Bar do Léo — quarta-feira, 18h47.
A calçada fervendo, o trânsito berrando, o sol se pondo como quem também desistiu do expediente.
E eu?
Eu entrei no bar igual protagonista de novela mexicana em fim de temporada.
Cabelo solto, olhar vidrado, batom ainda com a marca da minha demissão estampada na caneca do Vítor.
Sentei no balcão e soltei a bolsa como quem declara guerra.
— “Garçom… me vê a bebida que faz a gente esquecer que passou quatro anos numa empresa que acha que feedback é sinônimo de opressão.”
Léo, o dono do bar, já me conhecia. Levantou a sobrancelha.
— “Cê quer a ‘Esquece o Ex’ ou a ‘Desliga o LinkedIn’?”
— “Nenhuma das duas. Hoje eu quero a ‘Me Demitiram Mas Eu Tô Gostosa’. Com gelo. E sem miséria.”
Ele riu e já foi preparar.
Minutos depois, surge ela.
A mulher. A lenda.
Rebeca.
Minha melhor amiga. Três divórcios nas costas, duas tatuagens de impulso e um estoque vitalício de frases de efeito.
— “Soube da tua demissão, vaca linda. E vim brindar tua liberdade.” — disse, jogando a bolsa na cadeira e me dando um beijo estalado no rosto.
— “Brindar? Eu quero é me embriagar e esquecer o nome completo do Vítor.”
— “Qual é?”
— “Vítor Sérgio Cordeiro Pinto.”
— “Ahhhh, tudo faz sentido. p***o mesmo.”
A gente gargalhou tão alto que até o cara da mesa ao lado fez sinal da cruz.
— “Bora fazer aquele brinde de sempre?” — ela perguntou, levantando o copo.
— “Bora.”
Juntamos os copos e dissemos juntas:
— “Ao fracasso dos medíocres e ao sucesso das barraqueiras.”
Tomamos.
Ela fez careta. Eu fechei os olhos, sentindo o álcool queimando mais do que os comentários do RH.
— “E agora, Marina? O que cê vai fazer?”
— “Primeiro? Comer um pastel. Segundo? Escrever um e-mail que vai botar fogo na firma. Terceiro? Tirar uma selfie chorando e postar com a legenda ‘recomeços são fodas, mas pelo menos tenho p****s’.”
— “Tu é um ícone. Uma entidade.”
— “Não sou nada. Só uma mulher desempregada, com TPM e uma vontade absurda de mandar o Vítor tomar no cu em caixa alta.”
— “E a gente vai fazer isso. Mas antes…” — ela chamou o garçom — “Moço, traz a bebida que transforma mulher em entidade mística.”
— “Aquela com tequila, gin, limão e glitter comestível?”
— “Essa mesma. A que dá coragem de mandar mensagem pro crush, pedir demissão e tatuar o nome da mãe no tornozelo. Tudo ao mesmo tempo.”
Eu olhei pra Rebeca e soltei:
— “Se essa bebida me fizer mandar mensagem pro Vítor oferecendo consultoria emocional, me interna.”
— “Prometo que te amarro no poste da praça antes disso.”
A bebida chegou. Brilhando. Piscando. Puro caos líquido.
Bebemos.
E no terceiro gole, eu já tava levantando da cadeira, apontando pra jukebox:
— “Coloca Alcione! Que hoje eu vou cantar ‘Você Me Vira a Cabeça’ como se fosse hino nacional da mulher fodida porém de batom!”
Bar do Léo, 21h13.
Eu tava no ápice da lucidez alcoólica. Aquele ponto exato entre "eu tô ótima" e "quem deixou uma girafa sentar na minha cabeça?". Spoiler: a girafa era eu. Sentada torta na cadeira, com um guardanapo amassado na mão e a dignidade no chão.
Rebeca ria tanto que parecia ter engasgado com a própria risada. Eu? Tava com o notebook aberto na mesa. Sim, o notebook. Aberto. Iluminando minha cara igual holofote de auditório.
— “O que você tá fazendo, Marina?” — ela perguntou, tentando parar de rir.
— “Tô... tô mandando um Gmail.”
— “Pra quem, Jesus?”
— “Pra... pra uma empresa. Uma firma. Um negócio aí. Um CEO.”
— “Cê nem sabe escrever ‘CEO’ bêbada, Marina.”
— “Sei sim! É... Céu. Cê... é... ooo...”
Ela caiu na gargalhada de novo. E eu, plena, digitando com dois dedos tortos como se tivesse escrevendo uma carta de amor pro Pelé.
Assunto: Olha, só me contrata logo antes que eu desista da humanidade
Corpo do e-mail:
> Oiiiii, tudo bão?
Aqui é Marina. Marinaaaaa. (Com M de maravilhosa, tá?)
Eu fui demitida hoje. Mas eu tô bem. Tô linda. Inclusive tô aqui no Bar do Léo tomando uma bebida que brilha mais que funcionário puxando saco.
Então assim ó: se você for uma empresa decente (com café bom e sem chefe p*u pequeno), me contrata. Ou me beija. Tanto faz. Só não me ignora que eu choro fácil.
Anexei meu currículo, mas também posso mandar nudes (mentira, mãe, se tu tiver lendo isso é piada).
Tenho criatividade, experiência e um TDAH bem treinado pra dar ideias no meio da reunião e sair voando atrás de passarinho.
PS: Eu odeio blazer. Mas se for pra trabalhar aí, eu uso. Um. Vez. Só.
PS2: Tequila é vida.
PS3: Tô escrevendo isso com glitter no dente.
Com amor (e álcool),
Marina Alves, designer profissional e barraqueira de elite.
Eu não lembro de apertar "enviar".
Só lembro da Rebeca gritando:
— “NÃÃÃO, MARINA, O QUE CÊ FEZ???”
E eu olhando pra tela com a serenidade de quem acabou de acionar um míssil diplomático.
— “Eu… eu mandei?”
— “Tu mandou!”
— “Pra quem?”
— “Pra uma empresa, sua doida! Com currículo e tudo!”
— “Ai... será que foi com anexo?”
— “O problema não é o anexo, é o PS3!”
Eu encostei na cadeira, olhos vidrados, alma flutuando, sorriso bêbado colado na cara.
— “Rebeca…”
— “Que foi?”
— “Se eu acordar amanhã empregada... eu juro que largo a bebida.”
Ela me olhou, séria.
— “Tu não vai largar p***a nenhuma.”
— “É. Verdade.”
E a gente brindou de novo.
Ao sss bêbado.
À loucura impulsiva.
E ao glitter no dente.
Porque às vezes, o caos… é currículo.