04 - Liz Narrando

1059 Words
Liz Narrando Eu acordei com aquela sensação chata no peito, como se alguma coisa tivesse fora do lugar, mas sem saber exatamente o quê. Resolvi não pirar sozinha e peguei o celular pra ligar pra Sabrina. Ela atendeu na hora, voz meio abafada, e eu já fui mandando a real: — Amiga, bora se ver? Preciso falar contigo. Ela topou na hora e marcamos na Cafeteria Colombo de Copacabana, o meu lugar preferido no mundo. Aquele cheiro de café, bolo fresquinho, xícara batendo, me acalma de um jeito que nada mais consegue. Quando cheguei lá, Sabrina já tava sentada perto da janela, com aquele jeitinho dela de observar tudo e engolir as coisas antes de falar. — Fala, Sasá — puxei a cadeira, já pressionando. Ela respirou fundo, mexeu na colherzinha, parecia que tava escolhendo as palavras como quem mexe num fio desencapado. — Liz, eu ainda não tenho certeza de nada. Mas assim que eu conseguir as provas, eu vou te mostrar quem é a Andreza de verdade. Só confia em mim, por favor. E não fala mais nada da tua vida pra ela. — Como assim? — eu travei. — Sabrina, Andreza é Nossa amiga. — Eu sei, mas as coisas mudam. Só me escuta. É pro teu bem. Saí de lá com a cabeça girando igual roupa na máquina. Eu confio na Sabrina, claro. Mas também confio na Andreza. Era minha amiga de anos. Minha parceira de tudo. Por que diabos ela faria alguma coisa contra mim? À noite, já em casa, eu tava revisando um parágrafo mega chato da faculdade quando ouvi a porta bater. Andreza entrou toda espalhafatosa, se jogou na minha cama com um sorrisão. — Meninaa, acabei de voltar de um date! Larguei o notebook na hora. — Que isso, quem é o gatinho? Ela ajeitou o cabelo, toda se achando. — Um turista. Tá passando uma temporada aqui no Rio. Conheci ele num evento da minha mãe. — Chique — comentei, rindo. — Não vai apresentar pra gente? Ela fez um biquinho misterioso. — Por enquanto, vou deixar baixo. Na hora, um alerta acendeu dentro de mim igual à sirene de ambulância. A gente nunca teve segredo. Nunca. Ela sempre contava tudo, até coisa que eu nem queria saber. Aí me bateu a lembrança da Sabrina dizendo pra eu não abrir minha vida pra ela. Um incômodo se instalou ali, entre o estômago e a nuca. — E você e o Ramon? Já decidiram a data exata do casório ou ainda tão no mesmo impasse? — ela perguntou, sorridente, como se nada estivesse estranho. — Ahn… tá igual — menti. A gente tinha decidido ontem à noite, mas eu travei. Andreza não gosta dele, diz que ele é feio e que eu mereço coisa melhor. Talvez ela até ache mesmo, mas sei lá, esse tipo de comentário cansa. Depois que ela saiu, mandei mensagem pra Sabrina: — Andreza veio aqui, tá com um ficante, mas não quer apresentar pra gente. Na hora, Sabrina respondeu: — Claro que não quer. Ela é cínica. E eu, pela primeira vez, senti que talvez a Sabrina tivesse certa. Terminei tudo da faculdade, tomei banho, botei um creme cheiroso no rosto e deitei. O celular vibrou e era o Ramon. — Tô cansado, não vai dar pra gente se ver hoje. Respondi com um simples OK. A verdade é que eu também não tava com vontade. Fala sério: a gente se vê, transa, ele apaga, e no dia seguinte vida que segue. Parece que esse é o limite do que ele tem pra me oferecer. Fiquei ali rolando o celular, olhando qualquer coisa, tentando distrair esse aperto estranho no peito. Não adiantou muito. Quando percebi, já tinha apagado com o telefone ainda na mão. Acordei meio preguiçosa, mas levantei do mesmo jeito porque se eu ficasse mais cinco minutos na cama, já era. Fiz minha rotina matinal direitinho: amarrei o cabelo pra trás, lavei o rosto com meu gelzinho, passei tônico, hidratante e protetor, meu combo sagrado. Depois disso, já me senti mais viva. Fui pro closet escolher o look, porque trabalhar num escritório de advocacia como estagiária é quase um desfile diário de parece adulta, mas não tem salário de adulta. Acabei escolhendo uma calça social preta de alfaiataria, cintura alta, que deixa meu quadril bonitão. Coloquei uma camisa branca de manga longa, bem fresquinha, com aqueles botõezinhos dourados discretos. Por cima, um blazer bege acinturado, porque vai que aparece reunião, né? Nos pés, um salto alto preto confortável, dentro do possível. Prendi o cabelo num räbo de cavalo baixo e passei só um rímel e um gloss. Pronto: cara de responsável, alma de estudante quebrada. Quando desci pro café da manhã, nem sentei direito na mesa e minha mãe já mandou uma: — Pede pra cozinheira preparar o bolo preferido do Ramon. Eu olhei pra ela com a xícara ainda na mão. — Ué, por quê? Ela me soltou a bomba mais óbvia do mundo: — Você não dormiu com ele essa noite. Soltei um suspiro cansado. — Mãe, ele me mandou mensagem dizendo que tava cansado. E ali, na mesa, com meu pai lendo jornal como se nada acontecesse, minha mãe simplesmente largou: — Quando o homem diz que está cansado, filha, a gente toma um banho, passa um creme, um perfume, veste a melhor lingerie e desperta ele. Não deixe seu relacionamento cair na rotina antes mesmo de casar. Vocês já estão tão pertinho. Eu olhei pra ela com vontade de rir. Sério, não, minha mãe tá querendo me transformar na boba da relação. Mas respirei fundo e só continuei tomando meu café, porque brigar com minha mãe antes das oito da manhã é uma derrota certa. Depois que terminei meu pãozinho e meu café preto, fui até a cozinha. A cozinheira tava cortando legumes, e eu cheguei com o meu jeitinho meio sem graça. — Você pode fazer o bolo preferido do Ramon hoje? — perguntei. Ela sorriu, disse que sim, e eu agradeci. Voltei pro meu quarto pegando minha bolsa do estágio, e no caminho fiquei pensando: Vou fazer uma surpresa pra ele, vai que isso até me anima. Porque, sinceramente, eu não sei mais se insisto, desisto. Ou deixo meu pai ganhar de vez. Mas, enfim, bolo tá garantido. Agora vamos ver se o Ramon vai gostar da surpresa.
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