A novela perfeita

2423 Words
O dia que mudou tudo: Melissa passou dezoito anos na ignorância sobre seu futuro, era apaixonada por literatura e sua mãe sempre a incentivava que deveria estudar e deixar o país o mais rápido possível, seu pai nunca dizia nada sobre as ideias que Yula dizia a filha, quando a mulher se empolgava demais, ele apenas lhe dava um olhar de repreensão. Achava que os pais se amavam, mesmo o pai sempre tratando sua mãe com desinteresse e distância, nunca havia ouvido nenhuma briga, nem ao menos uma conversa mais exaltada, mas tudo mudou no sábado em que ela chegou em casa trazendo um rapaz para apresentar aos pais, Pedro não conseguiu disfarçar sua irritação quando questionou: — Quem é você, meu jovem? — Sou Guilherme George, senhor. É um prazer conhecê-lo... — É claro que é. Melissa, vá procurar sua mãe. — Pai! Eu... — Faça o que eu disse Melissa. Melissa estava surpresa com a rispidez do pai, jamais havia ouvido ele usar aquele tom de voz, principalmente com ela, saiu atordoada da sala em direção a cozinha, onde geralmente a mãe passava a maioria de seu tempo. Assim que Pedro percebeu estar sozinho com Guilherme, foi claro: — Seja o que tiver em mente com minha filha, você não pode garoto. — O quê? — Estou dizendo que se encostar um dedo naquela garota, vou caçar você como um cachorro de rua... Que é mais até do que você é. — Quero me casar com Melissa. Pedro gargalhou, ficou de costas para o garoto por alguns instantes, por um instante viu no jovem Guilherme, ele mesmo quando aceitou aquele acordo com a Illyuziya, pegou a pistola do cinto da calça, virando se rapidamente para o garoto, apontou o cano da arma sob seu queixo, disse ameaçador: — Preste atenção, garoto. Direi o que você vai fazer. Eu vou contar até cinco, assim você terá a chance de correr para fora da minha casa, não pare, não olhe para trás ou você vai sofrer um acidente horrível... Guilherme estava assustado, os olhos de Pedro eram frios, parecia que aquele homem havia perdido, ou jamais havia tido uma alma. O garoto engoliu em seco, balbuciou a pergunta: — Por quê? — Um... Faça o que quiser garoto, mas se chegar perto da minha filha novamente... Eu vou fazer você morrer lentamente. Comece a correr fedelho... Dois. Guilherme deu alguns passos para o lado, correndo para o lado de fora desesperado, o garoto era da periferia da cidade estava acostumado com pessoas violentas, com pessoas loucas e com pessoas violentas e loucas, apenas correu o mais rápido que suas pernas conseguiram. Pedro andou calmamente até a porta, vendo o garoto correndo pelo jardim de sua casa, viu um de seus seguranças, um brutamontes de sangue latino chamar por Guilherme, estreitou os olhos, vendo o segurança correr para um dos carros. Para mostrar para ambos que sua ameaça era séria, deu um tiro para o alto fazendo Guilherme, tropeçar, logo depois, correndo ainda mais, o segurança acelerou com o carro, indo na direção do garoto, ajudando a fugir, um dos seguranças se aproximou de Pedro, questionando o que estava acontecendo, ele apenas o ignorou questionando: — Quem é o segurança que ajudou o garoto a fugir? — Aquele é Gabriel. Pedro ficou pensativo, descobriria a ligação dos dois garotos assim que possível, mas naquele momento ele tinha assuntos mais importantes a tratar, precisava que Melissa fosse entregue a seu marido, antes que seu acordo fosse estragado, por hormônios efervescentes. Ligaria para Vladimir, dizendo que viesse buscar sua esposa antes que a garota estragasse tudo. Após a morte de Alexei, Vladimir havia se tornado o chefe da Illyuziya e nunca lhe pareceu disposto ou entusiasmado em casar se com uma mulher tão jovem quanto Melissa, mas aquele problema não pertencia a Pedro, havia um acordo e uma jovem virgem que deveria ser entregue ao novo chefe da organização, para ele fazer o que desejasse com ela. Pedro desapareceu em seu escritório, ligando para o Nikov no poder na ocasião recebendo a resposta positiva do russo, que lhe informou: — Irei buscá-la essa semana. Ele desligou o telefone deparando se com Yula parada em sua frente no meio do escritório, os olhos azuis acinzentados, estavam cobertos por lagrimas, a mulher se aproximou apressada da mesa onde ele estava sentado, implorou: — Por favor, Pedro se algum dia algo já foi importante para você... Deixe Melissa ir embora, por favor. Pedro a encarava sério, seu rosto não demonstrava a vontade que sentia de fazer o que Yula pedia, após criar Melissa por todos aqueles anos, não desejava que a garota fosse obrigada a ter uma vida como a de sua esposa, suspirou resignado, lembrando se de como havia tratado Yula, sempre se arrependia e sentia se a mais desprezível das criaturas, talvez por esse motivo nunca conseguia interagir com ela, Pedro engoliu em seco, respondendo: — Vladimir virá buscá-la essa semana. Pedro levantou se de sua mesa, praticamente se arrastou até a porta de saída do escritório, tentou ignorar as lagrimas de Yula, a ouviu sussurrar: — Você é um monstro... Ele encostou a testa sobre a porta, respondeu baixo o suficiente para que ela não ouvisse: — Enfim concordamos com algo... **** **** Como o prometido, Vladimir estava na quinta-feira na casa de Pedro para fechar os negócios do casamento, mas Pedro não imaginava tudo o que aconteceria. Ao ouvir que a filha iria embora, Yula havia tirado a própria vida, em seu bilhete de despedida implorou para que Melissa fosse libertada do acordo. Pedro sentiu a pior dor que já havia experimentado em sua vida, estava impotente para desfazer aquele acordo, enquanto se balançava com o corpo sem vida da esposa no colo, havia decidido, Melissa jamais seria esposa de Vladimir. **** **** Logo depois do enterro da mãe, Melissa estava assinando seus papeis de casamento, com um marido de fachada, que protegeria os filhos que ela desse ao líder da Illyuziya de qualquer ameaça. Enquanto sua filha saia da casa com o novo marido e com Vladimir, que consumaria o casamento com a garota antes de partir para a Rússia, Pedro não pensou muito, sacou duas pistolas e as descarregou nas costas do líder da Illyuziya. Seu genro de fachada, foi muito rápido em seus instintos, revidando o ataque do sogro. Pedro estava morto antes mesmo de seu corpo tocar no chão, Melissa estava desesperada, e tudo havia se alterado. **** **** Passado mais de vinte anos daquele dia, Melissa estava dentro de uma suntuosa biblioteca, que causaria a inveja até mesmo em um rei. Lia um dos inúmeros exemplares de seu romance predileto, Romeu e Julieta, sorriu quando ao ler o ato quinto da cena três, a que se passava em um cemitério, repleto de túmulos dos Capuletos: “... PRÍNCIPE — Esta manhã nos trouxe paz sombria: esconde o sol, de pesadume, o rosto. Ide; falai dos fatos deste dia; serei clemente, ou rijo, a contragosto, que há de viver de todos na memória de Romeu e Julieta a triste história. (Saem.)” Sorriu fechando o livro em seu colo o abraçando contra o peito, recostou a cabeça contra o encosto da poltrona, voltou o olhar para a janela, mais uma vez ouvindo ecoar em sua cabeça: “... Romeu e Julieta a triste história... A triste história!” Uma ideia que a dias vinha rondando sua cabeça voltava novamente, mas daquela vez ela faria algo, levantou-se da poltrona colocando o volume de capa dura sobre uma mesa em frente a janela, olhou para o jardim florido, observou por alguns instantes os empregados ocupados cuidando de tudo, suspirou cansada. Odiava flores, odiava aquela casa, queria que tudo terminasse logo, nem sequer se deu ao trabalho de trancar a porta da biblioteca, tirou de dentro de uma das gavetas da mesa um celular de modelo muito antigo, escondido ali para quando decidisse que aquele momento havia chegado, o momento de libertar sua filha. Pegou o aparelho nas mãos, acionou o único número que havia salvado no aparelho, apertou a discagem rápida, aguardou pacientemente ouviu a voz de sua amiga. O rosto de traços tão delicados quanto de uma pintura, mantinha um sorriso amigável, que mais parecia estar esculpido em seu rosto, os olhos castanhos, escuros o suficiente para serem confundidos com n***o, possuíam a marca da tristeza e do desespero que os anos a fizeram viver, ouviu sem dar muita atenção: — Melissa? O que aconteceu? — Shiu! Está tudo bem... Lembra se do que lhe disse da última vez? — O plano sobre Romeu e Julieta? — A triste história ... Essa mesma, está na hora de finalizar essa história, minha amiga... Julieta precisa ser libertada. — Eu concordo! Falarei com Tatiana, você sabe que a dondoca tem uma mente fraca, farei com que exija que Romeu execute o plano de Guilherme nos próximos dias, com sorte não conseguiremos só a liberdade de Julieta como também a sua. Melissa sorri, soltando um suspiro de desalento, não tinha mais aquela esperança há muito tempo, ser livre de sua prisão de luxo, respondeu com sua amabilidade habitual: — Sim, talvez no fim tenhamos duas cotovias livres... Inicie o final de nossa obra-prima por favor, eu espero o próximo movimento. — Prometo que não irá demorar, minha querida. — Obrigada, Carlinda. Preciso ir. Ela desligou o aparelho, recolocando em seu esconderijo de sempre, fechou a gaveta delicadamente, segurando o volume de capa dura com a ilustração de um belo e jovem casal na capa, o levou até uma das numerosas estantes, pegou um livro novo que havia chegado a algumas semanas, nem sequer leu o título, passou os dedos por sua capa cor de rosa, abriu suas páginas cheirando as com prazer, Melissa nem sequer se lembrava como era sua vida sem os livros, aquele era seu refúgio, era o único lugar onde estava livre e que podia se imaginar sendo um pouco feliz, naquelas páginas e vidas que apenas existiam em livros, sentou se novamente na poltrona, teria ainda mais algumas horas de paz antes de seu marido retornar para a casa. Muito distante dali, Carlinda, ou melhor, Linda, como todos chamavam a ‘socialite’ esposa do conhecido doutor George, um dos nomes mais respeitados no meio judiciário. A mulher de meia-idade, bela demais para não ser admirada, olhava para o celular em sua mão, colocou um copo sobre a mesa de vidro do bar, encheu novamente o copo com a sua bebida predileta, um uísque caro demais para ser bebido socialmente, segundo Guilherme George. Ela tomou de um único gole sentindo o sabor forte descer por sua garganta. Ela tinha uma missão, precisava convencer Tatiana que Romeu estava há muito tempo casado com Julieta, pensou um pouco, criar uma dúvida na cabeça da jovem não seria difícil, embora Tatiana fosse muito bonita, Julieta era mais nova e muito mais interessante do que ela já foi em seus melhores dias, e a maneira que Romeu simplesmente a esquecia por semanas ajudaria a dar veracidade aos seus argumentos. Largou o copo sobre a mesa de vidro, desceu rapidamente, andando elegante quase como uma rainha, foi até o primeiro andar da casa onde encontrou Tatiana sozinha, assistindo algo no celular, Linda se aproximou dela questionando amável: — O que está fazendo minha norinha? — Estava apenas matando o tempo. — Oh, minha querida! Onde estão os meninos? — Estão cada um em seus quartos, acho que estão jogando ou conversando com os amigos, parece ser tudo que meninos da idade deles fazem... — A adolescência... Eles ficam insuportáveis nessa fase, não é? E ainda mais com um pai ausente como meu filho... — Não sogra, seu filho sempre foi um pai muito presente para os meninos. É um ótimo marido... — Sim, no passado isso foi verdade... Não me entenda m*l, mas depois que ele casou com essa nova moça, parece que ele está meio que evitando você e os meninos. — A senhora acha? — Tatiana, minha querida. Quando que Romeu deixaria você sozinha em casa em uma sexta-feira à noite? Ele nunca fez isso mesmo quando era recém-casado, com nenhuma das outras. Lembra quando aquela ... Eu não lembro se era a segunda ou terceira ex-mulher, lembra aquela gordinha que acabou engravidando? — Claro que lembro, era Elisa. — Como esquecer ela engravidou de Romeu logo depois da lua de mel, nem mesmo quando ela perdeu o bebê e ficou no hospital por vários dias... Meu filho deixou de ver você. O rosto de Tatiana começou a assumir um tom rosa, estava ficando nervosa, seus grandes olhos verdes deixavam claro que estava preocupada, levou a mão direita a boca começou a roer a unha do dedo indicador, não podia se dar ao luxo de perder Romeu para uma daquelas mulheres que ele se casava para arruiná-las, ele sempre lhe dizia ser apenas negócio, a expressão preocupada de Linda lhe tirou de seus pensamentos, Tatiana sorriu, ouvindo a sogra dizendo: — Deixei você preocupada, não foi, minha querida? Me desculpe, não foi minha intenção, apenas acho que está se arriscando muito. — Por que diz isso, sogra? — Querida... Sei que você é muito bonita, mas por acaso você conhece a nova esposa? Julieta Castro é linda, tem um corpo de dar inveja e sem falar que é quase dez anos mais nova que você. — Romeu não me disse que ela era jovem assim... — Sim, querida. E outra situação que me preocupa é que nenhum dos casamentos durou tanto tempo assim, vai fazer quanto tempo? — Cinco anos... É verdade ele nunca passou mais de três anos com nenhuma delas... Preciso falar com Romeu. Está mais que na hora desse casamento terminar... — Será que Romeu aceita? Ele é tão cabeça dura às vezes... A expressão no rosto de Tatiana parecia furiosa, ela se levantou exasperada jogando o longo cabelo platinado para trás das costas, constatando: — Se ele negar, terá de explicar a meu pai o porquê eu o estou deixando. Antes que Linda pudesse dizer mais algo Tatiana havia saído da sala, estava furiosa certa de que Romeu tinha interesse na esposa de fachada. Linda balançou a cabeça negativamente, rindo de como havia sido fácil plantar a insegurança na cabeça de sua nora, sabia exatamente qual seria o passo que ela tomaria agora, ligaria para seu meio-irmão, e se aconselharia com ele, Linda sabia que o ardiloso russo diria a Tatiana o mesmo que ela. O plano de Melissa sairia perfeito.
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