01: ENTRE O PASSADO E O AMOR.

1024 Words
PRÓLOGO: KAIO MAVERICK O amor da minha vida se chamava Letícia. É estranho usar o passado, como se fosse um capítulo encerrado. Ela ainda é, sabe? Sempre será. Lembro do sorriso dela quando me disse que estava grávida. Depois de meses de tentativas, lágrimas e frustração, finalmente estávamos ali, vivendo nosso maior sonho. Eu estava prestes a ser pai, e ela, mãe de gêmeos. Nossa vida estava completa. Escolhemos os nomes, compramos todos os móveis seletivamente. Perdi a conta de quantas vezes organizamos a bolsa maternidade, esperando somente o dia da chegada deles. Mas houve uma noite. A noite que destruiu tudo. Saímos para comemorar. Um jantar simples, só nós dois, relembrando tudo o que havíamos superado para chegar até ali. Ela estava tão linda... Vestia um vestido azul que acariciava a curva de sua barriga já evidente. Na volta para casa, faróis altos iluminaram o retrovisor. Uma SUV preta nos fechou de repente, obrigando-me a frear bruscamente. — Kaio! — Letícia murmurou, apertando minha mão. Meu coração disparou. Dois homens desceram do carro. Máscaras cobrindo os rostos, armas apontadas. — Sai do carro, agora! — um deles gritou, a voz rouca. Eu obedeci sem hesitar, descendo devagar com as mãos levantadas. Letícia apertava minha mão pelo vidro, hesitante antes de sair. — Calma, amor. Vai ficar tudo bem. — sussurrei, tentando transmitir uma confiança que eu não sentia. Um dos bandidos se aproximou. A arma balançava em suas mãos, como se ele estivesse tão nervoso quanto eu. — Dinheiro. Relógio. Tudo. Passa logo, cara! — Claro, claro. Tá aqui. Tirei minha carteira, entreguei o relógio, até as chaves do carro. — Leva o que quiser, só... só não machuque a gente. Mas Letícia fez algo que eu não esperava. Ela abriu a porta do carro e saiu, as mãos instintivamente protegendo a barriga. — Não, Letícia! Fica no carro! — Por favor, não machuquem meu marido! — ela implorou, a voz trêmula. O bandido mais próximo deu um passo para trás, surpreso. O outro, porém, reagiu com um puxar seco do gatilho. Dois tiros. O som explodiu no ar, e meu mundo desmoronou. — NÃO! — gritei, correndo para ela enquanto seu corpo desabava no chão. Os bandidos fugiram em pânico, deixando para trás mais do que objetos roubados. Deixaram um buraco no meu peito. Caí de joelhos ao lado dela. Havia sangue, tanto sangue... — Letícia, fica comigo. Por favor. Amor, olha pra mim! Implorei, segurando-a em meus braços. Ela abriu os olhos com dificuldade. A respiração era fraca, entrecortada. — Kaio... os bebês... — ela sussurrou, os olhos marejados de desespero. — Não fala isso, eles estão bem. Você vai ficar bem. Vamos para o hospital agora. Eu não vou deixar você ir! Ela tentou sorrir, mas o sangue nos cantos de sua boca tornou tudo ainda mais c***l. --- O corredor do hospital era um borrão. Médicos correndo, gritos, o som incessante do monitor cardíaco. Eles a levaram de meus braços enquanto eu gritava que salvassem ela. Salvassem nossos filhos. — O senhor precisa esperar aqui! Uma enfermeira segurou meus ombros, tentando me manter longe da sala de emergência. — NÃO! Ela precisa de mim! Não podem me impedir de ficar com ela! — Senhor, por favor. Estamos fazendo o possível. Me sentei. Ou melhor, desabei na cadeira. Minutos pareciam horas, e horas, eternidades. Meus olhos foram parar em minhas mãos. Cobertas de sangue. O sangue da mulher da minha vida. Então, o médico apareceu. — Sr. Kaio? Levantei de um salto, o coração martelando. — Como ela está? E os bebês? — Conseguimos remover os bebês, mas... ela perdeu muito sangue. Eles estão bem, mas são prematuros. — E minha esposa? O médico hesitou. — Ela pediu para vê-lo. Corri para a sala. Lá estava ela, pálida, ligada a máquinas, tão frágil que parecia que qualquer vento poderia levá-la. — Amor! Minha voz falhou ao me aproximar. Ela abriu os olhos, quase sem forças. — Kaio... os bebês... — Não, não fala. Você vai ficar bem. A gente vai superar isso. Ela balançou a cabeça devagar. — Eu os quis tanto... — Eu sei, eu sei. Seus olhos se fixaram nos meus, e então ela pediu: — Promete pra mim. Promete que ninguém vai ocupar meu lugar. Ninguém vai ser mãe dos nossos filhos, Kaio... Engoli em seco, minha garganta travada. — Letícia, para com isso! Não vou prometer nada. Você vai voltar pra casa, você vai criá-los comigo. — Promete... por favor. É tudo o que eu te peço. Minhas lágrimas caíram, molhando sua mão fria. — Eu prometo. Ela sorriu. Um sorriso fraco, satisfeito. O monitor apitou, e então... Ela se foi. --- Naquele instante, uma parte de mim morreu junto com ela. E a promessa que fiz foi a corrente que me prendeu por seis longos anos. --- O silêncio da sala onde os bebês estavam era quase sufocante. Apenas o som dos pequenos respiradores preenchia o ambiente. Eles eram tão pequenos... tão perfeitos. Fiquei ali parado na porta por um momento, incapaz de me mover. Meus olhos ardiam, pesados de lágrimas que eu não conseguia derramar. Letícia não estava ali para ver o que sempre foi o nosso sonho. Otávio entrou logo depois de mim. Seu rosto estava marcado pelo choque e pela dor, os olhos vermelhos. Ele tentou falar algo, mas apenas levantei a mão. Não havia palavras que pudessem me consolar. Me aproximei dos berços. O menino, o primeiro a nascer, tinha os traços dela. A menina, menor e mais frágil, tinha a minha boca. Eles dormiam, alheios ao caos que os cercava. — Eles são lindos, não são? — murmurei, minha voz áspera. Otávio assentiu, mas não disse nada. Toquei a mãozinha do menino, e ele agarrou meu dedo com força. Senti o calor da pequena vida que agora dependia de mim. Mas não consegui sentir alívio. — Eu morri com ela, Otávio. O homem que você conhecia... ele ficou naquele asfalto. Otávio não tentou argumentar. Ele sabia que não havia palavras que preenchessem o vazio. E eu, naquele momento, só conseguia sentir a sombra do homem que um dia fui. ---
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