capítulo 3 continuação

1042 Words
Bar do Léo — quarta-feira, 18h47. A calçada fervendo, o trânsito berrando, o sol se pondo como quem também desistiu do expediente. E eu? Eu entrei no bar igual protagonista de novela mexicana em fim de temporada. Cabelo solto, olhar vidrado, batom ainda com a marca da minha demissão estampada na caneca do Vítor. Sentei no balcão e soltei a bolsa como quem declara guerra. — “Garçom… me vê a bebida que faz a gente esquecer que passou quatro anos numa empresa que acha que feedback é sinônimo de opressão.” Léo, o dono do bar, já me conhecia. Levantou a sobrancelha. — “Cê quer a ‘Esquece o Ex’ ou a ‘Desliga o LinkedIn’?” — “Nenhuma das duas. Hoje eu quero a ‘Me Demitiram Mas Eu Tô Gostosa’. Com gelo. E sem miséria.” Ele riu e já foi preparar. Minutos depois, surge ela. A mulher. A lenda. Rebeca. Minha melhor amiga. Três divórcios nas costas, duas tatuagens de impulso e um estoque vitalício de frases de efeito. — “Soube da tua demissão, vaca linda. E vim brindar tua liberdade.” — disse, jogando a bolsa na cadeira e me dando um beijo estalado no rosto. — “Brindar? Eu quero é me embriagar e esquecer o nome completo do Vítor.” — “Qual é?” — “Vítor Sérgio Cordeiro Pinto.” — “Ahhhh, tudo faz sentido. p***o mesmo.” A gente gargalhou tão alto que até o cara da mesa ao lado fez sinal da cruz. — “Bora fazer aquele brinde de sempre?” — ela perguntou, levantando o copo. — “Bora.” Juntamos os copos e dissemos juntas: — “Ao fracasso dos medíocres e ao sucesso das barraqueiras.” Tomamos. Ela fez careta. Eu fechei os olhos, sentindo o álcool queimando mais do que os comentários do RH. — “E agora, Marina? O que cê vai fazer?” — “Primeiro? Comer um pastel. Segundo? Escrever um e-mail que vai botar fogo na firma. Terceiro? Tirar uma selfie chorando e postar com a legenda ‘recomeços são fodas, mas pelo menos tenho p****s’.” — “Tu é um ícone. Uma entidade.” — “Não sou nada. Só uma mulher desempregada, com TPM e uma vontade absurda de mandar o Vítor tomar no cu em caixa alta.” — “E a gente vai fazer isso. Mas antes…” — ela chamou o garçom — “Moço, traz a bebida que transforma mulher em entidade mística.” — “Aquela com tequila, gin, limão e glitter comestível?” — “Essa mesma. A que dá coragem de mandar mensagem pro crush, pedir demissão e tatuar o nome da mãe no tornozelo. Tudo ao mesmo tempo.” Eu olhei pra Rebeca e soltei: — “Se essa bebida me fizer mandar mensagem pro Vítor oferecendo consultoria emocional, me interna.” — “Prometo que te amarro no poste da praça antes disso.” A bebida chegou. Brilhando. Piscando. Puro caos líquido. Bebemos. E no terceiro gole, eu já tava levantando da cadeira, apontando pra jukebox: — “Coloca Alcione! Que hoje eu vou cantar ‘Você Me Vira a Cabeça’ como se fosse hino nacional da mulher fodida porém de batom!” Bar do Léo, 21h13. Eu tava no ápice da lucidez alcoólica. Aquele ponto exato entre "eu tô ótima" e "quem deixou uma girafa sentar na minha cabeça?". Spoiler: a girafa era eu. Sentada torta na cadeira, com um guardanapo amassado na mão e a dignidade no chão. Rebeca ria tanto que parecia ter engasgado com a própria risada. Eu? Tava com o notebook aberto na mesa. Sim, o notebook. Aberto. Iluminando minha cara igual holofote de auditório. — “O que você tá fazendo, Marina?” — ela perguntou, tentando parar de rir. — “Tô... tô mandando um Gmail.” — “Pra quem, Jesus?” — “Pra... pra uma empresa. Uma firma. Um negócio aí. Um CEO.” — “Cê nem sabe escrever ‘CEO’ bêbada, Marina.” — “Sei sim! É... Céu. Cê... é... ooo...” Ela caiu na gargalhada de novo. E eu, plena, digitando com dois dedos tortos como se tivesse escrevendo uma carta de amor pro Pelé. Assunto: Olha, só me contrata logo antes que eu desista da humanidade Corpo do e-mail: > Oiiiii, tudo bão? Aqui é Marina. Marinaaaaa. (Com M de maravilhosa, tá?) Eu fui demitida hoje. Mas eu tô bem. Tô linda. Inclusive tô aqui no Bar do Léo tomando uma bebida que brilha mais que funcionário puxando saco. Então assim ó: se você for uma empresa decente (com café bom e sem chefe p*u pequeno), me contrata. Ou me beija. Tanto faz. Só não me ignora que eu choro fácil. Anexei meu currículo, mas também posso mandar nudes (mentira, mãe, se tu tiver lendo isso é piada). Tenho criatividade, experiência e um TDAH bem treinado pra dar ideias no meio da reunião e sair voando atrás de passarinho. PS: Eu odeio blazer. Mas se for pra trabalhar aí, eu uso. Um. Vez. Só. PS2: Tequila é vida. PS3: Tô escrevendo isso com glitter no dente. Com amor (e álcool), Marina Alves, designer profissional e barraqueira de elite. Eu não lembro de apertar "enviar". Só lembro da Rebeca gritando: — “NÃÃÃO, MARINA, O QUE CÊ FEZ???” E eu olhando pra tela com a serenidade de quem acabou de acionar um míssil diplomático. — “Eu… eu mandei?” — “Tu mandou!” — “Pra quem?” — “Pra uma empresa, sua doida! Com currículo e tudo!” — “Ai... será que foi com anexo?” — “O problema não é o anexo, é o PS3!” Eu encostei na cadeira, olhos vidrados, alma flutuando, sorriso bêbado colado na cara. — “Rebeca…” — “Que foi?” — “Se eu acordar amanhã empregada... eu juro que largo a bebida.” Ela me olhou, séria. — “Tu não vai largar p***a nenhuma.” — “É. Verdade.” E a gente brindou de novo. Ao sss bêbado. À loucura impulsiva. E ao glitter no dente. Porque às vezes, o caos… é currículo.
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