônia, até convidei o Simon para ser meu padrinho. — Conte com minha presença — Gabriel confirmou levantando. — Buscarei o contrato padrão para que você leia e entremos em acordo ponto a ponto. Volto em poucos minutos. Nathaniel concordou, mas nem bem se passou segundos sozinhos e, impaciente, saiu da sala de Gabriel, caminhando de um lado para o outro da recepção vazia. Sua inquietação só teve fim quando o elevador parou no andar que estava. Pensando se tratar de Simon, aguardou as portas se abrirem, ficando fascinado com o par de olhos esmeraldas a encara-lo com espanto. ~ Quando Cherry finalmente conseguiu chegar ao prédio em que trabalhava, correu angustiada pela recepção, entrando no elevador e selecionando freneticamente o botão do nono andar, como se assim o fizesse subir depressa. Era certo que Simon - mesmo que não verbalizasse - a repreenderia com o olhar. Quando as portas do elevador se abriram, se precipitou para fora, surpreendendo-se ao encontrar com olhos azuis a fita-la intensamente. Dois lagos azuis cristalinos que a miraram de cima a baixo, os lábios se abrindo em um sorriso caloroso. — Bom dia! Sou Nathaniel Muller, amigo do Simon — apresentou-se o homem alto de curtos cachos loiros. — Bom dia! Sou Cherry Martins, secretária do senhor Salvatore e do senhor Saadi. Cherry foi até sua mesa, colocou a bolsa sobre o tampo de madeira e passou rapidamente os dedos entre os lisos fios ruivos, ajeitando-os. Devia ter a aparência de uma doida que acordara atrasada, o que não ficava muito longe da realidade. — Ah! Falei com você ontem. — Nathaniel não se controlou em dizer com sinceridade e apreciação. — Você é tão bonita quanto sua voz. — Obrigada! — agradeceu encabulada. Além de bonito era galante. Sua primeira impressão dele por telefone, não podia ter sido mais equivocada. Cherry obrigou-se a parar de babar pelo homem à sua frente e ser profissional. — Quer falar com o senhor Salvatore? — Sim, porém ele ainda não chegou. — Ah... Isso era algo que ela deveria saber. Por um lado era bom, seu atraso não seria percebido, mas, por outro, o Muller estava sozinho na recepção tempo suficiente para se queixar dela com o Salvatore. — Falei com Gabriel, então não se preocupe — Nathaniel informou ao notar sua expressão alarmada. — Aguardo o retorno dele. Sentiu-se ainda mais miserável. Era a secretaria dos sócios e falhara com ambos logo pela manhã. — O senhor quer café, cappuccino ou chá? — perguntou solícita. — Cappuccino, por favor — ele respondeu com um sorriso caloroso. — E pode me chamar somente de Nathaniel. Assentiu em silêncio, mentalmente se negando a chama-lo pelo primeiro nome. Apesar do tratamento gentil, Cherry considerava desnecessário – e inadequado - criar camaradagem com um cliente da SaaTore. Pediu licença e seguiu para a primeira porta ao lado da recepção, lugar em que instalaram uma pequena copa. Tendo um enorme espelho dupla face entre a copa e a recepção, o ambiente permitia que quem estivesse ali visse as pessoas que aguardavam do outro lado. Acostumada a ficar atenta ao movimento em frente sua mesa, Cherry olhou para o vidro e, ao não ver o Muller, virou-se para retornar e verificar o que acontecera, levando um susto ao percebê-lo as suas costas. — Desculpe-me, é que realmente não gosto de ficar parado e sozinho. — Compreendo... — Cherry disse apenas para agradar o cliente, caminhando tensa até a cafeteira. — Trabalha aqui há muito tempo? — ele questionou enquanto a observava preparar a bebida. — Desde sua fundação há dois anos. — E cuida da recepção e da copa? — A empresa é pequena — explicou mesmo incomodada com a presença do Muller e seu interrogatório. — Tem outra funcionaria, mas ela se divide na copa e na limpeza dos dois andares. Quando ela não está, eu faço. Ignorando a vontade de entregar o cappuccino na copa, Cherry ajeitou a xícara no pires, junto com uma colher de café e dois sachês - um adoçante e um açúcar -, colocou em uma bandeja e seguiu de volta para a recepção, colocando-a na mesinha destinada aos clientes. Sem sentar em uma das poltronas vermelhas e acolchoadas, Nathaniel pegou sua bebida, adoçou utilizando um sachê de açúcar, mexeu e a tomou. — Está perfeito! — exclamou, lançando um sorriso luminoso para a Martins. Mesmo sabendo que pouco contribuíra para isso, Cherry sorriu agradecida pela gentileza dele. Percebeu que julgou erroneamente o Muller, tanto fisicamente quanto psicologicamente. Foi nesse momento, em que encarava encantada o cliente da SaaTore, que seu chefe, Simon Salvatore, decidiu aparecer. E, pelo olhar hostil dele, estava de mau humor. — Oi, Simon! — Nathaniel cumprimentou ao notar a presença do Salvatore. Cherry aproveitou para retornar a sua mesa, sentar e fingir que estava ali há horas. Com sorte seu chefe não notaria que o computador estava desligado até aquele momento. — O que faz aqui? Ergueu os olhos do que estava fazendo para o chefe ao reparar que ele ignorara a saudação do Muller. O comportamento de Simon não era o de alguém feliz em reencontrar um amigo. — Decidi resolver pessoalmente o contrato — Nathaniel disse, sem perceber, ou fingindo não notar, a rejeição ao seu cumprimento. — Contrato?! — Simon questionou visivelmente confuso. — Sim, para SaaTore promover a nova linha da Essenz Cosmetics — Nathaniel explicou sem deixar de sorrir um segundo, mesmo diante das vibrações negativas que o Salvatore emitia. Trabalhando há tanto tempo para o Salvatore, Cherry sabia quando algo o desagradava, e a presença do Muller com certeza era motivo de aversão. Essa mensagem era clara no modo que o chefe encarava o Muller, ficando ainda mais quando o Salvatore disse friamente: — Infelizmente, não podemos promover a Essenz. — Não?! — Nathaniel o encarou confuso. — Mas o Gabriel disse que poderiam e até foi imprimir um contrato padrão para análise. — O Gabriel fez o quê?! — Informei que ficaríamos imensamente felizes em trabalhar com Nathaniel em seu projeto — respondeu Gabriel ao sair da sala do administrativo da empresa com o contrato em mãos. — Temos diversos trabalhos que ocuparam nosso tempo por meses. — Simon refutou entredentes quando o sócio parou ao lado da mesa de Cherry. — Nossa equipe é grande o suficiente para atender todos os clientes, incluindo a Essenz. — O Saadi contrapôs antes de se voltar para Nathaniel e entregar o documento. — Podemos marcar uma reunião com seus advogados para adequar os termos a necessidade da Essenz. Folheando, Nathaniel concordou, antes de encaminhar-se ao sofá mais próximo para sentar-se e ler atentamente o contrato padrão. Cherry, por sua vez, observava os sócios. Simon encarando o Saadi com raiva, e recebendo um olhar de indiferença de Gabriel. Algo naquela contratação de serviços não estava correta. Sua suspeita aumentou quando Simon exigiu seco: — Podemos conversar em particular? — Claro — Gabriel concordou no mesmo tom, mas comentando a fim de adiar a conversa: — Porém, temos que acertar uma data para... — Primeiro conversamos — Simon interrompeu taxativo — e depois decidimos, em conjunto, sobre esse contrato. — Como preferir — Gabriel retrucou com olhar gélido. — Na minha sala ou na sua? Sem responder, Simon caminhou com passos pesados para dentro de seu escritório, deixando a porta escancarada. Calmamente, Gabriel o seguiu. Ainda mais desconfiada, Cherry olhou para o despreocupado Muller, tentando encaixa-lo como amigo do Salvatore. Impossível. A animosidade do Salvatore era perceptível a alguém atento ou que o conhecesse bem. Bom, talvez o Muller fosse uma pessoa tão otimista que considerava amizade o que, obviamente, não era. Voltando a concentração aos seus afazeres, Cherry recebeu um motoboy com documentos para Simon assinar, aguardando ansiosa e temerosa o momento em que o Saadi deixasse a sala do Salvatore. Quando finalmente Gabriel saiu, visivelmente contrariado, Cherry presumiu que a conversa dos sócios não foi agradável, o que significava que o humor de Simon pioraria. Depois que Gabriel levou Nathaniel para sua sala, sozinha, com o envelope para Simon sobre sua mesa, Cherry respirou fundo, ergueu-se e seguiu para a sala do Salvatore. O encontrou em frente ao notebook aberto, a expressão ameaçadora aumentando o receio de Cherry em interrompê-lo, embora fosse necessário. — Com licença senhor Salvatore. — Cherry evitou o olhar furioso de Simon e depositou na mesa o maço de folhas. — É do escritório do senhor Carlos Ramos. Ele precisa da sua assinatura em ambas as vias. Simon puxou o documento e Cherry, não vendo necessidade de continuar naquela sala opressiva, retirou-se apressada, orando para ter pouco ou nenhum contato direto com o CEO[1] ao longo daquele dia. Horas depois, as preces de Cherry mostraram-se inúteis ao precisar informa-lo que Mirela e a nova governanta dele, Paulina Perez, estavam no prédio e solicitavam passagem. As visitas de Mirela Salvatore costumavam aumentar o estresse de Simon. Recepcionou as visitantes e as levou até a sala do Salvatore. Instantes depois Paulina saiu e informou que Simon pedira café, exigindo que fosse feito pela governanta. Agradecida por não ter que preparar a bebida, Cherry acompanhou a Perez até a copa e indicou em que local ficavam as coisas que precisaria, aproveitando para saber mais da pobre criatura que também aguentaria o mau humor diário do Salvatore. — Você morava na mansão Salvatore? — perguntou curiosa ao saber que a jovem crescera no mesmo lar que seu chefe. — Nasci e fui criada na mansão. Meu pai é motorista deles e minha mãe... — Deixou a colher de café suspensa acima do coador ao recordar da mãe. Com um suspiro despejou o pó ao continuar: — Minha falecida mãe era a melhor amiga da dona Mirela, e também trabalhava como governanta na mansão. — Melhor amiga? Paulina assentiu enquanto ligava a cafeteira. — Elas se conheceram em um orfanato de freiras. Anos depois, Mirela a contratou para ser governanta na mansão Salvatore — resumiu, completando com um sorriso miúdo: — Meus pais se conheceram lá. — E agora você é governanta do Simon. — Cherry riu. — Juro que pensei que Mirela contrataria uma velha para controlar o filho... — Calou-se. Seus olhos esverdeados analisaram Paulina de cima a baixo, reparando pela primeira vez no longo cabelo preto, preso por uma fita, e na franja espessa quase cobrindo os olhos. Em comparação a Cherry, a Perez era baixa, pelo menos dez centímetro menor, e não usava salto, em vez disso calçava horrorosas botas que pareciam masculinas. As roupas, camisa branca de gola alta, saia longa e terninho, ambos acinzentados, eram sérias demais para alguém que parecia ter a sua idade. Não era velha, mas a aparência combinava com o que imaginara quando Simon dissera que Mirela contrataria a governanta. — Controlar o senhor Simon não é minha função. — Ouviu Paulina murmurar enquanto despejava o café em uma xícara e a ajeitava no centro da pequena bandeja de madeira. — Posso levar — Cherry ofereceu, mas a governanta a impediu de encostar os dedos na bandeja. — Não precisa — Paulina proferiu com um sorriso hesitante. Conformada, e até agradecida por não precisar entrar sozinha na sala do Salvatore, Cherry acompanhou Paulina de volta ao escritório e abriu a porta para que entrassem. — Finalmente! Pela demora pensei que se perdera — Simon disse no momento em que a Perez atravessou a porta. Logo atrás de Paulina, Cherry observou com curiosidade o Salvatore olhar desconfiado para a xícara de café, antes de pega-la e beber seu conteúdo. Apesar de solicitar que a Perez fizesse a bebida, Simon não parecia confiar em sua nova funcionária. — Hum! — Ele desviou a atenção do copo para ela, de forma que Cherry previu que seria o alvo da vez. — Deveria aprender a fazer café com a Paulina. Resmungou um “desculpe-me”, mesmo considerando o comentário desnecessário. Embora ele esquecesse facilmente, sua função não era servir café, era a secretária, não copeira. — Bem, tenho de voltar à mansão e Paulina ao trabalho — Mirela anunciou se levantando. — Te vejo em breve filho! Cherry acompanhou Mirela e Paulina até a porta. Do outro lado, a poucos passos da mesa que ocupava na recepção, Gabriel conversava com Nathaniel. — Ah, querida, esqueci-me de falar sobre a diarista. Melhor voltar e resolver essa situação — ouviu Mirela recomendar para Paulina. — Te espero aqui. A Perez retornou para a sala. Cherry sentiu pena da governanta. Trabalhar para Simon Salvatore não era fácil, interrompe-lo no trabalho duas vezes era loucura, e Mirela lançara a governanta sozinha para o perigo. ~ Ao lado de Rafael Herrera, Nathaniel terminava a vistoria diária da fábrica, costume herdado de seu pai para aproximar-se dos funcionários e saber o andamento em todos os setores. Naquele dia priorizara o turno da noite, pois, depois de conversar com Gabriel, passara a manhã e a tarde inteira em seu escritório tratando da nova linha e trabalhando com relatórios dos ganhos da Essenz Cosmetics. Passaram pela linha de produção, pelo estoque e pelos laboratórios. Sempre parando para ouvir quem se aproximasse. A maioria só o cumprimentara. Porém, o chefe do setor de produção de maquilagem reclamara de uma máquina e passara outras queixas de ou sobre funcionários. E no laboratório de pesquisas fora abordado por Carolina Muller, a melhor pesquisadora química da empresa e também sua prima, para responder por um lote que não chegara. Temendo a personalidade forte e crítica, assegurou que o pedido foi feito e estava previsto para aquela semana. Com o cabelo ruivo impecavelmente preso em um coque, Carolina ajeitou os óculos na face e encarou o primo com indignação. — Lembre-se que a demora em receber os itens que solicitei é um dia perdido nos testes para sua preciosa nova linha — alertou, antes de voltar para seus estudos. Aliviado pela prima não se prolongar no assunto, Nathaniel fez uma nota mental de cobrar o envio e, com Rafael ao seu lado, seguiu para o escritório que tinha na fábrica. — Conversei com a agência de publicidade que escolhi para lançar a nova linha — informou ao fechar a sala e encaminhar-se para sua mesa. — Segunda teremos uma reunião na SaaTore. Gabriel apresentará todos que farão parte do projeto e resolvermos que caminho a promoção da nova linha seguirá. — Acredita que idealizarão uma proposta melhor que da agência anterior? — Rafael questionou, ocupando uma cadeira em frente ao Muller. — Creio que se esforçarão mais que a anterior, o resto é consequência — respondeu ligando seu computador. — Deixei claro que estarei envolvido em todas as etapas e você me auxiliará. — Mais serviço — lamentou Rafael, entediado só em pensar nas horas que perderia analisando projetos de propaganda. — Vai trabalhar? — perguntou observando Nathaniel prender o olhar na tela do computador. — Tenho relatórios para avaliar; cobrarei o atraso do pedido da Carolina; e fiquei de analisar a planilha de gastos do setor de produção — disse, descendo os dedos apressadamente pelo teclado. — Passa das 21 horas — Rafael informou olhando as horas em seu relógio de pulso. — Estamos trabalhando desde as sete da manhã. — Até as 23 termino — Nathaniel disse, indicando sem levantar os olhos da tela: — Você pode ir para sua casa, já ficou além do seu horário por minha culpa. O que agradeço. — Vai sair só quando encerrarem o turno da noite e trancarem a fábrica? — Pretendo... Qualquer contratempo tenho a chave da fábrica, para o caso de ficar depois dos portões fecharem — disse sem perceber a surpresa estampada na face e na voz de Rafael. — Além de avisar minha mãe que a situação com a agência de publicidade está resolvida, informei que não tenho hora para chegar. — Paulina não se incomoda? — questionou Herrera, estranhando o fato de que o Muller, pelo menos desde que pisara os pés na empresa, não falara da noiva e nem com a noiva. — Vocês acabaram de noivar. Não fizeram nenhum plano para essa noite? — Desde que começamos a namorar criamos a rotina de conversar por telefone na semana e sair nos fins de semana que fico desocupado. Nesse juntaremos nossa família para falar do casamento. — Nathaniel deu de ombros, ainda concentrado nas informações em seu computador. — Depois que casarmos nos veremos todos os dias. — Acostumados com essa rotina, talvez a relação de vocês entre em crise quando morarem juntos — Rafael alertou preocupado com o amigo. — A menos que diminua as horas que passa aqui. — Paulina compreende a importância da empresa na minha família — Nathaniel retrucou despreocupado. Chocado com a dinâmica do relacionamento de Nathaniel com a noiva, Rafael encarou o amigo e patrão a espera do riso seguido de um bem humorado “é brincadeira”. Porém, Nathaniel continuou com os olhos azuis vidrados na tela do computador, digitando cada vez mais rápido e, praticamente, esquecendo que ele continuava em sua sala. Conhecia muito pouco a noiva do Muller. Paulina Perez era tímida, discreta e não gostava de festas, por isso poucas vezes participava dos eventos em que Nathaniel comparecia em nome da Essenz. Nos últimos anos, por conta de sua fixação com a nova linha, Nathaniel passara a enviar representantes em seu lugar, por isso eram poucas as pessoas que sabiam que ele tinha uma parceira. Porém, Rafael duvidava que o acordo do casal continuasse o mesmo depois de casados. O sinal de “problemático” piscou na mente de Rafael, ao mesmo tempo que um sonoro “não é da minha conta”. Esperava que, assim como no trabalho, Nathaniel estivesse seguro a respeito do futuro casamento. [1] CEO é a sigla inglesa de Chief Executive Officer, que significa Diretor Executivo em Português. CEO é a pessoa com maior autoridade na hierarquia operacional de uma organização.
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