Sentei-me embaixo de uma árvore do parque, em frente ao lago. E fiquei observando as gaivotas que sobrevoavam tão livremente o céu.
Algumas desciam sobre o lago para se refrescar. Outras apenas emitiam barulhos como se cantassem um coral.
Do outro lado da rua um cemitério famoso. Apenas engravatados eram enterrados alí, ou mulheres que se casaram com eles.
A minha esquerda crianças brincavam livremente sobre a grama. Enquanto alguns carros luxuosos chegavam no cemitério. Fiquei pensando sobre a pureza de uma criança que brinca tão inocentemente, enquanto do outro lado da rua pessoas enterram seus entes queridos.
Eu também já tive essa pureza, mas isso foi há muitos anos! Que eu m*l consigo me lembrar...
Abri minha garrafinha de água e bebi um pouco dela. Continuei observando às pessoas que chegavam no cemitério.
Mulheres granfinas todas de preto e óculos de sol sobre o rosto. Uma mais velha que ficou a frente do cortejo, usava até chapéu.
Supostamente ela era a esposa do falecido. Sim só pode ser a mulher dele! As amantes não vão na frente. Elas vão atrás! Algumas chorando por dentro apaixonadas. Outras bravas demais por nunca terem sido a oficial.
E tem aquelas que nem no velório aparecem... Mas isso é história pra outro momento!
Fiquei curiosa com aquela movimentação. Me levantei disfarçadamente e em passos curtos tentei observar melhor de perto.
Eu nunca tinha visto um enterro de perto, principalmente de ricos. Eles choram tão silenciosamente que é difícil notar. Lembrei-me de um seriado da televisão em que uma mulher enterrou o marido aos berros. Mas isso jamais aconteceria aqui!
Essas pessoas eram educadas demais pra tamanho espetáculo!
Fiquei olhando de longe um padre que dizia algumas palavras. Eu não conseguia ouvir direito, então me arrisquei se aproximar um pouco mais.
Fiquei logo atrás de duas mulheres que mais pareciam beatas. Mas só pareciam, porque fofocavam o tempo todo! Ouvi quando uma delas disse:
- Coitada da mulher dele está desolada! Comentou.
E a outra fofoqueira respondeu:
- Ele estava sofrendo, descansou agora! E às duas levantaram seus rostos para á viúva.
Virei a minha cabeça para observar também. Ao lado da mulher de chapéu que chorava, estava um homem um pouco mais jovem que segurava o seu braço.
Ele também estava de óculos, mantinha a sua cabeça baixa olhando o caixão. Fiquei pensando que talvez fosse filho da viúva, já que a consolava.
Ele levantou seu rosto em direção as beatas e eu pude notar o quão bonito ele era! Eu não queria ser incoveniente mas permaneci o olhando, pois era como se seu rosto fosse familiar.
Enquanto eu tentava lembrar de onde o tinha visto, às fofoqueiras voltaram a falar. Mas não me dispersei, continuei o observando.
Será que ele é cliente do "Castelo Club?''
Não! Não pode ser... Eu nunca esqueci um rosto masculino! Mesmo aqueles que são clientes fiéis das outras meninas, eu consigo reconhece-los no Pub bebendo.
Esse homem eu o conhecia de outro lugar. Mas de onde? Me perguntava.
Mas minha resposta foi rapidamente respondida quando uma mulher de baixa estatura se aproximou dele. Ela encostou sua cabeça no homem, e ele a abraçou.
Meu Deus essa é a professora! Deduzi instantemente. E aquele é o Pither, o marido dela! Há muitos anos eu não os via, mas sabia exatamente quem eram!
Pither costumava levar brinquedos no orfanato todo natal. E depois que a sua primeira esposa morreu ele apadrinhou aquele lugar.
Eu lembro da Esther, estive confinada com ela por alguns anos. Ela no porão e nós sendo torturadas psicologicamente por aquela bruxa da Lúcia.
Eu tinha oito anos quando a vi pela última vez. Ela estava grávida de gêmeas, eu ainda lembro do Pither me pegar no colo e me chamar de princesa.
Mal sabia ele que na realidade eu seria uma princesa. Não essas convencionais de conto de fadas; más de um cabaré fora da cidade!
A profissão mais antiga do mundo. Na antiguidade chamavam-se de meretrizes, cortesãs... Depois os nomes se decaíram um pouco para rameira, messalina. Algumas pessoas não se importavam em xinga-las de raparigas, biscates, ou até mesmo mulher de rua.
Mas sempre terão aqueles que vão chama-las de p**a, p*****a ou mulher da vida!
Alguns mais educados falam garotas de programa. As famosas GP! Recentemente inventaram um nome que soa até engraçado... Garota do JOB! Mas tudo se denomina prostitutas. O mercado mais lucrativo do país. Perdendo apenas para a cerveja!
E eu faço parte desse mercado transitório e obscuro!
Eu não me orgulho por isso, mas também jamais ficarei me vitimizando pras pessoas.
Nunca culpei o sofrimento do orfanato, ou ficar pulando de casa em casa provisória, até encontrar um lar adotivo.
Ninguém nasce achando que vai ser garota de programa. Temos outros sonhos na vida! Já dizia Marília Mendonça "Não estava nos planos ser vergonha pra família..." E eu nem a minha família consegui envergonhar pois até hoje não sei quem são!
Após ficar passando em abrigo em abrigo voltei para o orfanato com dezesseis anos. Meses depois Angel entrou como estagiária, ela estudava pedagogia e escolheu o orfanato para lecionar.
Sempre amável com todos, nós nos apegamos a ela. E posteriormente descobrimos que o principal colaborador, o líder da fundação Esther; é então o marido dela.
Eu lembro nitidamente o dia em que falei para Angel que gostaria de ser psicóloga. Ela fez questão de levar Pither até o orfanato; ele apareceu cheio de orgulho, me deu livros e muito incentivo.
Quando fiz dezoito anos e não poderia mais permanecer naquele lugar. Angel me chamou para que morasse na casa dela, mas eu não aceitei!
Então ela conseguiu uma kitnet pequena, pagou três meses de aluguel pra mim. E me arranjou serviço na padaria do supermercado. Eu fiquei tão entusiasmada!
Comecei a estudar para o Enem confiante que também ia passar no vestibular, e ganhar a minha tão sonhada bolsa de psicologia.
Mas todo esse entusiasmo durou três meses! Foi quando o supermercado me mandou embora sem nenhuma explicação, e eu fiquei sem conseguir pagar o aluguel.
Correndo o risco de ser despejada saí pelas ruas com currículos numa pasta, e muita força de vontade. Bati em porta em porta, mas só obtive não! Às pessoas buscavam uma experiência profissional que eu ainda não tinha, por ter só dezoito anos.
Muitos jovens desanimam por isso! Mas felizmente tem os pais, ou algum familiar para lhe amparar. Eu infelizmente não tinha ninguém!
Passei semanas andando pela rua com fome e com frio buscando um emprego. Um dia vi um papel colado no poste, que me chamou a atenção.
"Estamos contratando garçonetes para o Castelo club."
Lembro-me como se fosse hoje, peguei o metrô com os últimos trocados que eu tinha e fui até lá.
Você e eu sabemos que não era serviço de garçonete! Mas na época eu não sabia... Eu era ingênua e um tanto inocente!
Quando adentrei naquele lugar vi uma mulher que fumava um cigarro estranho perto do bar. Junto dela um homem que estava em pé ao seu lado.
Eles me olharam simultaneamente. Aquela senhora me fitou de cima a baixo sem nenhum pudor.
E instantaneamente seu sorriso foi se abrindo.
- Olá. Falei cheia de medos.
- Diga meu bem do que você precisa? Ela se levantou da cadeira atenciosa.
Um pouco tímida falei que tinha visto o anúncio, e que precisava de um emprego. Ela sem hesitar pediu que eu me virasse para ela, pegando em minha mão me girou.
- Como você se chama? Perguntou.
- Anna Lara, senhora. Respondi.
Fiquei um pouco constrangida, mas ela me olhava com tanta admiração. E eu queria tanto um emprego, que deixei que ela me analisasse.
- Você é loura natural? Perguntou curiosa.
Assenti ainda envergonhada. - Seus olhos são verdes?
- Castanhos esverdeados. Respondi olhando pro chão.
Ela ergueu o meu queixo com o seu dedo.
- Já usou aparelho dentário? Perguntou.
- Não senhora. Neguei.
- Você é incrívelmente bonita! Até parece uma miragem! Disse sorrindo.
- Obrigada. Respondi tímida.
- O que acha Rei Stefan? Ela se direcionou ao homem que estava atrás dela.
Fiquei confusa daquela senhora chamar aquele homem de rei. Ele aparentava ter mais ou menos quarenta anos, e não demonstrava nenhuma nobreza.
- Sim, ela é perfeita! Concordou.
- Naturalmente bela!.
- Essa será a Cinderela! Disse cheia de empolgação.
- A cinderela não tinha olhos azuis? Perguntou com um sorriso presunçoso.
- Cale a boca! O espaço é meu, e sou eu que dou nome às meninas. Ele deu de ombros despreocupado. - O que você sabe fazer minha linda? Se voltou pra mim.
- Eu posso limpar as mesas, servir clientes, e até lavar o banheiro. Eu não ligo! Respondi.
Os dois gargalharam juntos. Fiquei extremamente infeliz.
- Meu amor acho que você não entendeu muito bem o recado! Falou me olhando nos olhos.
- Aqui é um bordel!
Meu queixo caiu de repente.
- Um bordel? Perguntei assustada.
- Sim, um bordel! Cabaré! Puteiro! Ou como você queira chamar! Mas é um lugar legalizado. E administrado por mim! Falou com sua mão sobre o peito.
- Desculpa eu achei... Falei atrapalhada.
- Não tem problema! Ela balançou a cabeça.
- Mas já que chegou até aqui, porquê não faz um teste? Pagamos muito bem, e avista!
- Eu não... Balancei minha cabeça constrangida.
- É virgem? Levantou sua sobrancelha.
- Não, eu não... Infelizmente eu não conseguia formar uma frase completa.
- Então não tem o que se preocupar! Se você tá procurando emprego, é porque tá precisando de dinheiro não é?
Assenti envergonhada.
- Stefan... Ela o chamou sem olha-lo. - Leve a nossa linda cinderela ao seus aposentos... Ironizou. - E pague a ela uma boa quantia em dinheiro! Aposto que isso será um incentivo!
Ela disse isso com o sorriso mais malicioso possível.
Subi ao lado daquele homem me sentindo incomodada. Eu tinha apenas dezoito anos, mesmo já sendo maior de idade não me considerava tão esperta como às outras garotas da minha idade.
O andar de cima ficavam os quartos, o lugar era bonito. Tinha um corredor longo e várias portas, lembrava um hotel.
O homem abriu a terceira porta e eu entrei, toda a decoração daquele lugar era feita no azul da Cinderela. E eu entendi que a tal mulher não estava brincando quando falava de princesas.
Eu não sei que fantasia mórbida aquela mulher tinha que toda garota que chegava, e ela pudesse assemelhar á alguma personagem da Disney. Infelizmente já estava contratada!
- Ela me chama de Rei Stefan por causa do pai da Bela adormecida! Ele disse quando adentramos no quarto.
E às coisas só pioram! Pensei.
Ele fechou a porta e ficou me olhando. Não consegui encara-lo diretamente, então fiquei observando a pintura das paredes e a janela.
- Tira a roupa! Disse me sem se importar.
Neguei com a cabeça assustada. Então ele tirou a sua carteira do bolso e começou a colocar notas de cem sobre o criado mudo.
Há cada nota ele me olhava aparentemente se divertindo. Foi empilhando uma a uma formando uma torre, até se virar para mim com um sorriso nos lábios.
- Isso tá bom pra você? Perguntou. - Duvido achar alguém que lhe pague mais!
Fiquei calada! Imóvel!
Então ele veio até a mim, ainda me olhando como se eu fosse um carro novo. E começou a cheirar o meu pescoço e tocar o meu queixo.
Senti asco! Conforme ele ia beijando a minha pele, mas nojo eu sentia! Então fechei meus olhos e lembrei-me do Kleber. O único rapaz que foi gentil comigo e que amei incondicionalmente.
Lembrei-me dos seus beijos quentes, dos seus olhos apaixonados. E de quando ele disse que nunca ia me esquecer, antes de nos separarem; e me levarem de volta para o orfanato.
Eu sabia que era aquele homem asqueroso que estava me despedindo. Mas eu preferi acreditar que era o Kléber que tinha me encontrado, e pensar que era ele que ia me tocar nos próximos minutos.