O Silêncio Depois da Tempestade

1247 Words
Analu Eu achava que podia controlar tudo. Que podia manter o Cayo no canto da minha vida onde ele não bagunçaria nada. Mas quem eu tava enganando? Depois daquela noite no bar, quando ele perdeu o controle e partiu pra cima daquele cara, o Felipe, algo em mim quebrou. Não era só o medo do que eu vi nos olhos dele — aquela raiva crua, selvagem, que parecia engolir o cara divertido e intenso que eu conhecia. Era também o vazio que ficou quando eu disse que acabou. Não era namoro, não era nada oficial, mas, meu Deus, eu tava envolvida. Envolvida demais. E agora, o silêncio que veio depois da tempestade tava me matando. Os dias depois da briga foram um borrão. Eu tentava seguir a vida como se nada tivesse mudado. Café da manhã com meus pais, com a mesa de mármore brilhando e minha mãe falando sobre o próximo evento de caridade. Aulas no cursinho, com as meninas fofocando sobre festas e os caras. Jantares com o Humberto, que aparecia com aquele sorriso perfeito e planos de viagem que não me empolgavam mais. Eu sorria, respondia na hora certa, fazia o papel da Analu perfeita. Mas por dentro? Por dentro, eu tava despedaçada. Cada vez que eu fechava os olhos, via o Cayo. O jeito que ele me puxava pela cintura, com aquela pegada que fazia minha pele queimar. O jeito que ele me chamava de “princesa”, com aquele tom que era meio provocação, meio carinho. O jeito que ele me fazia sentir viva, como se eu pudesse ser mais do que a filha dos Bernardes, mais do que a menina que nunca erra. Mas também via a raiva dele no bar, os punhos cerrados, o olhar que parecia querer destruir tudo. Aquilo me assustou. Me assustou pra c*****o. E mesmo assim, eu não conseguia parar de pensar nele. Me sentia culpada por isso, como se estivesse traindo a mim mesma, traindo tudo que me ensinaram sobre o que é certo e errado. Na terça-feira, meu pai notou. Eu tava no sofá da sala, fingindo ler um livro do cursinho, mas na real, só encarando as páginas sem absorver nada. Ele sentou na poltrona do outro lado, com aquele jeito sério que sempre me dava um frio na barriga. Meu pai não é de falar muito, mas quando fala, é como se pudesse ver através de mim. — Ana Luísa, tá tudo bem com você? — perguntou, abaixando o jornal. A voz dele era calma, mas tinha aquele tom que dizia “não minta pra mim”. Eu forcei um sorriso, fechando o livro. — Tô de boa, pai. Só cansada. Muitas provas no cursinho. Ele me olhou por um momento, os olhos estreitados, como se estivesse procurando algo. — Você tá diferente. Mais quieta. Tua mãe também acha. Tem alguma coisa que você não tá contando? Meu coração disparou. Ele sabia. Não sabia dos detalhes, mas sabia que eu tava escondendo algo. Eu podia sentir o peso das mentiras que contei pra sair com o Cayo — as noites com as meninas que nunca aconteceram, o evento cultural que era só uma desculpa pra subir na moto dele. Pensei em contar. Em dizer que conheci um cara que me fazia sentir coisas que eu nunca senti antes, mas que também me assustava, que me fazia questionar tudo. Mas como? Como eu ia explicar o Cayo pro meu pai? Um motoboy com jaqueta de couro, cheiro de gasolina e um passado que eu nem conhecia direito? Ele nunca entenderia. — Não tem nada, pai — respondi, a voz firme, mas o coração apertado. — Só pressão dos estudos, sabe? E as meninas, às vezes, são meio... intensas. Ele não parecia convencido, mas assentiu, voltando pro jornal. — Se tiver algo, Ana Luísa, você sabe que pode falar comigo. Não quero você escondendo as coisas que acontecem com você. Isso não é do seu feitio. — Eu sei, pai — murmurei, levantando do sofá com o livro na mão, precisando fugir antes que ele visse as lágrimas que eu tava segurando. Fui pro meu quarto, tranquei a porta e me joguei na cama. As lágrimas vieram, silenciosas, escorrendo pelo rosto enquanto eu encarava o teto. Eu tava com raiva do Cayo, por ter perdido o controle, por ter me assustado. Mas também tava com raiva de mim mesma, por ainda querer ele. Por ainda sentir o calor dos beijos dele, o toque das mãos dele na minha cintura, o jeito que ele me fazia rir e me sentir livre. Era como se ele tivesse aberto uma porta que eu não sabia que existia, e agora eu não conseguia fechá-la. Peguei o celular, abri o contato dele. “Cayo”. Só o nome já fazia meu peito doer. Eu queria mandar uma mensagem, dizer que tava com saudade, que tava confusa, que ele me assustou, mas que eu não conseguia esquecer ele. Mas não mandei nada. Apaguei a mensagem antes de apertar o botão de enviar e joguei o celular no canto da cama. Ele era perigoso. Não só pelo que fez no bar, mas pelo que fazia comigo. Pelo jeito que me fazia querer jogar tudo pro alto — a aprovação dos meus pais, a vida certinha, o futuro com o Humberto — só pra sentir ele de novo. Na quinta-feira, as meninas me chamaram pra sair, mas eu recusei. Não queria correr o risco de esbarrar com ele, de ver aqueles olhos castanhos e ceder de novo. Fiquei em casa, tentando me distrair com séries, com livros, com qualquer coisa. Mas nada funcionava. Ele tava em cada canto da minha cabeça. O cheiro de gasolina, o ronco da moto, o jeito que ele ria quando eu tentava provocá-lo. E, principalmente, o jeito que ele me olhava, como se eu fosse mais do que a filha perfeita, mais do que a patricinha que todo mundo via. O Humberto me ligou no sábado, querendo marcar um jantar. Eu aceitei, porque era mais fácil do que explicar por que eu tava tão distante. Ele me levou pra um restaurante chique, com pratos que eu nem sabia pronunciar, eu até ri imaginando o Cayo ali no lugar do Humberto e vendo o preço das coisas no cardápio. — Do que está rindo Analu? — O Humberto perguntou curioso. — Nada, só lembrei de algo. — Respondi sem entrar em detalhes. Rapidamente ele esqueceu e falou sobre a faculdade de Direito, sobre o futuro, sobre como a gente podia ser “perfeito juntos”. Eu sorria, assentia, mas não sentia nada. Ele era tudo que meus pais queriam pra mim, tudo que fazia sentido no meu mundo. Mas não era o Cayo. Não era o cara que me fazia sentir viva, mesmo que doesse. De volta em casa, deitei na cama e chorei de novo. Meu coração tava despedaçado, dividido entre o que eu deveria querer e o que eu queria de verdade. O Cayo me assustava, sim, com aquela raiva que eu vi no bar, com o passado que com certeza ele escondia, com o mundo dele que era tão diferente do meu. Mas ele também me fazia sentir algo que ninguém mais conseguia. E agora, o silêncio entre nós era pior do que qualquer briga. Eu tava tentando seguir em frente, mas cada pedaço de mim ainda gritava por ele. E eu não sabia quanto tempo ia aguentar antes de ceder.
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