Traição

1519 Words
Capítulo- V. Traição " Quase entrei num beco sem saída Mas depois da despedida Volto ao ponto de partida Pra encontrar o amor..." ( Combustível- Ana Carolina) Annália Há coisas que são combustível — acionam gatilhos e nos tornam sensíveis. Talvez eu fosse o castigo dele. Acho que sou uma fanática suicida. Entrei num beco sem saída, sem despedida, e me vejo sempre no ponto de partida. Afinal, daqui nunca saí. Às vezes, ele me olha como se eu estivesse com algo dele — e estou: os bebês. Mas eles também são meus. Sem que Filippo percebesse, levantei-me e segui, nas pontas dos pés, até a cama dele. Parei bem próxima, com o coração batendo mais do que um tambor. Coloquei o cabelo atrás da orelha, fechei os olhos e me inclinei sobre ele. Queria sentir seu cheiro, ficar perto, apenas... sentir. Aspirei devagar, bem devagar, o cheiro gostoso dele. Sua respiração era leve, tranquila, e a expressão também. Estiquei minha mão, espalmando-a no ar, e percorri seu rosto por cima. Na realidade, toquei o ar — cerca de cinco centímetros de distância da sua pele. Fui descendo até parar no meio das pernas do homem. Olhei o shorts largo e as coxas finas. Algo surgiu em minha mente. Vagorosamente, introduzi os dedos na a******a da perna do shorts e fui levantando, bem devagar. Muito curiosa. Muito mesmo. Até que, de repente, a mão dele criou vida e segurou a minha. Fiquei com os olhos enormes. — O que pensa que está fazendo? — indagou, sem desviar o olhar. — Nada… eu só... — Aqui não tem nada para você, menina. Vá dormir, recuperar-se e não fazer m*l à saúde dos meus filhos. Engoli em seco. Irritada, me soltei do seu aperto. — Não vejo a hora disso acontecer. Não vejo a hora de eles nascerem para que eu não te veja nunca mais! — Chega de ficar calada. — Não é bem isso que vejo em você. Estava querendo olhar o que não deve. — Grandes coisas você tem! — soltei, raivosa, sentando-me na cama e arrumando o travesseiro. — Grandes coisas, sim, mas não são para os seus olhos nem mãos. — Você não é o único a ter p*u no mundo. Então, coloque os pés no chão, porque está flutuando, seu intojado! — Eu estava fervendo, e minha boca falava por mim. — Gosta da sua língua? Então controle-a, ou ficará sem. Ele me ameaçou. Coloquei as mãos sobre a boca, deitei e fiquei olhando os capacetes na estante. — Estava fingindo que estava dormindo? — Olhos fechados não significam que estamos dormindo. Aprenda isso. — Então... — Eu vi tudo. Senti você perto. Temos cheiros únicos que nossos sistemas sensoriais armazenam — e eu sei o seu. — Mas como, se nós m*l interagimos? — O pouco que estive com você foi o suficiente para guardar seu cheiro. — Ãh... — E esses capacetes? Têm história? — Alguns. — São tantos... falta algum? — Por que o interesse? — Estou sem sono, e conversar me ajuda a relaxar… me ajuda a pegar no sono. Conta pra mim. — Não. Quer falar sem parar, fale. Mas não conte comigo para bater papo. — Nossa, que grosseiro! Ouvi um riso baixo. Meu coração disparou. Era a primeira vez que ouvia algo assim vindo dele — e que fosse comigo. — Quando a Malva volta? Detesto ficar sozinha nessa casa com aquele seu irmão de dar arrepios. — Não sei. É lua de mel. Isso pode levar alguns meses... dois, três… nunca se sabe. — Eu iria querer uma ilha deserta. Sol, mar e paz. Tudo de bom. — Alguém pensaria que você está fugindo. — Talvez estivesse. Eu sou do tipo fanática, suicida, refém e bandida quando amo demais. — Bandida é. — Ele riu. — Qual a graça? — Você não mata nem uma barata. — Não mato mesmo. Já viu o que sai de dentro dela? É nojento. — Fanática… como você descreveria isso? Pensei em todas as alternativas. — Daquelas que se machuca, mas isso não a impede de continuar sentindo, porque, enquanto se tem vida, pode-se tentar alcançar o que se deseja. — Hum... — Sabe de uma coisa? Você é estranho. Bem estranho. Mas estou gostando de conversar contigo. — Sou estranho? Como assim? — Tem uma dualidade que te mescla. Ele se calou por algum tempo. — Silêncio, por favor. Preciso dormir. Dessa vez, foi a minha vez de emudecer e ficar quieta. Compartilhar o mesmo espaço que ele parecia, à primeira vista, um presente dos deuses. Mas não era. A presença elegante, silenciosa do siciliano fazia uma onda de mistério cobrir cada centímetro das paredes do cômodo, como se cada prego, cada pedra, fosse forjado nas sombras e repleto de segredos. Ele é uma criatura sombria. Seus olhos não negam. — É errado amar alguém que é errado? — pensei alto demais. — É burrice. Quem é inteligente fica longe de problemas. Querer alguém errado é não ter um amor cheio de paz, mas turbulento. Filippo respondeu, e eu analisei sua fala. — Tem pessoas erradas que valem a pena. Seu olhar não durou mais que três segundos. Mas... ele me observava. De longe. Era como se me analisasse — não com um olhar apaixonado, mas com a curiosidade cautelosa de quem observa um objeto frágil prestes a se quebrar. — Cristal não serve para receber lodo. — O cristal faz o verde do lodo ficar mais bonito. — Mas não diminui o mau cheiro. — Certas flores não têm cheiro. — Outras cheiram a cadáver. — Sei de que planta está falando. É a Rafflesia arnoldii. O silêncio reinou, e eu bocejei. Era o momento de dormir. — Boa noite, pai dos bebês. Ele não respondeu. Dei de ombros. Arrumei uma posição gostosa e apaguei. Para uma primeira noite, não estava nada m*l. Até que, na segunda noite, fui despertada por um som abafado. Despertei, e estava sozinha no quarto. Que horas eram, eu não sabia. Levantei-me com cuidado, os pés descalços tocando o chão gelado. Caminhei até a porta e depois saí no corredor — e foi ali que escutei. Vozes sussurradas atrás da porta do quarto do homem que causa arrepios em minha alma. Aquela porta que nem os empregados ousavam tocar. Nero colocava medo em todos, não apenas em mim. Fiz o sinal da cruz. Encostei o ouvido na madeira e comecei a acompanhar a conversa. Vai saber se sou eu o teor do assunto. — Ele falou demais — a voz de Filippo era gélida, quase entorpecida. — Não tolero traição. — O que você quer que eu faça? — questionou outra voz masculina. Não era Nero. Era outro. — Faça o que sempre fazemos — Filippo respondeu. — Mas sem sujeira. Nós, os Falzones, mantemos tudo limpo. Senti meu estômago se revirar. Era como se estivesse escutando uma língua proibida. Palavras que não deveriam ser pronunciadas fora do inferno. Afastei o ouvido da madeira com o corpo trêmulo e o coração batendo forte. Retornei ao quarto em silêncio, nas pontas dos pés. Deitei-me, mas o sono não veio. Na manhã seguinte, fingi estar dormindo enquanto ele andava pelo quarto. Ouvi o zíper — talvez de uma jaqueta — e depois o som metálico de uma arma sendo colocada no coldre sob a camisa. Sim. Era uma arma. Eu sabia dela. Toquei-a em uma das vezes em que estive aqui no quarto, escondida de todos. Fingi não perceber. Porque era mais fácil continuar amando o homem dos meus sonhos do que confrontar o monstro da realidade. Mas isso era apenas o começo. Dois dias depois, durante o café da manhã, o telefone dele tocou. Ele se levantou, saiu do quarto e deixou o aparelho sobre a mesa por um instante. Eu não ia olhar. Prometi a mim mesma que não olharia. Mas... a tela se acendeu, e uma mensagem apareceu: > “O corpo já foi descartado. Não deixamos rastro.” O chão pareceu se abrir sob meus pés. Corpo? Descartado? Rastro? Uma parte de mim queria acreditar que era uma brincadeira. Que poderia ser qualquer coisa. Um código. Um m*l-entendido. Mas outra parte — a que crescia em silêncio desde a primeira vez que percebi o seu jeito sempre alerta e os traços sádicos em sua personalidade — já sabia. Filippo é alguém r**m. Um homem que faz atrocidades. Filippo não era apenas distante. Nem só frio. Filippo era perigoso. Após aquele dia, comecei a notar mais. Pequenos detalhes que antes eu romantizava... agora me aterrorizavam. A forma como ele dava ordens aos seguranças. O jeito que seus olhos escureciam ao ouvir uma pergunta i****a. O fato de nunca, jamais, carregar culpa no rosto. Nem dúvida. Nem hesitação. Filippo matava. Talvez não com as próprias mãos — ou talvez sim. Mas ele mandava matar. Decidia quem vivia e quem morria. Com a mesma serenidade com que escolhia o vinho para o jantar. Foi quando me dei conta de que estava apaixonada por um assassino. Por um homem r**m. “Deus, estou perdida!” ---
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD