BEATRIZ
Sorrir agradecida assim que coloquei o refil com cheiro de lavanda no aromatizador do banheiro e apertei. O cheiro de lavanda tomou todo o ambiente fazendo o meu sorriso se alargar.
Eu já havia limpado a suíte que o tal ricaço usaria fazia um tempo. Eu não o vi, nem a ele e nem ao rapaz que ocuparia o quarto que acabei de limpar.
Se mainha me visse agora ficaria orgulhosa de mim. Peguei tudo que ela me ensinou sobre como ser uma boa camareira e apliquei nos quartos.
E olhe que os quartos estavam sujos demais, a única coisa limpa eram os lençóis das grandes camas queen, mas até eles foram preciso trocar, devido à poeira que tomou todos os móveis.
O quarto parecia um quarto de hotel convencional. Hotéis de rico, mas é convencional. A única diferença é que os quartos daqui não tem guarda-roupa, só uma cômoda.
E que cômoda!
Assim como os móveis da outra suíte, esses também são pretos, mas as cômodas diferiam em tamanhos. A do primeiro quarto que limpei a cômoda parecia um monstro, quase do meu tamanho, seis gavetas e duas portas, mas essa aqui seu tamanho era razoável, tem apenas cinco gavetas e uma porta.
Agora, para quê isso? Pergunto-me com curiosidade, mas logo a resposta vem em minha mente.
- Provavelmente para os clientes colocarem as suas roupas antes do ato libertino. - Abaixo a cabeça me sentindo envergonhada.
Pego os materiais de limpeza enfrente a porta do banheiro e saiu do quarto, ponho os materias no carrinho auxiliar e sigo o meu caminho.
Tudo era longe nesse lugar, corredores longos e largos. Agora eu me sentia mais livre para andar por quase tudo. Antes de eu começar meu serviço dona Cláudia me levou para conhecer o lugar, o prédio tem dois andares. No térreo fica as salas da gerência, coordenação, a lavanderia, a área de serviço e a cozinha.
Ela não mentiu quando disse que a porta era um atalho que passa pela cozinha. Me sentir tão culpada que comentei com ela a minha desconfiança, emitindo a parte do roubo, claro, mas tudo que ela fez foi cair na gargalhada.
Dona Cláudia é boa nisso, em rir com vontade, sem se importar com nada, sua risada é alta e contagiante, eu rio, mas não é aquela risada que nos tira o fôlego e alivia o peso, nos deixando leve.
Sinto falta disso.
Eu... Bom, nem sei mais o que é isso, já fazem mais de um ano, desde o momento que mainha me contou está com câncer de mama que eu não consigo ser a Ana Beatriz de antes.
No primeiro andar ficam as saletas privativas, onde os clientes se juntam para beber, fumar, ver as garotas dançando, ou marcar reuniões, como estava acontecendo em uma das salas. Dona Cláudia nem me deixou chegar perto, mas era possível ouvir as vozes dos homens alteradas. Tudo que eu sabia era que a reunião foi marcada por dois advogados importantes e cheio da grana.
Palavras de dona Cláudia.
Ela ainda disse que a reunião é com membros de uma corporação muito famosa aqui de Salvador, ela não podia dizer o nome da empresa, mas eu nem queria saber o nome da empresa, piorou de seus membros.
Eu nunca vi ninguém que gostasse de falar tanto quanto ela, mas como eu sempre gostei de escutar, não me importei.
Eu até perguntei o porquê da reunião ser tão tarde e o porquê do local. Dona Cláudia explicou que os homens ficam mais à vontade nesse horário e o local foi escolhido porque t*****r depois de uma reunião estressante os fazem ficar mais relaxados.
Palavras dos dois advogados... Eles e dona Cláudia formam um trio e tanto.
Preferi não expor a minha opinião, ela provavelmente não gostará.
No segundo andar ficam os quartos, quinze quartos no total, incluindo às duas suítes.
Dona Cláudia pediu que eu ficasse responsável apenas pela limpeza dos quartos, quando precisasse de uma limpeza mais profunda me chamaria, pois, a faxineira sempre troca os lençóis.
Os quartos são usados apenas por uma pessoa por noite, por isso precisam ligar e marcar um horário. Se for para noite toda, eles precisam deixar claro no momento que marcarem.
Como se estivesse marcando um jantar em um restaurante. Volto a pensar balançando a cabeça em negativo.
- Povo doido. - Sussurrei.
Entrei no elevador de serviço, que ficava ao lado do elevador privativo e apertei o botão escrito térreo.
O elevador de serviço é estreito, cabe somente eu e o carrinho. O lugar é todo espelhado e não tem como a pessoa não se olhar.
Pela segunda vez naquele dia me encarei naquele espelho e não gostei nada do que ele refletia.
Não era o uniforme que eu usava que consisti em uma blusa branca de manga curta, um avental que mais parecia um jaleco, horroroso, mas não era ele que me entristecia.
Olho-me da cabeça aos pés e faço uma careta, quando os meus olhos batem no tênis emborrachados, semelhante aquelas sandálias Babuches.
A sandália é obrigatório usar, até mais que o uniforme, pois, elas evitam acidentes.
Sorriu sem vontade quando as portas do elevador se fecham e mais espelhos surgem.
Parece até uma brincadeira de mau gosto.
O medo, a sensação de perda, as desilusões de minha vida, e tantos outros sentimentos que tem causado "cicatrizes em minha alma" vem a tona.
Eu era tão vaidosa, nunca tive muito, no entanto, sempre me cuidei o melhor que pude.
Perdi o gosto em me olhar no espelho, sinto que ele me ilude, sempre tenta me dizer que sou forte, mas eu não sinto isso.
Respiro fundo tentando conter o choro. Quando vivo no passado, a todo tempo isso acontece.
- Mas não faz diferença. - Exclamei exasperada em voz alta.
Ergo as minhas mãos e limpo as lágrimas que teimaram em cair sem eu poder impedir.
Através do espelho vejo a mulher que se veste do meu corpo, que faz os mesmo gestos com as mãos, como se fosse eu. Às vezes sinto que a miserável acena para mim, me provoca e eu não posso fazer nada, porque mesmo não querendo, a mulher fraca, triste e feia que me encara, sou eu mesmo.
As portas do elevador se abrem no térreo e eu volto a minha pose contínua de que tudo está bem e se não estivesse, um dia ficará.
Vou em direção a área, chegando lá deixo o carrinho de materiais de limpeza, me troco no vestiário que fica entre a área de serviço e o banheiro para funcionários.
No vestiário tem uns cinco armários dispostos próximo aos boxes de banho, dois boxes, na verdade.
Vou ao armário que guardei as minhas coisas, tiro meu celular e a chave do armário de dentro do bolso de meu avental e abro o mesmo. Guardo meu celular dentro de minha bolsa, tiracolo e pego as minhas roupas.
Tomo banho rapidamente, me arrumo e logo estou no encalço de dona Cláudia. Ela disse que eu estaria liberada após terminar os quartos, olho as horas em meu celular e vejo que passa das 03:30h da manhã.
Encontrei dona Cláudia em sua sala toda despojada comendo biscoito recheado de morango, sem seus saltos alto, sentada em sua cadeira com as pernas em cima da mesa.
- Beatriz, vejo que já terminou seus serviços.
- Sim, terminei! Precisa de mim para mais algo mais?
- Não querida, você já está liberada. - Ela sorri, remove seus pés da mesa, guarda o resto do biscoito na gaveta e levanta, logo depois, abre uma caixinha na cor marrom em sua mesa e tira de lá uma quantia em dinheiro. Eu fingia que não via, mas estava de olho em seus movimentos. - pegue, aqui a sua diária. Ela estende a quantia para mim e eu pego em suas mãos.
- Dona Cláudia, tem algo errado. - Digo surpresa.
- O que seria?
- O valor! Lourdes me disse que seria R$ 70,00 por diária, mas aqui tem uns R$ 210,00. - Respondo assustada.
- Estou pagando adiantado, por hoje, amanhãs e depois. - Você está disponível?
- Claro que sim! - Respondi não escondendo a minha alegria ao dizer. - No mesmo horário?
- Mais cedo, umas 22h00.
- Certo, estarei aqui.
- Vai para casa como?
- Daqui a pouco os ônibus começam a passar, aguardarei no ponto.
- Nada disso, querida, pedirei ao meu motorista para te levar para casa, é muito perigoso você ficar no ponto a essa hora.
- Eu... Agradeço muito. - Gaguejei.
Eu que não farei ** doce, essa carona vai me impedir de gastar com transporte.
- Disponha minha linda, pedirei ao Júlio para te buscar amanhã e depois, aí você não gasta seu dinheiro suado.
Meu Deus! Parece que a criatura escutou meus pensamentos.
- Transporte está caro e só faz crescer ano após ano.
A quem quero enganar?
Fiquei imensamente feliz por isso! R$ 4,40 é dinheiro e a carona me poupará R$ 21,00 reais nesses três dias, eu não seria tola em dizer não.