Já Era, Tô na Merda

1312 Words
Cayo Porra, eu tô na merda. Tô na merda e sei disso. A loirinha, a Analu, tá cravada na minha cabeça como um prego que não sai, e eu não consigo parar de pensar nela. No beijo na boate, no jeito que ela riu contra minha boca, no calor do corpo dela colado no meu. Foi como se, por um segundo, eu fosse mais que o Cayo da quebrada, mais que o cara que rala como motoboy e vive com o dinheiro contado. Mas aí a realidade bate, e eu sei: ela é de outro mundo. Uma patricinha que vive em mansão, com motorista e pais que nunca aceitariam um cara como eu. E mesmo assim, eu tô apaixonado. Apaixonado pra c*****o. Já era. O domingo amanheceu com aquele calor pegajoso do Rio, o tipo que faz a camiseta grudar na pele antes mesmo de você sair de casa. Eu tava no meu canto, no quartinho apertado com paredes descascando, o ventilador velho girando preguiçoso no canto. O Zyon tava comigo, finalmente. A Gabi deixou ele passar o dia em casa, já que a febre dele tava controlada. Meu moleque tava deitado no colchão do chão, brincando com uns carrinhos de plástico. Ele fazia barulho de motor, rindo alto, e me chamava toda hora. — Pai, olha! Meu carro é mais rápido que a tua moto! Eu ri, sentando do lado dele e bagunçando o cabelo dele. — Mais rápido que a minha moto? Duvido, moleque! Minha menina voa, tu sabe. — Então me leva pra dar uma volta, pai! — ele pediu, com aqueles olhos brilhando, cheios de vida. Meu coração apertou. O Zyon é a única coisa que eu faço direito. O resto? Parece que tudo que eu toco, estrago. A Gabi, o dinheiro, as minas que já passaram pela minha vida. E agora, a Analu. Só de pensar nela, eu sentia um misto de raiva e desejo. Raiva de mim mesmo por estar tão vidrado, desejo de ligar pra ela, de ouvir a voz dela, de marcar algo. Mas pra quê? Pra ela me olhar com nojo de novo? Pra me lembrar que ela nunca vai querer nada sério com um cara como eu? — Tá bom, Zyon. Mais tarde a gente dá uma volta, mas só se tu comer direitinho — falei, tentando focar no moleque. Ele riu e correu pra cozinha, onde eu, tava fazendo um arroz com feijão e bife que enchia a casa de um cheiro que me lembrava infância. Minha mãe tinha ido visitar uns parentes e só volta terça. Depois sentei no sofá velho, peguei o celular e fiquei olhando o número dela. O número que ela me deu na boate, com aquele olhar meio assustado, meio curioso. Eu queria ligar. Queria ouvir ela me chamar de "motoqueiro" com aquele tom de provocação. Queria ver se ela ainda pensava em mim, no beijo, no jeito que a gente se encaixou na pista de dança. Mas a bad bateu forte. Abri o app do banco, só pra confirmar o que eu já sabia: o saldo tava quase zerado. As quantias que mandei pra Gabi pro remédio do Zyon acabaram com o que eu tinha guardado. O aluguel tava atrasado, e o dono do barraco já tinha mandado recado, perguntando quando eu ia pagar. A Gabi ainda tava me cobrando mais coisas pro moleque — roupa, material escolar, essas merdas que nunca param. E eu, aqui, pensando numa mina que provavelmente tava tomando café da manhã num restaurante chique com o tal do Humberto, o playboy perfeito que combina com ela, enquanto eu m*l teria condições de pagar um sorvete descente caso chamasse ela pra sair. — Zyon, vem almoçar! — chamei meu moleque da cozinha, com aquela voz que não aceita não. Levantei, tentando deixar a bad de lado. Sentei à mesa com o Zyon, que já tava com a boca cheia de arroz, fazendo bagunça com o garfo. Meu moleque me olhou, com aquele jeito dele que parece ler a alma da gente. — Tá com a cabeça onde, papai? Tá com cara de quem tá apaixonado igual nos filmes. Eu ri, forçado, pegando uma colherada de feijão com arroz. — Apaixonado? Eu, filho? Tô de boa. Só pensando no corre, coisa de adulto. — Sei. — meu filho e eu temos uma boa conexão e ele parece sempre saber quando eu estou mentindo. — Pai, tu já namorou uma princesa? Eu quase engasguei. — Princesa? De onde tu tirou isso, moleque? — É que tu tá com cara de quem tá pensando numa princesa! — ele disse, rindo. Eu balancei a cabeça, tentando não rir também. Mas por dentro, ele tava certo. A Analu era uma princesa. Uma princesa metida, de um mundo que não era o meu, mas que tava me puxando com uma força que eu não explicava. Depois do almoço, levei o Zyon pra dar uma volta na moto, como prometi. Coloquei o capacete pequeno que comprei pra ele, agarrei ele bem na minha frente e saí devagar pelo morro. Ele gritava de alegria, apontando pros cachorros na rua, pras pipas no céu. — Pai, tu é o melhor! — ele disse, e eu senti aquele calor no peito de novo. Mas mesmo com o Zyon me abraçando, com o vento na cara e o ronco da minha moto, minha cabeça voltava pra ela. Pra Analu. Pro jeito que ela me olhou na boate, com os olhos brilhando, como se quisesse me odiar, mas não conseguisse. Pro beijo que foi bruto, quente, como se a gente fosse explodir. De volta em casa, coloquei o Zyon pra assistir um desenho na TV velha, e ele acabou dormindo no sofá, com a cabeça no meu colo. Fiquei ali, olhando pra ele, pensando na sorte que eu tinha de ter esse moleque. Mas também pensando em como eu estrago tudo. A Gabi, que me odeia. As minas que já passaram e nunca ficaram. O dinheiro que nunca sobra. E agora, a Analu. Eu sabia que ligar pra ela seria um erro. Que marcar algo, ver ela de novo, só ia me afundar mais. Porque, na real, o que eu podia oferecer? Uma volta na moto? Uma cerveja barata? Uma vida cheia de problema? Ela merecia mais. Merecia o Humberto, com o carro importado e o futuro garantido. Mas, p***a, eu não queria que ela ficasse com ele. Eu queria ela comigo. Peguei o celular, abri o contato dela. “Analu”. Só o nome já me fazia sentir um aperto no peito. Meu dedo pairou sobre o botão de ligar. Pensei em mandar uma mensagem, algo tipo “e aí, princesa, tá pensando em mim?”. Mas a bad bateu mais forte. E se ela risse? E se me ignorasse? E se, no fundo, ela só tivesse me beijado por curiosidade, pra sentir o “perigo” antes de voltar pro mundinho perfeito dela? Eu não aguentaria isso. Não aguentaria ser só uma aventura pra ela. Desisti. Joguei o celular no canto do sofá e passei a mão no cabelo do Zyon, que dormia tranquilo. Ele era minha âncora. Minha razão pra não fazer merda. Mas a Analu... ela era meu caos. Meu desejo. Minha fraqueza. Eu tava apaixonado, e isso me matava. Porque eu sabia que era impossível. Que tudo que eu toco, estraga. E que, com ela, não seria diferente. O domingo passou devagar, com o Zyon me distraindo com suas risadas e perguntas aleatórias. Mas quando a noite caiu, eu o levei de volta pra Gabi. Voltei pra casa e deitei no colchão no chão, a bad voltou com tudo. A Analu tava lá, na minha cabeça, com aquele vestido justo, aquele sorriso que era meio provocação, meio medo. E eu, i****a, tava na merda. Gamado por uma mina que nunca seria minha. Já era. Tô fudido.
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