Coração apertado

1668 Words
Para o trabalho, Cristina vestiu uma calça jeans, camisa, botas e um chapéu para se proteger do sol. Essa era a sua vestimenta de todos os dias, raramente vestia outro tipo de roupa. Quando Cristina chegou ao campo, o pai estava enriquecendo a terra com adubo para o plantio da soja, Henrique era um homem de caráter forte, mas com um temperamento meigo. Ao observá-lo, Chris percebeu como o pai havia envelhecido nos últimos anos, nunca havia parado para prestar atenção nas rugas que surgiram em sua face e como os braços já não demonstravam a mesma força de antes. O pai trabalhava duro, e mesmo Cristina ajudando da forma como podia (visto que o trabalho no campo era mesmo pesado), ela se esforçava ao máximo, considerando que só havia ela e a mãe para auxiliar e não possuíam condições de contratar mais alguém. Sentiu um aperto no peito ao pensar na possibilidade de perder o pai, o amava com devoção e faria o que fosse preciso por ele. Sabia que seu sentimento em relação ao pai era diferente do que ela sentia pela mãe, é lógico que a amava, mas de maneira diferente. Sentia que a mãe não gostava tanto dela, como gostava da irmã. A tratava diferente e isso doía. Muitas vezes chegou a pensar que não era filha dela, mas como isso seria possível? Não compreendia, mas um dia iria compreender, tinha certeza. Iria descobrir porque a mãe a tratava daquela maneira, nem que fosse a última coisa que faria em sua vida. ― Chris? Por que está com esse olhar paralisado? Ouviu o que acabei de dizer? ― A voz do pai a despertou dos pensamentos.  ― Desculpa pai, me distrai um pouco pensando na vida. O que estava dizendo mesmo? ― perguntou Christina um pouco atordoada. ― Não é nada demais. ― respondeu, agora mais interessado nos pensamentos da filha, do que em qualquer outra coisa. ― O que te perturba? Pode contar suas preocupações para mim, pode me falar sobre tudo o que quiser. ― Eu sei pai, o senhor me conhece mais do que qualquer pessoa nesse mundo. Mas tenho medo de magoá-lo. ― falou Cristina com um pesado suspiro. ― E como você poderia me magoar, querida? ― falou o pai com carinho. Cristina tinha medo de entristecer o pai dizendo que queria ir embora para estudar em outra cidade, não que já não tivesse conversado com ele sobre isso, mas é que sabia que o pai necessitava da presença dela em casa, não só para ajudar no trabalho do campo, mas também para conseguir aturar a esposa que era tão voluntariosa. Cristina havia presenciado várias vezes brigas entre os pais, ambos tinham dificuldade em concordar entre si e Chris sempre notava um certo rancor nos olhos da mãe quando olhava para o marido.  Temia que o pai não compreendesse seus desejos de ir embora, mas como não iria compreender? se seu pai era o seu maior apoiador, cúmplice e confidente? O laço  que tinha com o pai era extremamente forte e nada podia abalar essa relação. Se sentia abençoada, pois poucas pessoas podiam dizer que nutriam uma relação assim com o pai. ― Pai, eu quero muito estudar música. Meu sonho é ser uma grande pianista como o meu avô foi um dia. ― Eu sei disso filha, sei também que você é muito talentosa. Seu avô lhe ensinou muito bem, ensinou tudo o que ele sabia e você aprendeu com perfeição. Com certeza seria aceita com facilidade em qualquer instituição de prestígio. ―  elogiou o pai com sinceridade. ― Mas você sabe que não temos dinheiro para bancar seus estudos, não sabe? Eu gostaria muito que tivesse oportunidade de estudar o que você tanto sonha, meu bem. Cristina desejava estudar no Instituto de Música da Filadélfia, situado no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Trata-se de uma instituição muito antiga e de muito prestígio, é considerada umas das melhores escolas de música do mundo.  Mas ela sabia o quanto é difícil conseguir ser admitida, visto que é incrivelmente competitiva. No entanto, poderia conseguir uma bolsa. Caso fosse admitida, precisaria então enviar sua inscrição com as pontuações ACT* e um relatório com os dados do ensino médio. Se aceita, deveria agendar uma audição presencial com a escola. Se conseguisse ser admitida, estudaria na mesma instituição que o avô havia estudado e teria a chance de se tornar uma das maiores pianistas da atualidade. Cristina sonhava grande, mas podia, até porque os sonhos pertenciam somente dela e ninguém podia roubá-los. E é claro, tinha absoluta consciência de seu talento, se considerava muito habilidosa com as teclas do piano. ― Tudo bem pai, não se preocupe. Eu compreendo, de verdade. Daremos um jeito. O melhor de tudo é saber que tenho seu apoio para qualquer coisa que eu decidir fazer na vida.  ― Para tudo e qualquer coisa que desejar fazer e para qualquer lugar em que desejar ir e estar. Você sempre terá meu apoio incondicional. E se por acaso, decidir voltar, as portas de casa e também os meus braços estarão abertos para te receber. ― Obrigada pai. Emocionada, Chris abraçou o pai, apertando os olhos para que as lágrimas que insistiam em cair não rolassem. Mais tarde deitada em sua cama depois de um dia árduo de trabalho, Christina refletia sobre a conversa tida com o pai naquela manhã. De repente o medo de ficar sem seu querido pai a invadiu, estava ciente que o pai já tinha uma certa idade, estava cansado, possuía alguns problemas de saúde mas nada grave. Não tinha nenhuma doença, graças a Deus. Não podia imaginar viver num mundo no qual o pai não existisse. Tentou afastar os pensamentos para longe, não era próxima da mãe, nem da irmã tampouco. O que seria feito dela? O que fariam com todo o trabalho na fazenda? Conseguiria ela viver em uma casa em que era tratada com indiferença pela própria família? Com certeza não. Não conseguia nem permanecer em um local onde sabia que não era bem vinda, que dirá viver na própria casa. De toda forma, não queria mais pensar nisso, estava cansada e tinha que dormir, não adiantava sofrer por antecipação. Exausta, se entregou à um sono agitado. Cristina acordou no meio da noite pensando ter escutado um barulho lá fora, olhou no relógio que estava sob o criado-mudo, eram 4:30 da manhã. Sonolenta se sentou ereta a fim de escutar mais algum som. Passados mais ou menos 2 minutos ela ouviu o que parecia ser o barulho de um animal sofrendo. Rapidamente se levantou e vestiu um casaco, pois fazia frio. Em seguida desceu as escadas em direção a porta da frente.  O céu estava sem estrelas, ventava muito e Chris apertou o casaco contra o corpo na tentativa de impedir que o vento ultrapassasse suas roupas. Olhou para o céu. Parecia que ia chover, mas se lembrava de ter visto a previsão de que não haveria chuvas naquela noite. O vento indicava chuva forte. Tinha aprendido a identificar o clima por causa das plantações. Era necessário saber quando iria chover, fazer sol, quando iria ter vento forte e até mesmo geada. Cristina caminhava iluminando o caminho por onde passava. Tinha pego uma lanterna na cozinha antes de sair. Ia prestando atenção no som para ver de onde ele estava vindo. Parou em frente ao estábulo. O som de um animal que parecia estar doente estava vindo de lá. Correu até a porta e ao entrar se deparou com um cavalo que estava caído em uma das baias gemendo de dor. Se abaixou até o animal, para ver melhor. Cristina não tinha muito jeito com os bichos mas os amava profundamente. * O que está havendo amigão? O que você tem? * indagou aflita. Se surpreendeu ao constatar que o cavalo estava sofrendo de algum m*l, pois parecia que ele estava sentindo muita dor. * Eu vou buscar ajuda amigão, você vai ficar bem. Nisso, Chris saiu correndo do estábulo em direção a casa para avisar o pai do que estava acontecendo. A lanterna balançava em sua mão, corria o mais rápido que conseguia. Ela precisava salvar aquele cavalo, tinha que dar certo. Por sorte o pai saberia o que fazer. Entrou em casa respirando quase sem fôlego, subiu as escadas rumo ao quarto do pai, Teria que acordá-lo. A mãe não ficaria nem um pouco satisfeita de ser acordada de madrugada. Mas o que poderia fazer? era por uma boa causa. Por uma ótima causa. A vida de um animal estava em jogo. Cristina batia na porta do quarto dos pais o mais forte que podia enquanto chamava: * Pai! Pai acorde, precisa vir comigo até o estábulo. Tem um cavalo muito doente, ele precisa de ajuda. Não demorou muito, o pai de Chris abriu a porta com expressão assustada no rosto. A mãe, estava logo atrás com uma fisionomia nada amigável. * Que barulheira é essa Cristina? ficou louca? sabe que horas são? * falou a mãe visivelmente irritada. * O que foi Chis? Disse que um cavalo está doente? * perguntou o pai colocando os óculos. *  Sim. Tem um cavalo no estábulo, acho que está doente, com dor. Cólica talvez. * respondeu de um fôlego só. * E podemos saber como foi que você descobriu tudo isso a essa hora? * perguntou a mãe ainda irritada por ser acordada de madrugada. * Eu acordei com um barulho, então fiquei  esperando para ver se se ouviria novamente e poucos minutos depois ouvi o que parecia ser um gemido de animal. Então sai para verificar de onde estava vindo o som. E vinha do estábulo, entrei para olhar e um cavalo estava caído em sua baia gemendo de dor. Precisamos salvá-lo pai, se não ele vai morrer. * respondeu Cristina desesperada. * É claro. Vamos vê-lo agora. * disse o pai. * Eu não vou. Vão vocês. Vou voltar a dormir. * declarou a mãe fechando a porta do quarto.
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