|BREEZE WILLS|
- AGORA -
Quebro o contato visual e, ainda desconcertada pela surpresa em vê-lo, não demoro a deduzir que Seth é o diretor do colégio, o qual eu deveria procurar. O que ele ainda parece não ter entendido, é por que estou aqui, já que, ele está no lugar onde deveria estar, mas espera que eu não.
— Bom dia, eu... sou a... — Faço uma pausa, porque a fala que eu ensaiei para me apresentar não é adequada para usar com Seth.
Obviamente, ele sabe meu nome e sobrenome.
— Sou a Psicóloga Criminal — pulo toda a apresentação e vou direto ao esclarecimento, para desfazer o arquear das sobrancelhas dele.
E como se o último fio de autocontrole de Seth tivesse se quebrado com a minha revelação, ele me puxa para dentro de sua sala e me encurrala contra a parede, cercando-me com seus braços ao lado do meu corpo.
— Seth, por favor — pressiono as mãos contra seu peito, o impedindo de se aproximar.
— Eu não entendo — ele balança a cabeça e sem se dar conta, sua cabeça tomba para frente e repousa em meu ombro.
Há silêncio por um tempo e o que deveria ser uma afronta da parte dele, se torna um abraço silencioso.
Pigarreio e me desvencilho de seus braços, esperando-o se recompor.
— Eu juro que não queria estar aqui, mas não tive escolha — me explico e tenho quase a certeza de ter escutado o que restou de seu coração se quebrar diante da minha fala.
Vejo que as feições de Seth se endurecerem novamente e suas sobrancelhas se arqueiam. Ele me fuzila com todo o ódio que gerou nesses anos, mas quando vai dizer tudo o que precisa, batem à porta e nós dois, num súbito, nos afastamos.
Seth vai parar atrás da sua mesa tão rápido quanto eu chego até a cadeira em frente a ele, como se sermos pegos tão perto um do outro, fosse um crime que nós mesmos inventamos. A porta se abre revelando uma mulher loira de olhos cor âmbar.
— Já terminamos de arrumar a quadra, você quer dar uma olhada antes que eu dispense o pessoal da montagem? — ela pergunta e Seth pigarreia, balançando a cabeça.
— Não Corline, vou mostrar a senhorita Wills o colégio antes das homenagens — Seth responde e me viro no mesmo instante para Corline parada à porta.
Sempre achei que ninguém lembrasse mais de mim, mas dá para ver na expressão de Corline que isso não é verdade, porque em todos esses anos, desde que desapareci, parece que todos achavam que eu realmente tinha morrido. Agora aqui estou eu, me deparando com todos eles de esquina em esquina, como uma miss que todos odeiam.
Achava que teria controle da situação se levasse tudo sendo o mais profissional possível. Mas caminhar pelos corredores do colégio e não me sentir invadida pelas lembranças de quando estudei aqui, é quase impossível. Dar de cara com Seth na direção do colégio e encarar os olhos de pena de Corline, é apelação.
Seth quebra o meu contato visual com Corline com uma tosse forçada.
— Acompanhe-me, senhorita Wills — ele me chama para fora da sala e Corline dá passagem para que nós dois passemos por ela.
Há silêncio enquanto caminho ao lado dele pelo corredor. Ainda não sei exatamente o que Seth tem para me mostrar quando já conheço cada centímetro desse lugar.
— Não deixamos mais nenhum aluno no pátio quando professores faltam. Nossa equipe de profissionais agora tem o professor Jen, ele dá aulas extracurriculares de educação física — Seth explica, subindo as escadas até as salas.
Apenas balanço a cabeça.
— Temos o grupo de estudos agora — ele abre a porta da sala de leitura, fazendo com que os alunos, reunidos ao redor de uma mesa, se voltem para nós. — Deem bom dia à senhorita Wills, ela será a nova Psicóloga Educacional do colégio — Seth me apresenta e os alunos saúdam-me com um: “Seja bem-vinda, senhorita Wills”, quase que roboticamente.
Me distraio observando os livros nas mesmas prateleiras, em busca da bibliotecária, a senhora Green, mas é nítido que ela foi substituída por um aparelho com entrada para cartão do aluno + código do livro.
Psicóloga Educacional.
Claro que eles não iriam revelar aos alunos que eu faço parte da Divisão de Homicídios do FBI, e Psicóloga Educacional, é a desculpa perfeita para esse momento.
— As salas não mudaram de lugar, então... — Seth faz uma pausa enquanto o alcanço. — Uma sala foi reservada para você ao lado da minha, lá tem um computador com registros dos alunos no sistema. — Ele faz uma pausa para que eu diga alguma coisa e desvia o olhar quando percebe que passamos mais de um minuto nos encarando.
Só agora consigo perceber que ele me repudia tanto, que nem consegue olhar na minha cara.
— Muito obrigada, diretor Donson. Será um prazer trabalhar com a sua equipe de professores — respondo e ele estende uma chave para mim, ali mesmo, no meio do corredor e se vira, me deixando ali. — Ela era de qual sala? — pergunto, fazendo com que ele se vire novamente para mim.
Seth está querendo fugir, conheço bem esse tipo de comportamento. Está desesperado para construir entre nós dois a maior distância que conseguir. Mas não estou fazendo de propósito. Quanto mais informações tirar de Seth agora, mais tempo ficarei sem falar com ele.
— Emery Tisdale era do primeiro ano B — ele responde e guarda as mãos no bolso da calça social azul-marinho.
— Onde ela foi encontrada? — lanço mais uma pergunta.
Ele me fuzila insatisfeito.
— No banheiro feminino.
— Quem a encontrou?
— A Dess.
— Como ela está?
— Por favor, não tente...
— A Dess, estuda em que sala? — Altero o tom de voz para um pouco mais firme e Seth suspira encolhendo os ombros.
— Breeze, não.
— Por favor, eu peço que se refira a mim como doutora Wills. — Dessa vez estou com as cartas na mão, o encarando duramente, vendo-o apertar o maxilar em frustração. — Diretor Donson, vou precisar de todas as informações possíveis para agir na raiz do problema. O primeiro ano B é o meu foco inicial, e agora, Dess Donson também. Espero que possamos trabalhar de forma profissional, porque pretendo ir embora o mais rápido possível.
O desarmo. Agora é ele quem está contra a parede e nem precisei colocar as mãos nele, como ele já fez comigo.
— Está sugerindo que minha filha vai virar uma suspeita?
Viro-me com a chave na mão, desço as escadas e agora é ele quem anda atrás de mim. Entro de volta na sala dele, pego minha bolsa e me encaminho para a sala ao lado, onde ele informou ser a minha.
Seth entra logo atrás e encosta a porta.
— Você acha que a minha filha matou aquela garota? — Ele vai direto ao ponto.
— Não estou aqui para acusar a sua filha, estou aqui para analisar o comportamento sugestivo de um assassino — respondo, encarando os olhos azuis dele.
Olhos frios que queimam com ódio sobre mim por falar a palavra-chave, o pino da granada, o botão vermelho. A placa de pare tem o nome de Dess escrito e para terminar o assunto entre nós dois, basta mencionar o nome dela.
— Você vai ficar por quanto tempo? — ele pergunta.
— Um mês.
— A única coisa que eu te peço, é que não estrague a vida da minha filha como fez com a minha. Acha que consegue fazer isso? — Seth indaga, sustentando meu olhar e dessa vez, sou eu quem desvio o olhar.
— Consigo.
Dito isso, Seth dá as costas.
— Bom trabalho. Estarei contando esses dias nos dedos — ele diz com cinismo antes de bater a porta atrás de si. Logo em seguida, solto o peso do corpo na poltrona em frente à minha mesa.
Pela segunda vez no dia, penso em desabar. Só que bem pior que isso, é ter que me manter firme toda vez que precisar bater de frente com a muralha que Seth Donson se tornou.