Seja natural

1136 Words
Caterina Gallo — Espero que você não esteja com medo agora, bambina. — A voz de Rocco alcançou meus ouvidos enquanto eu terminava de me vestir em um camarim numa de suas boates. Eu me virei devagar, tentando ser calma e controlada. — Não estou. — minha voz saiu firme. — Se isso me ajudar a pagar o que eu te devo, eu não tenho porque temer. — Ótimo. — ele disse bufando um sorriso. — Eu trouxe uma das minhas melhores dançarinas para explicar pra você como funciona a casa. Ele se virou para porta e uma mulher com longos cabelos ruivos, vestido preto com lantejoulas no b***o e decote profundo, contornando as curvas voluptuosas de seu corpo. Ela é muito linda e a forma que Rocco a encara me deixa nervosa. Ela entrou com um sorriso não tão verdadeiro nos próprios lábios. — Cuide bem dela, Irina. — ele disse se virando para sair. — Sim, senhor DeLuca. Rocco assentiu e saiu do camarim sem mais uma palavra, deixando a porta se fechar com um clique suave que ecoou no silêncio pesado do quarto. Fiquei ali, parada no meio do espelho rachado e das luzes fortes que iluminavam cada canto, sentindo um nó se formar na minha garganta. Irina me observava com aqueles olhos azuis frios, como se eu fosse uma intrusa no território dela. O ar cheirava a perfume barato, maquiagem e algo mais, algo sombrio que eu não queria nomear. — Então você é o novo brinquedo de Rocco. — ela disse, a voz doce como mel, mas com um tom afiado por baixo. Ela se aproximou, os saltos altos clicando no chão de madeira gasta, e parou bem na minha frente, me medindo de cima a baixo. — Rocco fala de você o tempo todo. Como se você fosse uma princesinha perdida no meio dos lobos. Espero que ao menos esteja fazendo o seu trabalho. Eu engoli em seco, tentando não deixar que o ciúme. Sim, era ciúme, por mais que eu odiasse admitir tomasse conta de mim. A forma como Rocco olhava para ela, com aquela familiaridade casual, me queimava por dentro. Ele a conhecia bem. Muito bem. — Eu não sou uma princesinha. — respondi, erguendo o queixo. — Só quero pagar minha dívida com ele e ir embora. Me ensine o que eu preciso saber. Irina riu, um som baixo e provocador que fez minhas bochechas esquentarem. Ela se virou para o espelho, ajustando o decote do vestido como se estivesse se exibindo. — Ah, querida, ninguém vai embora daqui tão fácil. Não quando Rocco coloca os olhos em alguém. — Ela pegou uma escova da penteadeira e começou a pentear os cabelos ruivos, os olhos fixos no meu reflexo, — Mas tudo bem. Vamos começar pelo básico. Aqui na boate, você dança. Não é nada fofo. É para excitar os homens, fazer eles gastarem dinheiro nas bebidas e nas gorjetas. Você balança esses quadris, sorri como se eles fossem os únicos no mundo, e esquece que tem uma vida lá fora. Eu assenti devagar, sentindo o estômago revirar. Dançar. Eu era boa nisso, desde pequena, girando no quarto com Giana rindo ao meu lado. Mas isso? Isso era diferente. Era se vender, pedaço por pedaço, para pagar uma dívida que nem era minha. — E quanto eu ganho por noite? — perguntei, tentando soar prática. — Quanto isso subtrai da dívida? Irina parou de pentear e se virou para mim, o sorriso agora mais genuíno, mas ainda cortante. — Depende da sua performance, bambina. Rocco é generoso com quem faz bem feito. Uma boa dança pode valer uns bons euros. Mas se você for ruim... — Ela deu de ombros, como se não importasse. — Ele pode te mandar de volta pra mansão, trancada no quarto, esperando o próximo capricho dele. Meu coração acelerou. Capricho. Era assim que ela via o que havia entre mim e Rocco? Ou era mais? Eu me lembrei da forma como ele me olhava no quarto, da respiração quente no meu ouvido, e um calor traidor subiu pelo meu corpo. Não. Eu não podia pensar nisso agora. — Me mostre, então. — eu disse, a voz mais firme do que me sentia. — Eu aprendo rápido. Irina ergueu uma sobrancelha, surpresa com minha determinação, mas assentiu. Ela ligou uma música no pequeno rádio do camarim, um ritmo lento e sensual que preenchia o ar como fumaça. — Tudo bem. Tire o robe. Vamos ver o que você tem. Eu hesitei por um segundo, o robe azul ainda amarrado na cintura, mas pensei em Giana, em mamãe, presas nas garras de Enzo. Respirei fundo e deixei o robe cair, ficando só com a lingerie preta que Irina havia me dado que era apertada demais, reveladora demais. O espelho me devolveu uma imagem que eu m*l reconhecia: curvas acentuadas, pele pálida sob as luzes, olhos grandes cheios de medo e raiva e o cabelo castanho escuro caindo sob os ombros. — Agora, mova-se. — Irina ordenou, demonstrando primeiro. Ela balançou os quadris devagar, as mãos subindo pelo corpo como se estivesse tocando um amante invisível, os olhos semicerrados em uma expressão de puro desejo. — Sinta a música. Faça eles quererem você, mas nunca tocarem. É o poder, Caterina. Use isso. Eu imitei, desajeitada no começo, mas aos poucos o ritmo me pegou. Girei, balancei, deixei o corpo falar o que minha mente gritava para calar. Irina observava, corrigindo aqui e ali — "Mais devagar nos quadris", "Olhe para o público como se quisesse devorá-los" —, e pela primeira vez desde que fui arrastada para esse mundo, senti um pingo de controle. Se eu dançasse bem, pagaria mais rápido. Sairia dali mais rápido. Mas quando a música parou, Irina se aproximou, os olhos brilhando com algo que parecia inveja. — Você é boa. Natural. Rocco vai adorar. — Ela tocou meu braço, as unhas longas roçando minha pele. — Mas um conselho, querida: não se apaixone por ele. Ele quebra corações como quebra ossos. Eu sei disso melhor que ninguém. Eu me afastei sentindo o toque dela me deixando desconfortável. — Eu não estou aqui por amor. — menti, sentindo o coração apertar. — Só pela dívida. Ela riu novamente, pegando sua bolsa. — Mentirosa. Todas começam assim. — Antes de sair, ela parou na porta. — Sua primeira dança é hoje à noite. No palco principal. Não decepcione o chefe, ou ele vai te cobrar de outras formas. A porta se fechou, me deixando sozinha com o eco da música e o peso das palavras dela. Olhei para o espelho novamente, a garota ali parecendo mais forte, mas ainda assustada. Eu ia dançar. Ia pagar. E ia embora. Mas por que, no fundo, a ideia de deixar Rocco para trás doía tanto?
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