Cayo
Eu sabia que ia dar merda.
Sabia desde o começo, desde o primeiro beijo, desde o momento que a Analu entrou na minha vida com aquele jeito de princesa metida que me tirava do eixo. Eu tava apaixonado, gamado pra c*****o, e isso me deixava cego. Cego pro fato de que ela é de outro mundo, de que eu não sou o cara que ela merece, de que tudo que eu toco, eu estrago. E, p***a, eu estraguei.
Estraguei feio.
Era uma sexta à noite, e a gente tinha combinado de se encontrar num barzinho no centro, um lugar menos roots que o do show de rock, mas ainda com uma vibe que misturava a galera da minha quebrada com os mauricinhos que aparecem pra “curtir o rolê alternativo”. Eu tava tentando me encaixar no mundo dela, ou pelo menos fingir que conseguia.
Cheguei cedo, com a jaqueta de couro de sempre, camiseta preta, jeans rasgado e o coração batendo forte só de pensar em ver ela. O Zyon tava com a Gabi, que, pra variar, tinha enchido o saco por causa de uma conta de luz atrasada.
Mas eu ignorei.
Queria focar na Analu. Queria acreditar que, por uma noite, a gente podia ser só um cara e uma mina, sem o peso dos nossos mundos.
Ela chegou, e, como sempre, me derrubou. Vestido azul escuro, curto o suficiente pra mostrar as pernas que me faziam perder o juízo, cabelo solto brilhando sob as luzes do bar, e aquele sorriso que era meio provocação, meio promessa. Ela veio até mim, e eu a puxei pela cintura, beijando ela com força, como se quisesse marcar ela como minha. O toque dela, quente e macio, era como fogo na minha pele. Cada beijo nosso era assim: intenso, urgente, como se o mundo fosse acabar. E, p***a, eu tava viciado.
— Tô começando a achar que tu gosta mesmo de mim, motoqueiro — ela disse, com aquele tom de quem tá testando, mas os olhos brilhando com algo que parecia real.
— Gosto? Princesa, tu tá me destruindo aos poucos. — respondi, meio brincando, meio sério, e ela riu, encostando a cabeça no meu ombro por um segundo.
Aquele momento, com ela tão perto, me fez sentir que talvez, só talvez, a gente pudesse dar certo. Mas eu devia saber que não era pra mim.
A noite tava rolando bem.
A gente pediu cerveja, dançou um pouco ao som de um pagode que tocava no fundo, e ela tava rindo, contando histórias sobre as amigas dela, sobre como a Mari tava ficando com o Léo e como a Lú não parava de falar do Vitinho. Eu tava curtindo, ouvindo ela, vendo o jeito que ela mordia o lábio quando pensava, sentindo o calor da perna dela roçando na minha debaixo da mesa.
Mas aí, o cara apareceu.
Ele era o típico mauricinho que eu odeio. Camisa polo, cabelo penteado com gel, cheiro de perfume caro e um sorriso que parecia gritar “eu sou melhor que você”. Ele se aproximou da nossa mesa, como se eu não existisse, e começou a falar com ela.
— Ana Luísa, é você? Quanto tempo! Tô te devendo aquele café, hein?
Ela sorriu, educada, mas eu vi o desconforto nos olhos dela.
— Oi, Felipe. Pois é, faz tempo. Tô aqui com... — Ela olhou pra mim, como se quisesse me incluir, mas o cara nem me olhou.
— Sério, tu tá linda. Sempre foi, né? — ele disse, com aquele tom de quem acha que pode ter qualquer mina. — Vamos dançar? Por conta dos velhos tempos.
Eu senti o sangue subir.
Minha mão apertou a garrafa de cerveja com tanta força que achei que ia quebrar.
— Ela tá comigo, cara — falei, com a voz baixa, mas já tremendo de raiva.
Ele finalmente me olhou, com um sorrisinho de canto de boca, como se eu fosse um inseto.
— Relaxa, irmão. Só quero conversar com a Ana Luísa. Não tem problema, né, Lu?
Lu. Ele chamou ela de Lu. Como se fosse íntimo o bastante. Como se eu não estivesse ali. Analu abriu a boca pra falar, mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, eu levantei, rápido, o corpo todo tenso.
— Eu já falei, p***a! Ela tá comigo. Tu não ouviu, ou tá se fazendo?
— Cayo, calma — ela disse, tocando meu braço, mas eu já tava vendo vermelho.
O cara deu um passo pra trás, mas continuou com aquele sorriso de merda, como se estivesse me desafiando.
— Qual é, mano? Tô só conversando. Não precisa fazer cena — ele disse, e foi a gota d’água.
Eu avancei, o peito colado no dele, a mão fechada, pronto pra socar a cara dele.
— Quer conversar? Então conversa com meu punho, p***a.
A Analu se levantou rápido, se metendo entre nós.
— Cayo, para! Pelo amor de Deus, não faz isso! — A voz dela tava tremendo, os olhos arregalados de medo.
Não de mim, eu acho, mas da situação.
Do que eu podia fazer.
O cara levantou as mãos, rindo, como se tivesse ganhado.
— Tá vendo, Ana Luísa? Esse é o tipo de cara que tu tá andando agora? Boa sorte com isso. — E saiu, se misturando na multidão.
Eu tava respirando pesado, a raiva pulsando nas veias. Mas quando olhei pra ela, vi o que eu temia.
Medo.
Confusão.
Decepção.
Ela cruzou os braços, o rosto vermelho, os olhos brilhando com lágrimas que ela tava segurando.
— Cayo, o que foi isso? Tu quase bateu no cara! Só porque ele falou comigo?
— Ele tava te cantando, Analu! Na minha frente, como se eu fosse nada! — retruquei, a voz alta, o barulho do bar abafando a gente. — Tu acha que eu vou ficar olhando enquanto um mauricinho desses te trata como se fosse dono?
— Ele não é nada pra mim! Era só um cara que eu conheço da escola! — ela gritou, a voz quebrando. — Mas tu... tu perdeu o controle. Tu me assustou, Cayo.
Aquilo foi como um soco no estômago.
Eu assustei ela.
Eu, o cara que tava tentando ser melhor, que tava tentando mostrar que podia ser mais que o moleque da quebrada. Eu vi nos olhos dela que algo quebrou. Ela pegou a bolsa, os ombros tensos, e falou baixo, quase um sussurro:
— Acho que a gente precisa parar. Isso... isso não tá dando certo.
— Analu, espera — comecei, mas ela balançou a cabeça, já se virando.
— Não, Cayo. Acabou. — E ela foi embora, cortando a multidão, me deixando ali, parado, com a raiva virando um vazio que doía mais que qualquer coisa.
Voltei pra casa de moto, o vento na cara, mas dessa vez não aliviava.
Eu tava puto.
Puto comigo mesmo.
Puto por ter perdido o controle
Puto por ter deixado o ciúme me transformar num i****a.
Eu sabia que ela era de outro mundo, que um cara como aquele Felipe combinava mais com ela. Mas, p***a, eu queria ser o cara dela. Queria ser o que a fazia rir, o que a fazia sentir viva. E agora?
Agora eu tinha estragado tudo.
Como sempre faço.
Cheguei no meu quartinho, joguei a jaqueta no canto e deitei no colchão, encarando o teto rachado. O Zyon tava com a Gabi, e pela primeira vez, eu tava aliviado por ele não estar aqui. Não queria que ele visse o pai assim, destruído, com raiva de si mesmo.
Eu sou uma merda.
Sempre fui.
Cada vez que tento ser mais, que tento sair do buraco, eu caio mais fundo. A Analu era a única coisa que me fazia querer ser melhor, mas eu fodi tudo. O ciúme, a raiva, o medo de perder ela pro mundo dela... tudo isso me fez agir como o pior de mim.
Pensei no Zyon, no jeito que ele me chama de “melhor pai do mundo”.
Ele ainda não sabe.
Não sabe que o pai dele é um cara que quase bateu num mauricinho num bar por ciúme de uma mina que nunca vai ser dele de verdade. Pensei na Gabi, que me odeia porque eu nunca consegui ser o cara que ela precisava. E agora, a Analu. A princesa que eu não mereço, que eu assustei, que eu afastei.
Peguei o celular, abri o contato dela.
Quis mandar uma mensagem, pedir desculpa, dizer que eu sou um i****a, mas que ela é tudo pra mim.
Mas não mandei.
Joguei o celular no chão, sentindo a raiva virar desespero. Eu tava me destruindo. Como sempre. E, p***a, doía saber que a primeira merda de verdade entre a gente provavelmente era o fim.