Aliança Sombria

1176 Words
DOUGLAS Mano, o ódio tava corroendo meu peito igual ácido. Peguei o celular e liguei pro número que o Zé do Presídio tinha me passado. Tocou umas três vezes até atenderem. Ouvi a voz cansada do meu pai do outro lado. — E aí seu Eduardo? Sou eu, Douglas. — Filho? Que foi? Tá tudo bem? — a voz dele ainda tinha aquela preocupação de pai, mesmo depois de vários anos longe. Eu respirei fundo, a mão suando. — Pai… preciso te contar uma coisa. A mãe… a mãe… — Fala, Douglas. Ela tá doente? Aconteceu alguma coisa? — Ela tá dando pro Ben. O chefe do morro. O meu… meu ex-melhor amigo. O silêncio do outro lado foi tão pesado que eu achei que a linha tinha caído. — O quê? — a voz saiu estrangulada. — Repete isso. — A Keyla tá transando com o Ben. Faz tempo. Tô te ligando pra te dar o papo pai, não posso falar muito. Mas é verdade, pai. Eu vi com meus próprios olhos eles juntos. — Não… não é possível — ele gaguejou, e eu ouvi a respiração dele ficar pesada. — A minha Keylinha… com um moleque? Um pirralho da sua idade, Douglas? Minha mulher, sua mãe? — Ele tem 18, pai. A mesma idade que eu. E é o dono do morro agora. — p***a! — ele gritou do outro lado, e eu ouvi um barulho de algo quebrando. — MINHA MULHER TÁ DANDO PRA UM MENINO? UM FEDELHO? c*****o, DOUGLAS! — Eu tô puto também, pai! Por isso que eu tô te ligando. Roubei cinco fuzis do arsenal dele. Tô armado até os dentes. Mas a gente não pode chegar chegando, o Ben tem muitos homens. — Eu vou matar os dois! — ele gritou, e dava pra ouvir que tava quase chorando de raiva. — Quando eu sair daqui, eu vou acabar com esse puto! E ela… ela vai ver… — Calma, pai! — falei firme. — Se a gente chegar na loucura, a gente morre. O Ben não é mais o moleque que jogava bola comigo não. Ele é o cara agora. A gente tem que ser esperto, pensar antes de agir. — Esperto o c*****o! Tô há dez anos preso pensando nela, Douglas! Dez anos! E ela tá aí dando pra qualquer pirralho? — Ele não é qualquer um, pai. E a gente vai acabar com ele. Mas tem que ser na hora certa. Deixa comigo. Eu já tô movendo os pauzinhos. Desliguei com o coração na mão. O velho tava destruído. E eu também. Mas a raiva tava me mantendo vivo. --- A noite caía na baixada, e o baile funk já tava esquentando. O som do paredão fazia o chão tremer. Eu, com uma mochila cheia de dinheiro e a localização dos fuzis escondidos, fui pro encontro. O lugar era um bar sujo, longe do morro do Ben, território do Marreco. O Marreco era chefe de uma facção rival, a gente sempre teve treta com eles por causa da divisa. Dois caras grandões me revistaram na porta. Tiraram minha arma, me liberaram. Um deles me levou pra uma salinha nos fundos. O Marreco tava lá, sentado numa mesa, comendo frango frito com as mãos. O cara deve ter uns 40 anos, cheio de correntes de ouro, o braço todo tatuado. — E aí, moleque? — ele falou, sem nem me olhar, lambendo os dedos. — O que o braço direito do Ben quer comigo? Tá perdido, é? — Tô achando meu caminho, Marreco — falei, me sentando na frente dele. — Vim fazer negócio. Ele riu, cuspindo um osso no chão. — Negócio? Que negócio? Seu chefe mandou você vir aqui me comprar, é? Me poupa, moleque. — O Ben não manda mais em mim. Tô por minha conta agora. Ele parou de comer e me olhou pela primeira vez. Os olhos eram pequenos, penetrantes. — É mesmo? E o que é que me diz que isso não é cilada? Você e o Ben são irmãos desde sempre, todo mundo sabe. — Irmão é o c*****o, o filho da p**a tá comendo a minha mãe — soltei, e vi o olho dele arregalar. — Ele tá metendo na minha mãe. Minha mãe. Descobri há pouco. Tô puto da vida. Roubei cinco fuzis novos do arsenal dele. Dois .50, três .762. Tudo novinho, chave do cofre ainda. O Marreco ficou quieto por um tempo, me estudando. Dava pra ver os engrenagens girando na cabeça dele. — p***a… — ele falou baixo. — O Ben comeu tua véia? Essa é nova. E você quer o que? Vingança? — Quero ele fora do morro. Quero que você me ajude a derrubar ele. Em troca, eu te dou as armas e te mostro todos os pontos fracos do território dele. Os pontos de venda, os becos de fuga, os esconderijos. Tudo. Ele deu uma risada seca. — E porque eu não te mato agora, pego as armas e invado o morro sozinho? — Porque sem mim você não sabe por onde entrar. E porque eu conheço a rotina de todo mundo. Sei os horários que os vapô trocam de turno, sei onde ele guarda o dinheiro, sei até a senha do cofre. E depois que a gente acabar com ele, eu assumo o morro com sua permissão. Você expande seu território, e eu fico devendo um favor. Ele ficou quieto de novo, coçando o queixo. — E se for mentira? Se for jogada do Ben pra me fazer de o****o? — Me bate, então. Me tortura. Pega um dos fuzis e testa. Tá tudo num barraco abandonado na Divinéia. Pode mandar seus homem buscar. Mas se for, eu quero sua palavra. Você me ajuda a f***r o Ben. O Marreco levantou, andou de um lado pro outro da sala pequena. O funk lá fora parecia mais alto. — p***a, moleque… — ele parou na minha frente. — Se tu tá me enrolando, eu vou te cortar em pedacinhos e mandar pro Ben de presente, entendeu? — Tô ligado. — E outra: se a gente fizer isso, não tem volta. É guerra até o fim. Você tá preparado pra ver seu povo, seus amigos de infância, tudo virar pó? — Meu povo já virou pó, Marreco. Ele quebrou a gente. Agora eu quebro ele. Ele esticou a mão, suja de gordura de frango. Eu apertei forte. — Combinado, então. Amanhã você me mostra as armas. Se for verdade, a gente fecha. Mas se for mentira… — ele não terminou, só passou o dedo no pescoço. Saí do bar com o coração batendo forte. A aliança tava feita. Era com o d***o, mas tava feita. Eu tinha virado a arma contra meu próprio irmão, e agora não tinha mais volta. O cheiro da traição era amargo na minha boca, mas o gosto da vingança era mais doce. O Ben ia cair, e eu ia ser o cara que derrubou o rei. Puta que pariu. 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