Capitulo 2

3033 Words
— Que sortuda! Eu ainda não completei um ano de serviço! — Aaron vibra batendo palmas e para apenas para tirar o avental. Baixo o olhar para Aaron e comprimo os lábios. — É, mas vou passar um mês sem salário. — Falo num tom quase que desesperador. Aaron ri. — A americana que cresceu no Canadá não está acostumada com férias não remuneradas? — Ele faz beicinho. Dou um empurrão em Aaron. Ele me lança um beijo, pega suas coisas e vai embora avisando que vai me mandar uma mensagem sobre o fim de semana. Sigo para a cozinha para meu horário de almoço e Crystal já tem meu almoço pronto. Um delicioso sanduiche de salmão defumado. Enquanto isso, Peyton já chegou e está se preparando para seu expediente. Ela acena para mim e vai para os fundos, guardar suas coisas nos armários. Emmett, o seu auxiliar de cozinha, se senta ao meu lado para almoçar. Ele é um rapaz quase tão magro quanto Aaron, a diferença é que ele é bem mais alto e tem o rosto com ossos sobressalientes. O cabelo é loiro e os olhos são azuis. Sempre o achei uma versão masculina de Kiara, ainda mais pelo corpo esguio. Não conversamos muito. Uma certa vez ele me chamou para sair, eu disse a ele que poderíamos marcar um dia e fugi dele por uma semana inteira. Depois disso, ele nunca mais tocou no assunto. Emmett não é f**o e sempre foi muito simpático comigo, eu ate cogitei sair com ele, mas de repente eu não quis mais. Pensar em ter um namorado não pareceu uma ideia atrativa na época. Após o almoço, vesti meu avental novamente e voltei a parte da frente do restaurante. Peyton já estava atendendo alguns clientes, mas logo ficou livre e juntou a mim. — Então, quer sair no fim de semana? — Ela me pergunta baixinho. A ideia é bastante atrativa, mas desde que soube que passarei um mês inteiro sem salário, eu não paro de pensar em formas de ganhar dinheiro e não de gastar. — Nem me fala, o Sr. Rhodes me deu férias. Vou precisar economizar esse mês. — Digo a ela. Peyton faz careta. — Que pena. Então posso dormir na sua casa hoje? Assim não gastamos dinheiro e ficamos juntas. — Peyton sugere. Eu abro um sorriso. — Pode ser. — Digo a ela. — Combinado então! — Ela pisca. —Chegou cliente...olha só quem é! Viro minha atenção para a porta e vejo ninguém menos do que Lisa LeBlanc entrando. Vestida como uma pessoa que nunca passou calor ou qualquer outra necessidade facilmente resolvida com dinheiro, ela entra e analisa as mesas. — Nenhuma das minhas mesas, por favor! — Suplico baixinho. Então ela segue em direção a mesa 7 e se senta. Claro que foi na mesa 7. Respiro fundo, pego meu caderninho e sigo até Lisa LeBlanc. Para ao seu lado, passo as mãos no avental e abro um sorriso pra ela. — Boa tarde! Como posso te ajudar hoje? — Pergunto. Lisa não olha o cardápio. Não pega seu computador como da ultima vez, e nem me ignora. Muito pelo contrário, ela me olha intensamente, de cima a baixo, como se analisasse cada parte do meu corpo. — Tem algo sim que você pode me ajudar. — Ela diz, o tom de voz baixo e seguro, exatamente o tom que uma mulher da estipe dela teria. — Gostaria de ouvir os especiais do dia? — Pergunto, sentindo dentro de mim que não foi nem de perto isso que ela quis dizer. Ela então, suspira e balança a cabeça, como se tivesse pensado em algo e desistisse da ideia. —Me traz um chá verde por enquanto. Assinto. Me retiro, vou ate a cozinha e peço o chá verde para Crystal. Peyton vem atrás de mim e quase que encosta a boca no meu ouvido. — A ricaça não tira o olho de você. — Peyton sussurra. — Será que ela está a fim de você? Solto na hora uma risada pelo nariz. A ideia de qualquer pessoa tão sofisticada interessado em mim, seja mulher ou homem, é absurda. Convenhamos, eu não sou nenhuma Anastasia Steele. Não tem nenhum milionário por ai pra mim nem mesmo se eu quisesse. E eu não quero. Se tem algo que odeio, é esse tipo de pessoa. Pessoas prepotentes, que acham que você deve algo a elas apenas por terem mais dinheiro e se vestirem melhor. Os donos do mundo, com carros caros e potentes. Fazem das ruas de Los Angeles, sua pista de corrida. E assim, um trabalhador que acordava às 4:00am todo os dias, acaba atravessando ela pista, bem na faixa, para quase de frente com seu trabalho, quando os donos do mundo aparecem e tiram a vida dele. Pagam uma multa, pagam a fiança, e pronto. Os donos do mundo voltam para suas vidas normais, enquanto uma garotinha fica órfã. — Eu duvido muito. — Digo a Peyton. — E você está falando por falar, aposto que seu "gaydar" não chegou nem perto de apitar. Peyton cai uma gargalhada singela. Ela então concorda com a cabeça. A campainha toca. Chá pronto. Ao mesmo tempo, uma família entra pela porta e se sentam em uma das mesas de Peyton. Ela sai ligeira para atende-los. Pego o chá, equilibro numa bandeja e vou em direção a Lisa LeBlanc, que agora, está no celular, com uma cara nada boa. — Você é um inútil, é isso que você é! Não é possível, eu sei os meus direitos! — Ela grita enquanto sussurra, se é que isso é possível. Ela então, quando percebe minha presença, afasta o celular do ouvido. E me olha com o mesmo olhar estranho de antes. Sirvo a ela o chá, tentando ignora-la. — Alison, não é? — Ela pergunta. Assinto. — Sim, senhora. — Digo a ela. — A que horas você sai? — Ela me pergunta. Pisco duas vezes até entender a pergunta. Por que diabos ela quer saber a hora que eu saio do trabalho? Olho então para Peyton, como se ela pudesse ouvir o que está acontecendo e me ajudar, mas Peyton está longe. — Desculpe? — Digo lançando a ela um sorriso confuso. A mulher então, parece perder a paciência. — A que horas você sai daqui? — Ela repete, agora mais alto, para ter certza que ouvi. Não vejo outra escolha, se não for responder. — Hoje saio às sete. Por que a pergunta? Ela ignora completamente a minha pergunta e volta a falar no celular. Percebo então que é minha deixa para ir. Me retiro e fico esperando Peyton perto da cozinha, mas ela parece ter pego cientes bem indecisos. Demora quase que 10 minutos, para Peyton finalmente entregar o pedido para a cozinha e se juntar a mim. Sem causar muito alarde, conto a ela sobre a pergunta de Lisa LeBlanc e Peyton fica extasiada. — Confesso que nunca achei que ela estivesse afim de você, e ainda assim não acho. Então, o que ela quer com você?— Peyton me pergunta. — Eu não sei! — Será que você é alguma parente perdida dela? Olho para Peyton como se o que ela tivesse dito, fosse completamente improvável. Até porque, é sim. — Eu? Uma LeBlanc? A pele deles emana dinheiro, pelo amor de Deus, eu junto os sabonetes que estão acabando num novo pra não desperdiçar. Peyton cai na gargalhada. Lisa LeBlanc então, se levanta. Ela me faz um sinal de que deixou o dinheiro em cima da mesa e vai embora. Espero que ela saia pela porta, para então ir ate a mesa 7 e ver a generosa gorjeta que ela me deixou. Guardo a gorjeta bem guardado, só Deus sabe o quanto vou precisar agora. Até o final do dia, nada corriqueiro, apesar de ser uma sexta-feira, o restaurante segue sem lotar. E quando às 7:00pm chega, devolvo meu avental, pego minhas coisas e espero Peyton, que antes precisou usar o banheiro, no lado de fora do restaurante. O clima está muito bom, apesar de estarmos no auge do verão, a noite cai sem estar abafada. Pouco movimento na rua, apenas alguns carros estacionados... Um deles então me chama atenção. Não por ele ser um carro considerado de luxo, sem uma única marca de poeira, tão preto que deixa as outras coisas pretas com tom de velho. Na verdade, o que me chamou atenção, foi quem está dentro dele. O vidro está abaixado pela metade e agora, um par de olhos me encara. Lisa LeBlanc. E então, ela me chama. Olho em volta, mas não há mais ninguém próximo a mim. Então, olho para os dois lados e atravesso a rua, até o carro dela. — Me chamou? — Pergunto. Ela não responde, apenas abre a porta do carro e se afasta, me convidando para entrar. Penso duas vezes antes de entrar no carro e fechar a porta atrás de mim. A mulher então, estende a mão pra mim. — Meu nome é Lisa LeBlanc. E você? Sei que ela já sabe meu nome, mas mesmo assim, respondo. — Alison Forbes. — Respondo. Ela levanta uma das sobrancelhas. — Forbes? Não conheço ninguém com esse sobrenome... Não seguro a risada. Mas quando percebo que ri, paro imediatamente. —Bom, não fui criada aqui e meus pais morreram. — Digo a ela. Ela assente. — Muito bom. Onde cresceu? — Canadá. — Respondo. Lisa pensa um pouco e então dá de ombros. — Canadá é quase uma França. Você fala francês? — Eu estudei no colégio, mas não era a matéria que eu mais gostava. Porém, consigo me comunicar um pouco. — Ela assente novamente com minha resposta. — Por que todas essas perguntas? Por que estou nesse carro. Ela então, suspira. A mulher fina e de alta estipe que apareceu no restaurante pela tarde, então some. Agora, o que eu vejo se assemelha bastante com a imagem de mim mesma, ao final do dia, sem perspectiva. Então, percebo como Lisa é parecida comigo. De aparência, é claro. Apesar de ela ser loira e ter os olhos azuis, sua pele é do mesmo tom que o meu e ela tem a boca carnuda, assim como a minha. Suas sobrancelhas, apesar do cabelo loiro, são escuras e grossas, como as minhas. Mas as semelhanças acabam por aí. A mulher é alta e tem os gestos suaves e delicados, ao contrário de mim. — Alison, eu te proponho um acordo. — Ela diz então. Pisco, sem ter nada para falar. Nem mesmo perguntar que acordo ela quer comigo, eu consigo. — Eu ouvi você conversar com sua amiga no outro dia. Você disse que poderia fingir ser outra pessoa e nem mesmo ela notaria. Assinto. Não tinha ideia de que ela podia nos ouvir. Agora penso em quantos clientes nos ouviram enquanto falávamos m*l deles. — Eu sou atriz. — Digo. As palavras pareceram estranhas na minha boca. Fez com que eu me perguntasse, sou mesmo uma atriz? O que alguém precisa fazer pra ser uma atriz? Porque tem um tempo que eu não consigo um trabalho... — Perfeito. Então, Alison, eu tenho um papel pra você. — Lisa então, pega seu celular e me entrega, e nele está aberto uma foto. — O papel de minha filha. Alison LeBlanc. Olho para o celular. A garota na foto sou eu. Claro, há algumas diferenças, mas no geral? Cabelos escuros e ondulados, pele pálida, olhos cinza, a boca carnuda, sobrancelhas cheias e baixa. Aquela ali poderia ser minha irmã, fácil. É tão estranho perceber o quão comum minha aparência, que sempre achei que não era, é. — Essa aqui...é sua filha? — Pergunto. — Minha doce filha, está na França. E me odeia. E a avó dela, sabendo disso, quer saber o que eu fiz a neta dela para que me odiasse tanto, e me deserdou até que Alison aparecesse e dissesse que não me odeia. — A avó dela...sua mãe? — Pergunto. — Sim. — Sua mãe te deserdou? Ela pode fazer isso? — Pergunto. Lisa respira fundo e solta o ar devagar. — Aparentemente sim, meu nome está fora da herança. — E você quer que eu finja ser essa garota e engane sua mãe? — Pergunto. — Minha própria avó não me reconheceria? — Ninguém vê Alison desde seus 13 anos. Ela está com 19 agora, completamente idêntica a você. Penso sobre tudo isso. Sobre a loucura que isso pode se tornar. — Não posso fazer isso. — Digo a ela. — É crime! Alison dá de ombros. — Eu te pago 50 mil dólares. Meu corpo estremece com a menção de tanto dinheiro. E aí está. Os donos do mundo atacam novamente. Disse a Lisa que o que ela me popôs, é crime, e o que ela fez? Jogou uma quantia enorme de dinheiro na minha cara. Pois as leis não se aplicam a alguém com tanto dinheiro, mas a mim? Eu vou mofar na cadeia e ninguém vai conseguir me ajudar. — Não, obrigada. Encontre outro bode expiatório pra cometer um crime por você. — Espera! — Lisa exclama e puxa minha roupa, mas eu me desvencilho dela. Abro a porta do carro, fecho ela atrás de mim, com força. E ando a passos largos em direção ao restaurante. Quando olho para trás, o carro já foi embora, porém vejo algo grudado na minha roupa. Um cartão, apanho ele, enganchado no tecido já surrado da minha camiseta. Lisa LeBlanc LeBlanc.Inc C.E.O. Bufo. Eu sei que tenho um problema com isso. Sei que sinto uma raiva irracional com isso. Mas como alguém que passou pelo que passei, pode ver essas atitudes e não falar nada? — O que é isso? — Peyton pergunta de repente. Estava tão concentrada no cartão, que nem percebi que Peyton finalmente saiu do restaurante. — Se eu te contar, você não acredita. — Digo a ela. No caminho até minha casa, conto tudo a Peyton. E ela tem a reação mais inesperada. Pelo menos para mim. Peyton insiste que eu aceite a proposta. Argumento com ela, digo a ela que falsidade ideológica é crime. Mas assim como Lisa, ela balança os 50 mil dólares na minha cara. — Não tem o que pensar, são 50 mil dólares! Eu faria bem mais coisas do que fingir ser outra pessoa por 50 mil dólares. — Peyton balança meu braço enquanto eu tento abrir a porta de casa. Olho para ela e reviro os olhos. — Nem tudo na vida é dinhe...— Não termino a frase. Eu ia dizer uma frase estúpida de que dinheiro não é importante e tudo mais. E então, lembrei da minha vida. Lembrei de como o dinheiro teria mudado tudo para nós. Em como mudaria tudo pra mim agora. — Quer saber? Para de falar nisso. Eu não quero ver aquela mulher nunca mais. Peyton da de ombros. — Eu não estou num momento na minha vida onde eu posso recusar 50 mil dólares assim, mas se você está, tudo bem. — Apesar do tom descontraído, a fala de Peyton estava carregada de sarcasmo. Decido ignorar e abro a porta de casa. Peyton sai entrando, a procura de Harry. Logo ele nota nossa presença e vem até nós, esfregando seu corpo nas pernas de Peyton e miando. —Meu Deus, quantos quilos tem esse gato? Da última vez que eu o vi, ele não parecia um balão peludo. Olho para Harry. Ok, ele está gordo. Na verdade, ele estava gordo no mês passado, hoje Harry está obeso. Eu mimei muito meu gato nesse último mês. Ele parecia com fome e triste o tempo todo, então eu alimentei bem o maldito. E dei petiscos. E as vezes, um pedacinho do que eu estava comendo. — Ele está triste, aquela gatinha que vive no andar de baixo morreu atropelada. Ele está de luto. Peyton me olha balançando a cabeça, zombando de mim, e então se volta para o gato nas suas pernas. — Ela tá engordando você, bonitinho? Tadinho dele, parece um boi de tão grande. Começo a organizar levemente a casa e vou tomar um banho. Peyton adora ficar com Harry, então não me apresso no banho. Lavo o cabelo e quando termino o banho, enxugo ele bem para não ficar pingando. Ainda de toalha, passo creme e penteio meus cabelos e finalizo com uma leve fitagem para que as ondas fiquem alinhadas. Visto uma roupa mediana. Apenas um blusinha rosa pastel e uma calça preta soltinha e fresquinha. Me junto a Peyton na cozinha, que agora está batendo algo no liquidificador. — O que está fazendo? — Pergunto alto, para que minha voz fique acima do barulho. Peyton desliga o liquidificador. Ela derrama o liquido quase branco, quase transparente no copo e ela nem precisa responder para que eu saiba o que é, pois ao lado dela, tem uma garrafa de tequila. — Margaritas! — Peyton exclama. — De onde você tirou essa tequila? — Pergunto? Peyton já tem 21, ela já pode comprar bebidas, mas não vi nenhuma garrafa em suas coisas. Ela deu de ombros. — Eu saí e comprei, você demorou tanto que até chequei meus e-mails. Olho para o copo de Margarita. Eu não tenho tanto o costume de beber, meu pai não o fazia. Acredito que minha mãe também não, mas minha tia sim. Tia Helga costumava guardar garrafas de bebida alcoólicas embaixo da pia e quando estava no segundo ano, meus amigos encontraram e não consegui impedi-los de beber. Foi quando experimentei pela primeira vez e odiei, mas Tia Helga nunca notou a falta, então, a circulação de jovens na minha casa acontecia sempre e para ser sempre incluída, me juntava a eles. E passei a gostar da sensação quando estava levemente embriagada. Aquela sensação de que a vida não precisa ser tão f**a e simples. Que uma pequena dose de coragem corre nas veias, mas nada absurdo, apenas o bastante para me deixar um pouco mais atrevida. — Ok, vamos beber para comemorar a m***a das nossas vidas. — Digo a ela, pegando o copo e brindando com o nada.
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