CAPÍTULO 09

2978 Words
|BREEZE WILLS| -AGORA- No dia seguinte, as homenagens para Emery Tisdale reuniu o colégio inteiro na quadra de esportes. Desde alunos e professores até faxineiros, inspetores e, em especial, a família da garota. Apesar de não ter sido apresentada a nenhum dos professores do corpo docente do colégio, ao ser fuzilada pelos olhares de um grupo reunido na quadra e vê-los acenar para mim, faz com que eu tenha certeza que eles sabem muito bem quem sou eu. Dou passos tímidos até o grupo de professores acomodados nos bancos da arquibancada e me sento entre Corline e outro professor com roupa esportiva. — Tem alguém sentado aqui? — pergunto, mas ela parece querer ignorar minha presença e quem responde com um balançar de cabeça é o professor ao lado. Eu não a culpo, porque Corline nunca foi minha amiga, mas também foi uma das únicas pessoas que entendeu o que passei, apesar de na mesma época em que tudo aconteceu, ela gostar de Seth, nunca houve uma rivalidade feminina da parte dela, mesmo eu sendo uma grande i*****l. É difícil assumir que as únicas pessoas que eu conheço neste colégio, são as duas que eu mais machuquei nesta cidade. Tentar uma aproximação com Corline agora, parece patético demais, quando não houve um pedido de desculpas da minha parte por tudo o que causei. — Não precisa fingir que não me conhece — digo, soltando um leve riso e Corline se vira, dando um sorriso mínimo. — Achei que não me lembrava mais de você, mas parece que você deixou sua marca — Corline comenta, voltando sua atenção para a estrutura montada no centro da quadra. — É o que parece. Encolho os ombros e encaro minhas próprias mãos. — Fica tranquila, o Seth vai te odiar só nas primeiras horas — Corline comenta. Ergo a sobrancelha, porque a forma que ela diz, me parece que ensaiou essa frase e estava só esperando a oportunidade para falar. — Olha, eu e o Seth não temos a menor possibilidade de voltarmos. Você pode... Meu Deus, eu não voltei por causa dele, fica tranquila. Nós nunca tivemos que lidar com competição. Você entendeu tudo errado — deixo claro e ela ri. — Eu e ele também não tivemos nada depois que você foi embora. Breeze, já se passaram treze anos — Corline balança a cabeça com um sorriso divertido no rosto. — Somos pessoas diferentes agora. Você deveria saber disso. Encolho os ombros aliviada. — É bom saber que você não me odeia — suspiro. Corline me olha balançando a cabeça. — Como você veio parar aqui? — ela pergunta. — Carma, só pode ser. — De repente, parece que tudo voltou para o lugar em que deveria estar — Corline comenta. — O que quer dizer com isso? — pergunto. — Eu era a orientadora do Willou Glen High School. No momento em que Corline diz isso, arqueio a sobrancelha. — O Prefeito pediu para investigarem o caso, me demitiu do cargo e colocou uma Psicóloga Criminal no lugar, e olhe só quem está aqui, você — Corline explica, antes mesmo que eu tire qualquer conclusão. — Hoje é meu último dia aqui. — Eu sinto muito — digo frustrada. — Você não tinha como saber. Ninguém tinha — Corline me tranquiliza com um sorriso cabisbaixo. — Vão precisar de outra orientadora quando você for embora e aqui em Willou Glen e Willou Town só existe eu. Neste tempo, eu posso pensar em outras coisas. — Eu vou embora o mais rápido que puder. Só querem que eu confirme a causa da morte. Não era necessário que eu viesse — garanto. — Breeze — Corline toca minha mão —, tudo bem. — ela me tranquiliza mais uma vez. — Tenho um consultório para atender outros pacientes em casa. Não foi sua culpa — ela garante mais uma vez e eu assinto. A última coisa que quero me tornar na p***a dessa cidade de novo, é a Breeze Wills de antes, que tinha privilégios e que fazia outras pessoas perderem. Ver isso acontecer com Corline, faz com que eu me sinta mais m*l ainda por estar aqui. Não quero ser mais a pessoa que tira as coisas dos outros apenas por ter um título. Se James tivesse dito que para eu estar aqui, outra pessoa perderia o emprego, eu teria o confrontado a não inventar essa história apenas para agradar um Prefeito ou convencer a mídia. — No fim, todos nós não passamos de peças num jogo de mentiras — divago, encarando a estrutura montada para as homenagens. Encontro Seth conversando com o Prefeito, pai de Emery e o restante dos familiares, convidados para as homenagens, sentados na primeira fileira de bancos. Mas não é só na família que reparo. A última vez que vi Seth, foi há treze anos. Muita coisa mudou nele. Eu estaria mentindo se dissesse que ele não está em sua forma mais atraente. Seth tem por volta de 1,80 de altura, a curva de seu maxilar carrega a marca da barba recém tirada e seus cabelos loiros escuros estão jogados para trás, sustentados por uma camada de gel. Ao se virar ao lado do Prefeito para me apontar, vejo o tecido de sua camisa azul-bebê se agarrar aos músculos de seu corpo bem malhado e em forma. Ao ser flagrada analisando seu estado atual, desvio o olhar assim que nossos olhares se encontram, e os olhos azuis dele, frios como um cubo de gelo, se estreitam para me olhar com total insatisfação. Como se por uma fração de segundos, ele já tivesse se esquecido de mim aqui. Duvido muito que ele e Corline não tenham tido nem que seja um caso escondido trabalhando juntos aqui no colégio. Ela ficou muito mais bonita do que já era quando éramos adolescentes. Se nessa época ele já achava tudo o que ela fazia e falava incrível, quem dirá agora, que os dois são adultos, maduros e formariam um belo casal de “certinhos”. Imaginar isso me deixa com raiva. É óbvio que ela não vai assumir, mesmo que não seja novidade alguma para mim. Eu já tive a minha chance com Seth e decidi jogar tudo no lixo. Aposto que ela seria uma ótima madrasta, esposa, amante, amiga… — Vocês seriam ótimos juntos — verbalizo meus pensamentos. Corline arqueia a sobrancelha. — Breeze, eu e Seth, somos só amigos. Resolvemos tudo o que tínhamos para resolver muito antes de você partir. — Olho para ela duvidando. — Depois que você foi embora, a vida continuou. Seth não é mais o garoto que tinha tempo para se apaixonar e se tivesse, todos nós sabemos que você é o amor da vida dele. — Balanço a cabeça, discordando dela. — Já se passaram treze anos — comento enquanto nós duas encaramos ele de onde estamos. Seth está completamente diferente daquilo que eu julgava conhecer. Ele não tem mais os olhos de um rapaz bondoso e gentil, como era quando eu o conheci. Sei que seria quase impossível reencontrá-lo exatamente como era antes, porque nem mesmo eu posso dizer que continuo igual. Não foram treze dias, nem treze meses, foram anos de reconstrução. Eu só não esperava encontrar olhos de gelo e uma muralha impenetrável. É inegável dizer que não tenho grande parcela de culpa por ele ter se transformado em alguém totalmente diferente do que era, por necessidade e responsabilidades de uma vida que eu arruinei. Demoro um tempo para me desvencilhar desses pensamentos e me viro para um dos professores sentado ao meu lado, completamente agitado e falante. — Você vai dar palestras sobre suicídio? — ele puxa assunto, como se já estivéssemos há um bom tempo conversando. — Jen, prazer. Sou professor extracurricular de educação física. Disso eu já sabia. Tinha reparado nas roupas esportivas dele. — Não é exatamente o tipo de trabalho que eu faço — respondo não podendo entrar em tantos detalhes, afinal, apenas Seth e o Prefeito sabem sobre eu ser do FBI. Para os outros, eu sou apenas a psicóloga educacional, trazida para o programa de acompanhamento de prevenção ao suicídio. — Então que tipo de trabalho você faz? — Jen me questiona. — Você já conheceu o colégio? — Ele muda o assunto, pouco interessado. — O diretor Donson te mostrou sua sala? Se quiser, posso te levar para um tour. Sabe, não é que eu não gostasse da garota que morreu, mas isso tudo é mais para mostrar para família do Prefeito que o colégio se importa. Acredita que ela foi encontrada no banheiro pela filha do diretor? Meio bizarro. — Respiro fundo, piscando três vezes seguidas. — Esses suplementos energéticos que você bebe andam afetando sua percepção de realismo, Jen. — Corline solta um leve riso ao meu lado, ouvindo o que Jen acabara de concluir. — Tipo, a garota popular morre e quem a encontra é a rejeitada — Jen continua sua suposição. Eu e Corline nos entreolhamos. Sei exatamente o que passou pela cabeça dela. Um déjà-vu. O mesmo que invade minha mente no instante em que me dou conta de que já passamos exatamente pela mesma cena no terceiro ano, a única diferença é que eu ainda estou aqui. E talvez, se Corline não tivesse contado para Seth que eu estava grávida, a vida dele estivesse bem melhor agora, sem mim. Levanto-me num súbito em busca de ar fresco para respirar. Não adianta, quando penso nas incontáveis escolhas que eu poderia ter feito, todas elas parecem ser melhores para o final que escolhi para mim e Seth. E todas elas levam a uma realidade em que eu não estou aqui. Começo a hiperventilar olhando para a estrutura montada no centro da quadra, com algumas homenagens para a filha do Prefeito. Emery Tisdale, a popular do colégio, encontrada morta no banheiro feminino no horário de aula. Não posso negar que esse caso mexe comigo. A única diferença entre mim e Emery, é que ela não vai precisar assistir ao próprio funeral. O que vem depois disso? Todos vão seguir sem ela? Emery se tornará apenas uma lembrança trágica? Exatamente o que eu virei em Willou Glen? — Se for te ajudar, não é só você que não queria estar aqui. — Ergo a cabeça com as duas mãos apoiadas nos joelhos como se tivesse corrido uma maratona há poucos minutos, mas é bem mais cansativo quando a crise de ansiedade me sufoca até o último. — Não fomos apresentadas ontem à noite direito. Sou a Dess. — Engulo em seco e encaro por alguns minutos, a mão da garota estendida para mim. — Sou Breeze. Breeze Wills. — Seguro a mão dela, como se estivesse pegando em uma boia em meio ao alto mar. — Não deixe os alunos ficarem sabendo que durante a noite você bebe até chapar e durante o dia você tem um pouco de desequilíbrio mental — Dess cutuca meu ombro, lançando-me uma piscadela e eu solto um leve riso. Hoje, a parte frontal azul de seu cabelo está toda penteada para trás num r**o de cavalo, ela não está maquiada como ontem na boate, deixando as pequenas sardas em seu rosto, aparentes. — Devo me preocupar em você facilitar o vazamento das informações para eles? — brinco. — Tem que se preocupar com meu pai, não comigo — Dess avisa, dando de ombros. — Já conheceu ele? Mais do que deveria, penso, mas guardo esses pensamentos para mim. — Você vai ser uma nova professora aqui? — A garota puxa assunto, guardando as mãos no bolso do moletom cinza com o símbolo de uma mariposa preta na frente e o sobrenome Styles escrito, o que deduzo ser algum cantor famoso que já devo ter ouvido falar. — Vou ser Psicóloga Educacional, só por um tempo — respondo. Parando no portão da quadra ao lado de Dess, consigo ver Seth e Corline conversando enquanto os alunos enchem as arquibancadas. Vejo também o professor Jen, sacudindo seu copo de 500ml próximo ao bebedouro, certamente agitando a mistura de água com suplemento energético dentro. — Deixa eu adivinhar, você já estudou aqui e odeia esse colégio? Ou você já odeia o professor Jen? — Dess olha na mesma direção que eu, encontrando pelo caminho o professor alto e musculoso se deliciando com seu suplemento. Odiar o professor de educação física é uma palavra muito forte, mas explicar para Dess que, na verdade, é o pai dela quem está na minha mira, nos fará trocar palavras demais e contar de onde conheço Seth no está nos meus planos, ainda mais estando ao alcance da vista dele. — Acho melhor ir encontrar sua turma — finalizo o assunto assim que os olhos de Seth nos encontram e ele começa a se aproximar. — Lá vem o indestrutível diretor Donson — Dess revira os olhos se preparando para sair dali, mas Seth chega primeiro. — Por favor, não quero ninguém no portão da quadra. Senhorita Wills, preciso falar com você na minha sala depois e você — Seth faz uma pausa e lança um olhar duro para Dess. — Comigo — ordena e dá as costas, fazendo Dess acompanhá-lo. Penso em continuar ali só para testar a autoridade de Seth, mas me direciono até o lugar onde estava sentada. Não posso esquecer do real motivo de estar aqui. Tenho uma equação para criar a partir deste ponto das homenagens e precisarei encontrar uma forma de resolver para ir embora quanto antes. Se para isso acontecer, a única saída for aguentar o professor Jen listar todas as proteínas do seu suplemento de sabor chocolate, eu aguentarei. Tento ser otimista com a presença dele ao meu lado. Jen conhece bem os alunos e sua fala bem descritiva pode me ajudar melhor a saber quem faz parte da turma do primeiro ano B. Quando as homenagens começam, ouço com atenção as falas de todos os alunos selecionados por Seth para dar uma palavra sobre Emery em conforto à família Tisdale. A maioria segurando pedaços de papéis para não esquecer o que vão dizer. Como se falar frases genéricas, fosse algo que precisasse de um ensaio e eles tivessem sido pegos de surpresa. No fim, são só falas repetidas, ditas em variações de palavras por trás de um semblante nem tão abalado assim. Nunca gostei muito de funerais. Fazer um “evento” para ver alguém pela última vez e dizer coisas que nunca tivemos coragem de dizer a ela quando estava viva, me parece meio hipócrita. Talvez eu pense isso por nunca ter ido a um funeral de alguém que eu realmente sentiria falta. Foram poucos o que fui até hoje. Mas de familiares próximos devo ter ido quando muito criança, porque não me lembro desse sentimento de despedida. O aluno que mais me choca é um branquelo de maxilar quadrado e cabelos loiros. Antes de subir, ele tenta controlar o riso e quando sobe, testa o microfone antes de falar. — Foi trágico o que aconteceu com a Emery — ele faz uma pausa e olha seu pedaço de papel para ler o que mais deve falar. — Mas, quando eu deito na minha cama, antes de dormir, prefiro imaginar ela sorrindo. Emery era alguém muito sorridente. Era a garota mais bonita do colégio para mim — O garoto faz mais uma pausa, morde o lábio, olha para os lados e continua — Ela está em um lugar melhor e... Eu espero que a família sinta-se abraçada pela Willou Glen High School. Ele desce e alguns alunos gritam o nome dele, como se ele ter falado aquelas palavras tivesse sido uma conquista. É bem óbvio que aquela fala foi escrita por algum professor. — Esse é o Ashland. Dylan Ashland. Se tirar o olho dele, você pode ser acertada no segundo seguinte por uma bolinha de papel — Jen comenta comigo. — Ashland — divago. — Conheço bem esse sobrenome. — Obrigado Ashland, vamos ouvir agora o discurso feito pela Dess Donson — Seth chama a filha que sobe no palco e caminha até o microfone, com uma folha nas mãos. Abro meu bloco de notas. Dess Donson, escrevo. — Eu queria ser como Emery Tisdale, porque ela parecia se encaixar em qualquer lugar, desde o grupo de estudos ao grupo de teatro. Ela envolvia a todos onde estava. Se não tínhamos um assunto, falávamos sobre Emery. Você ouvia falar dela pelos corredores, ouvia sobre ela no grupo de estudos, na biblioteca, na boca dos garotos, das garotas... Ainda estamos falando de Emery Tisdale, porque ela era o que toda garota quer ser: aceita. Emery fazia o que queria, se vestia como queria e falava o que bem entendia. Nós falávamos coisas sobre ela que nunca foram ditas ou confirmadas, e quando ela gritou tentando dar um sinal de que estava desmoronando, fechamos os olhos — Vejo do outro lado da quadra Seth contrair a mandíbula, mas Dess está disposta a ir até o final por mais que o prefeito já esteja em pé, exigindo que Seth faça algo para contê-la. — E sim, estou completamente triste por isso ter acontecido, mas o que me deixa mais triste, é saber que o tipo de garota que eu queria ser, talvez só fosse o tipo de garota que criamos. Alguém que nunca existiu. Dess soluça e sai correndo. Começam alguns murmúrios pela quadra de pessoas boquiabertas e Seth vai atrás dela na mesma hora, mandando Corline prosseguir com as homenagens. Ela está completamente certa no que acabara de dizer. Só não sei o que registrar em meu bloco de notas na frente do seu nome. Volto para minha sala. Achei que todos conheciam Emery, mas só Dess chegou perto daquilo que eu esperava ouvir. Isso me faz deduzir que só Dess Donson sabia quem era Emery Tisdale de verdade.
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