Cayo
Eu tava uma pilha. Fazia dias que o número da Analu tava queimando no meu celular, como se fosse uma bomba-relógio. Toda vez que eu abria o contato dela, “Analu”, meu dedo pairava sobre o botão de ligar, mas a bad batia forte. E se ela não respondesse? E se risse da minha cara? Uma patricinha como ela, com a vida perfeita, ia querer o quê com um cara como eu? Um motoboy da quebrada, com a conta no vermelho e uma vida cheia de problema?
Mas, p***a, eu não conseguia tirar ela da cabeça. O beijo na boate, o jeito que ela riu contra minha boca, o calor do corpo dela colado no meu... aquilo me pegou. Me pegou pra valer.
Na quarta, depois de uma manhã inteira de corre — entregando documento no Centro, almoço em Ipanema, remédio em Botafogo —, eu sentei no sofá velho de casa, com o Zyon dormindo no colchão do chão, e decidi. f**a-se a bad. Vou mandar a mensagem. Se ela me ignorar, pelo menos eu tentei. Peguei o celular, respirei fundo e digitei:
📲 Eu: E aí, princesa, curte rock? Tem um show de uma banda local f**a num barzinho sábado. Tô afim de te ver lá. Topa?
Enviei e joguei o celular no canto, como se ele fosse me morder. Meu coração tava acelerado, e eu me senti um i****a. Um cara de 24 anos, com filho, contas atrasadas e uma ex que enche o saco, ficando nervoso por causa de uma mina. Mas não deu nem cinco minutos, e o celular vibrou. Era ela.
📲 Analu: Rock? Tô dentro. Me manda o endereço. Mas não se acostuma, motoqueiro.
Eu ri sozinho, sentindo um alívio misturado com aquele fogo que ela acendia em mim. Ela topou. p***a, ela topou. Passei o endereço do barzinho no centro, um lugar meio escondido onde a galera do rock se junta, com cerveja barata e som pesado. E aí, foi só esperar. O resto da semana foi uma correria: entregas, o Zyon pedindo atenção, a Gabi cobrando mais grana pro material escolar. Mas, no fundo, eu tava contando os dias pro sábado. Pra ver ela de novo.
Quando o sábado chegou, eu tava um caco de nervoso. Me arrumei do jeito de sempre: camiseta preta, jeans rasgado, jaqueta de couro e o tênis que já pedia aposentadoria. Fui pro bar cedo, acendi um cigarro na porta e fiquei esperando, com o coração batendo como se eu fosse adolescente de novo. A rua tava cheia de gente, a galera do rock com camisetas de banda, tatuagens e piercings, e eu me sentia em casa. Mas aí, ela apareceu. E, p***a, quase derrubei o cigarro.
Analu tava... diferente. Uma saia curta rosa, um cropped branco que mostrava a barriga, botas pretas até o joelho e, o detalhe que me pegou de jeito: um lenço no pescoço com caveirinhas cor-de-rosa. Ela tava tentando. Tentando se encaixar no meu mundo, mesmo com aquele jeito dela que gritava Zona Sul. Era como se ela tivesse pego um pedaço do meu universo — o rock, as caveiras — e misturado com o dela, todo rosa e chique. E, cara, ela tava linda.
Linda pra c*****o.
O cabelo loiro solto brilhava sob a luz da placa neon do bar, os olhos azul-acinzentados brilhavam com um misto de curiosidade e desafio, e o sorriso... aquele sorriso metido que me fazia querer beijar e brigar com ela ao mesmo tempo.
— Caraca, princesa, tu tá parecendo uma Barbie metaleira — falei, rindo, enquanto jogava o cigarro no chão. — Esse lenço de caveirinhas cor-de-rosa? Tô passadaço.
Ela cruzou os braços, com aquele ar de superioridade que me irritava e me atraía.
— E daí? Tô estilosa. Não vou vir pro teu rolê vestida de preto só pra te agradar, motoqueiro.
Eu ri, mas por dentro tava derretendo. Ela tava ali. Por mim. Cheguei mais perto, puxei ela pela cintura, sentindo o calor do corpo dela contra o meu.
— Tu tá perfeita, Analu — murmurei, antes de beijar ela.
Um beijo quente, bruto, cheio de desejo. Os lábios dela se abriram pros meus, e eu senti o gosto de gloss e algo doce, que era só ela. Minhas mãos apertaram a cintura dela, e por um segundo, o mundo sumiu. Era só eu e ela, na porta daquele bar, com o som da guitarra vazando lá de dentro.
— Vamos entrar? — perguntei, afastando-me, mas sem soltar a cintura dela.
Ela assentiu, meio sem ar, e eu a levei pra dentro, segurando a mão dela como se fosse a coisa mais natural do mundo.
O bar tava lotado, com a galera gritando, o cheiro de cerveja e suor no ar. A banda já tava no palco, tocando um rock pesado, com letras sobre rebeldia e liberdade. Analu parecia deslocada no meio da multidão de camisetas pretas, mas ela não recuava. Dançava comigo, ria quando eu cantava as letras errado, e me olhava com aqueles olhos que pareciam querer desvendar quem eu era. E eu? Eu tava me abrindo. Pela primeira vez em muito tempo, tava deixando alguém ver além da jaqueta de couro e do sorriso de malandro.
— Sabe, princesa, eu não sou de falar muito de mim — comecei, enquanto a gente tomava uma cerveja no canto do bar. — Mas tu... tu me faz querer contar coisas. Tipo, eu cresci no morro, ralando desde moleque. Nunca tive nada fácil. Mas, sei lá, gosto dessa vida. Da liberdade, da moto, do vento na cara.
Ela me olhou, séria, como se estivesse vendo algo novo em mim.
— Eu achei que tu era só um cara convencido, Cayo. Mas... tem mais em você, né? Algo que você não mostra pra qualquer um.
Eu engoli em seco, sentindo um aperto no peito. Ela tava certa. Tinha mais em mim. O Zyon, meu moleque, que é minha vida. As vezes que já fui preso por besteira, coisas de moleque que não sabia o que tava fazendo. Mas eu não contei isso. Não ainda. Tava com medo de assustar ela, de ela me olhar com nojo e sair correndo pro mundo dela, onde tudo é perfeito e ninguém tem passado bagunçado.
— Talvez — respondi, com um meio sorriso. — E tu, Analu? Por trás dessa cara de patricinha, quem tu é de verdade?
Ela riu, mas o riso saiu meio triste.
— Eu não sei. Minha vida inteira foi meus pais decidindo quem eu sou. A filha perfeita, a menina que não erra. Mas, sei lá, às vezes eu quero ser mais. Quero sentir mais. Como agora, aqui com você.
Aquilo me pegou. Ela não era a mina fútil que eu achava. Tinha algo de real nela, algo que queria sair, mas tava preso naquele mundo de luxo e regras. Eu toquei a mão dela, sentindo a pele macia contra a minha, calejada de tanto guidão.
— Tu tá sentindo agora, princesa. E eu também.
O show continuou, e a gente dançou, riu, se tocou. Cada vez que minha mão roçava na cintura dela, na nuca, no braço, eu sentia o calor dela queimar na minha pele. E ela? Ela me olhava com desejo, com admiração, como se eu fosse mais que o cara da moto velha. Mas também com medo. Como se soubesse que a gente tava brincando com fogo.
Quando o show acabou, a levei pra fora, e a gente ficou um tempo encostado na minha moto, falando besteira, rindo. Mas eu via nos olhos dela que ela tava dividida. Entre o que ela queria e o que ela achava que deveria ser. Eu tava assim também. Queria ela, queria mais, mas no fundo, sabia que não merecia. Não com a minha vida bagunçada.
Voltei pra casa de moto, com o vento na cara e o coração sem freio. Deitei no colchão e fiquei encarando o teto. Tô tentando ser melhor. Pro meu moleque, pra mim mesmo. Mas a Analu... ela é boa demais pra mim. Uma princesa que eu não mereço. E, p***a, isso me mata. Porque, mesmo sabendo disso, eu quero ela. Quero pra c*****o. E agora, tô fudido de vez.