Kaio e sua guerra interna.

1638 Words
Ele ainda continuava me olhando com aquele olhar de indiferença e intenção. Não conseguia distinguir isso e posso estar ficando louca, mas sinto esse nervosismo tão entranhado em meu ser, só de ter seu olhar em mim. Isso definitivamente era uma péssima ideia, dançar com ele? — Eu acho melhor não e acho que já está tarde, deveria mesmo estar em casa. Gustavo borbulhou os lábios, como um cavalo em desdém. — A noite é uma criança, nunca te disseram isso? — É, Isa... e você nem vai trabalhar amanhã! Senti meu corpo todo tremer quando Carla me puxou para mais perto dele de forma brusca e embriagada. Bati com meu corpo na lateral do seu e me senti minúscula diante dele. — Carla! — Vai, Kaio, leva ela... ela está precisando! Achei isso muito s*******o. Eu vou falar com ela depois, isso não se faz. — Se você quiser... Olhei rápido para ele com olhos estalados. Não era ele que estava tão recluso e "bem" para dançar? — É... tá então. Olhei para os dois bêbados e s*******o à nossa frente. Se afastar deles parecia uma boa ideia, mas ser acompanhada por Kaio não me parecia tão bom assim. — Se não saíssemos, eles iriam insistir até que rolasse algo. Seu tom foi tão casual, tão indiferente, que puxei o ar pesado. Eu enlouqueci ou estou muito carente? Aposto que isso tudo que estou sentindo vem da impotência que sinto por causa do Renato. É óbvio que Kaio não está nem aí para mim ou para minha existência. — Eu nem sei o que falar sobre isso. Virei de frente para ele, evitando a lotação de pessoas no centro daquela pista de dança. Ele também parou. — Não fazia ideia de que o Gustavo faria isso. — Como assim? — Ele me convidou, mas não disse que seria uma espécie de encontro. Encontro? — Você não veio com mais amigos? — Eu vim sozinho. Fiquei ainda mais perdida. Ele olhou para trás, os dois pareciam olhar em expectativa para nós dois. — Eu acho melhor mexer um pouco o corpo ou vai deixar claro que não estamos dançando. Eu nem me importava mais com isso. Então... quer dizer que a Carla me trouxe para uma espécie de encontro? O quê... para eu esquecer o Renato e tudo que ele fez, me entupindo com outro homem? — Ela me disse que você é primo do Gustavo. — Disse a verdade. — E... por que tive a impressão de que você não quer que eles saibam que a gente se conhece... Me reformulei na hora. — Que... trabalho para você. — Não acho que seja algo necessário a ser falado, principalmente neste ambiente. Comecei a mover meu corpo endurecida da mesma forma que ele estava fazendo, fingindo uma dança mais tosca que já dancei. — E por que tive a impressão de que você não conhece a Carla? Ele me olhou de forma confusa. — Conheci ela hoje. Dessa vez, quem ficou confusa fui eu. — Deveria conhecer ela de outro lugar? Então... ele não sabia que ela trabalhava para ele? Tá... tudo bem que ela nem chega no setor que ele fica, além do dia em que tive que roubar o trabalho daquela mulher, praticamente. Mas não saber que ela é funcionária da empresa dele é bizarro. — Bom, acredito que sim, mas você não deve decorar mesmo rosto ou nome de funcionários dispensáveis. Minhas palavras foram saindo e reduzindo o volume conforme a indignação momentânea escapava dos meus lábios. — O que disse? Voltei o olhar a ele, entendendo que ele ouviu. — Nada. — Eu ouvi o que disse. Olhei para eles novamente, que agora estavam colados enquanto se encostavam na bancada com beijos e sorrisos embriagados. — Eles não estão mais nos olhando, já podemos voltar. Virei meu corpo para me aproximar deles novamente, mas ouvi suas palavras assim que fiz o movimento. — Quando ela falou seu nome, para deixar livre sua entrada, eu o reconheci na hora. Olhei novamente para ele. — Valorizo meus funcionários da forma que devo. Claro, os que estão dentro do meu convívio e que agem conforme foram contratados para exercer suas funções seguem com mais atenção. Suspirei, acenando com certa culpa. — Eu não sei por que falei aquilo, desculpa. — Não deveria julgar as pessoas sem conhecer. Acenei novamente, baixando o olhar, agora mais envergonhada do que nunca. — Vamos, acredito que você deve estar cansada dessa armação, tanto quanto eu. Senti levemente sua mão em minhas costas. Um arrepio subiu em meu corpo, mas a vergonha era maior do que qualquer outro sentimento. Quando chegamos próximo ao casal s*******o da noite, ele disse: — A noite foi muito boa, mas acredito que já deu meu horário. Eles dois nos olharam, desfazendo o sorriso que ambos carregavam. — Mas já? — Eu também preciso descansar, tenho assuntos pessoais para resolver amanhã. Gustavo tocou o ombro de Kaio. — Qual foi, cara? Você nunca sai cedo... Seu tom foi baixo, mas ainda assim audível. — A gente se fala depois. Apertou brevemente o ombro dele como retorno. Carla me olhou, como se perguntasse o que deu nele ou o que eu fiz. — Amiga, espera mais um pouco, a gente te leva. — Eu vim de carro, esqueceu? Na mesma hora, arregalei os olhos. Mas que vacilo. Eu não tinha carro. Do nada, apareço aqui com um carro, é óbvio que ele vai entender. — Ah, é mesmo... Mas não tem condição de você sair assim, Isa. — Eu estou bem! — Bem? — Você nem nota, né? Mas está falando toda embolada, a não ser que queira ganhar uma multa ou coisa pior. Eu tinha plena consciência de que estava bem. Bom... além da tontura e de não fixar em pequenos detalhes, como a própria tela do meu celular, que acabei de pegar para chamar qualquer carro de aplicativo. — É... sério, eu estou bem. Peço um carro de app então. Vocês têm algum problema de levar o carro para casa? Amanhã estou de folga, eu pego com vocês. Os olhos de Kaio foram aos meus dedos, que palpeavam o celular sem muito sentido. — Posso lhe levar, se quiser. Bebi pouco. Olhei rápido para ele. — Maravilha! É melhor do que você pegar qualquer carro de estranho por aí, nesse estado. Neguei rapidamente, mas Carla deu força à tese de Gustavo. — É, amiga, ele está certo. Eu nunca me perdoaria se algo acontecesse com você. Como se o Kaio não fosse qualquer estranho. Tudo bem que ele é meu chefe, mas é um chefe que eu só vi uma vez na vida, que nunca aparece no meu turno. Kaio olhou brevemente no relógio. — Não quero lhe apressar, mas preciso de uma resposta. Suspirei pesado e olhei para Carla, que acenou em positivo. — Vai, amiga, e me avisa quando chegar em casa. Acenei sem jeito, aceitando aquela situação. Eles estão vendo por fora. Apesar de ter a sensação de que estou bem, que estou sã, a indiferença dele me causava confiança. — Bom, eu aceito então. Seguimos até seu carro em silêncio. Ele abriu a porta para mim. Estava tão pesada que sequer tinha energia para conversar, apesar de ter muitas perguntas, de ter muitas dúvidas. Eu não sei quando aconteceu. Só sei que encostei a cabeça naquela poltrona e aquele silêncio me tomou tão profundamente que sequer vi quando apaguei... Somente a escuridão me engolindo, pouco a pouco. .... KAIO MAVERICK Estava claro que foi intencional. Gustavo, assim como todos os outros que me cercavam, parecia querer a todo custo me envolver com outra mulher. E não era só ele. Meu cunhado, Otávio, também vinha agindo da mesma forma. Eles sabiam que eu amei sua irmã como nunca amei ninguém—e como jamais amarei outra igual. Ela foi e sempre será a mulher da minha vida. Nunca descumprirei a promessa que lhe fiz no seu leito de morte. Isabella era apenas mais uma das tantas que tentaram empurrar para mim. Com boa parte delas, tive momentos casuais—seja de amizade ou algo a mais. Mas quando ouvi seu nome para ser incluído na lista VIP, fiquei intrigado. Jamais imaginaria que ela fosse a tal amiga da nova namorada do Gustavo. Ele usou essa desculpa de me apresentar a ela porque "valia a pena". Foram exatamente essas palavras. Como alguém da família que mais se aproximava de um homem "normal", eu era a isca perfeita. Só não imaginei que, dessa vez, haveria uma armadilha para mim. E que, diferente das outras vezes, essa armadilha nem sequer resultaria em um caso noturno. Eu não me envolvo com funcionárias. Ainda mais quando se trata da mulher que cuida dos meus filhos. Ela pareceu tão surpresa quanto eu ao me ver. De certa forma, isso me aliviou. Apesar disso, a tensão no ar era evidente desde o primeiro olhar. Aqueles olhos azuis... nocivos. Perigosos. Havia neles um resquício de inocência, mas também algo letal. Foi difícil lidar com a situação quando aqueles dois trapaceiros faziam de tudo para intensificar algo que eu já estava sentindo—se é que isso era possível. Seus gestos me intrigavam. Sua recusa, seu recuo. Eu esperava encontrar um deslize, um erro, qualquer coisa que me desse um motivo para afastá-la de uma vez por todas. Mas isso nunca veio. Ela se manteve firme como uma rocha. Mesmo embriagada, mesmo com as palavras emboladas pelo álcool, seus olhos estavam exaustos e ela claramente precisava dormir. Não sei o que me deu para me oferecer a levá-la para casa. Mas fiz. Agora, aqui estamos. No meu carro. Em um silêncio constrangedor. Eu me perguntava o que diabos tinha dado na minha cabeça para me dispor a isso. ....
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