Uma revelação

1379 Words
Não importava quem fosse Cesar Cavallari, ela seria grata a ele por toda a sua vida, estava oferecendo conforto e proteç@o a quem mais lhe importava, aquilo já bastava. Em algum momento ela acabou dormindo, foram meses sem dormir direito , primeiro os cuidados com avô e logo após a guerra. O senhor no início se recusava a receber ajuda , ficava envergonhado por precisar de auxílio para suas necessidades básicas, o banheiro não era adaptado e ele precisava de auxílio para não cair, nos primeiros dias, o seu Guido ficava com lágrimas nos olhos, mas Paloma ofereceu o mesmo amor fraterno com que foi criada, e aos poucos ele deixou de incomodar. Depois o que impediu o sono dela, foi a guerra, precisavam ficar sempre atentos a um novo ataque, seja aéreo ou terrestre, e algumas vezes ela saia escondida pela madrugada, recolhendo alimentos e produtos de limpezas caídos pelo chão, sempre alguma coisa ficava pelo caminho. O dinheiro que os pais dela mandavam não era mais suficiente, e ela os guardava para mais comida e remédios, vendeu a maior parte das suas roupas e as jóias que tinha, mas agora enfim, poderia dormir em paz e descansar. Das 14 horas que separam as terras ucranianas das brasileiras, ela dormiu 11 horas, assim como dona Lucrécia e o seu Guido, todos estavam exaustos e o peso tirado dos ombros deles deixava o sono mais tranquilo. Não desceram no aeroporto, era uma espécie de fazenda próximo ao estado do Paraná, mesmo com o voo, Paloma se sentia revigorada. Não estava mais em zona de guerra. Pablo se aproximou dela, três carros os esperavam. _ O avô pode ir para a colônia em que seus pais vive, tem um hospital por perto, e a chefia vai pagar qualquer custo que os cuidados médicos custe ou ele pode ir com você, para a favela do Toldo, lá tem um posto de saúde bem equipado e médicos qualificados para cuidar dele, tem um quarto o esperando, quem decide é você. Dona Lucrécia interviu. _ Quem decide sou eu. _ Não vó, quem decide é Paloma, graças a ela estão aqui, os únicos netos dele somos nós,na colônia tem a família da senhora. O meu avô nem é bem-vindo lá, não gostam dele. Paloma sabia que Pablo tinha razão, não desejava separar sua avó e seu avô, mas quem cuidava dele era ela, o banho, a alimentação, fazia as leituras que gostavam e respeitava a sua religião, o islamismo era um dos amores da vida de seu Guido. _ Meu avô fica, se a senhora quiser ficar pode também, não pode Pablo? Paloma não sabia se o marido aceitaria mais alguém em casa, _ Pode, pelo menos um tempo. Paloma se aproximou do avô. _ Vai ficar próximo à casa que vou morar, passarei o dia e boa parte da noite com o senhor, como sempre fizemos e terá enfermeiras para cuidar e o medicar. Será um bom tempo. _ E se o seu marido não permitir? Não é um casamento tradicional, mas ainda assim é uma mulher casada. _ Vamos resolver isso da melhor maneira possível, e nunca vou abandoná-lo. É uma promessa. Paloma ficou feliz que o posto de saúde era apenas um quarteirão abaixo da sua nova moradia. A ideia de favela que ela tinha não era aquilo, havia esperado por um lugar sujo, f£io e com pessoas morando amontoadas e na rua, era assim que os jornais falavam de lugares assim. Ela tinha descoberto que moraria em uma favela dentro do avião, o desespero a tinha dominado, parecia que tinha saído de um campo de guerra para outro. Na entrada do lugar, ela observou uma espécie disfarçada de guarida, três homens lá dentro que cumprimentaram seu primo com um aceno. Não prestaram muita atenção nela. Nem mesmo o fato do hijab na cabeça demonstrou interesse, a paz e a limpeza do lugar chamaram atenção. O que chamavam de posto de saúde era grande e tinha várias salas, o quarto que instalaram seu avô não era muito grande, mas limpo, confortável, com televisão, geladeira e até mesmo TV. Paloma sabia que nem todos os pacientes eram tratados assim, era influência do marido. Não tinha ainda se inteirado sobre o que realmente ele fazia, e sabia que era melhor se fingir de ignorante. Deixou seu avô dormindo , e foi com Pablo organizar as suas malas, e conhecer seu novo lar. Parou na porta, mesmo com o alívio precisava de coragem. _ Ele não está aí. Vai ficar alguns meses sozinha. A avó tinha ido para colônia ucraniana, não queria ficar ali. Dona Lucrécia visitaria o marido a cada dois dias. Era uma hora de viagem e a sua passagem seria assegurada por Pablo. _ No trabalho? _ Não. Vamos entrar e conversarmos. A casa parecia um apartamento, mas em um espaço maior, em volta havia muitas árvores plantadas e uma espécie de piscina natural. Muros altos cercavam a propriedade, não era lugar que inspirava luxo, mas sim conforto e segurança. Paloma caminhou pelo lugar, aparentemente ninguém tinha estado ali há pelo menos três meses. _ Escondi algo de você. _ Pablo… _ Escute, a chefia só vai estar em casa no fim do ano. _ Por que? _ Tem alguns impedimentos, mas vai acabar tudo nos conformes. _ Quais tipos de impedimento Pablo? E não use essa linguagem estranha que eu não entendo. Era uma espécie de português com palavras erradas propositalmente, era estranho e ele se via perdida. Sabia muito bem o português, mas não gírias. _ Por que chefia? _ O seu marido é uma espécie de líder dentro da favela do Toldo _ Líder? De repente ela ligou os pontos _ Traficante, me casei com um traficante. Pablo ganhou uma série de t@pas. _ Não precisa me b@ter. _ Como pode me fazer casar com um bandido? Que tipo de situações vou viver com ele? _ Se eu não tivesse feito isso eu estaria debaixo da terra agora, eu devia a ele, César perdoou minha dívida em troca da sua mão. _ Seu moleque desnaturado. Paloma se sentou, não tinha forças nas pernas. Seria uma daquelas mulheres casadas com bandidos e que sofriam todos os tipos de barbárie, parecia que tinha trocado uma barbárie por outra. _ O chefe é meio calado, mas em outras favelas quem pacificou foi os gambé, quem pacificou a favela do Toldo foi ele. E o seu marido não é um noia. Ela sabia o que era um noia, Pablo já havia sido chamado assim quando se envolveu com drog@s. _ Ele é piior, as revende. _ Olha, não sei que tipo de coisa ele realmente vende, pois não sou o braço direito dele. O chefe mexe com algo mais culto, tem ligações com empresas grandes e indústrias farmacêuticas , o dinheiro dele não vem de zé droguinhas, não. E o homem fala um monte de línguas, acho que é índio por causa do cabelo, nunca o ouvi falando uma gíria. _ Pablo, onde ele está? _ Preso. Paloma quase desmaiou, nunca havia entrado na cadeia. _ Por tráfico , logicamente. _ Não. Ele não tem passagem por tráfico, isso eu sei. E nenhum dos crimes dele foi cometido aqui, foi fora do país, algo como contrabando , lavagem e assassinato. Ele se deixou ser preso aqui, para evitar a extradição, o casamento garantiu que ele não pudesse ser mandado para o Estados Unidos. _ Ele não é brasileiro? _ Não sei realmente, mas fala muito bem o português, não usa as nossas gírias, mas as entende muito bem. _ O que mais sabe sobre ele? _ Que não perdoa traição, é só andar na linha prima e tudo vai ficar bem. _ Preciso temer minha integridade física? Pablo parou. _ Não sei, o homem é uma incógnita, mas até segunda ordem não precisa visitá-lo na cadeia, tem as periguetes para isso. Ela não precisou perguntar o que era periguetes , provavelmente eram prostitutas, fingiria que aquilo tudo era um sonho e cuidaria do seu avô, se preocuparia com o seu marido depois. _ Vou cuidar da casa, passar um aspirador de pó e um pano, depois volto para o posto. Por enquanto, vou fingir que sou uma ignorante, é o melhor.
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