Capítulo 04

2340 Words
Fllower. O cheiro do café fresco paira no ar, misturando-se ao som abafado das conversas e xícaras tintilando. Tento me mover com eficiência, sorrio para os clientes, anoto pedidos, levo e trago bandejas toda hora. E faço tudo isso enquanto penso na Salvatore. Assim que chegou na cozinha com bandejas cheias de xícaras vazias, Noah, o gerente barulhento de cabelos escuros e m*l penteados grita. — Mesa 20 ocupada! — Um calor sobe pelo meu corpo, me enchendo de esperança e alegria. — Eu atendo! — Grito de volta para ele, mesmo ele estando do meu lado. Dá última vez que Melione veio aqui, ela ocupou a mesa 20. Desde então, eu ando mais ativa no trabalho, com a intenção de reencontra-lá. Pego uma caderneta e uma caneta, paro um segundo de frente do espelho para ajeitar o cabelo, puxo as mechas loiras para frente. Não queria admitir, mas ando fazendo muito isso como se ela fosse aparecer de repente. Caminho para o salão, dando passos apressados, assim que avisto a mesa 20, a excitação desaparece. Meu sorriso some rapidamente ao ver um homem de meia idade ao invés de Melione. Nunca é Melione. Forço um sorriso gentil e caminho lentamente até a mesa tentando recuperar a compostura. — Boa tarde, senhor, o que deseja? — Anoto o pedido atentamente, um capuccino com toque de canela. Não tem como esquecer. — Seu pedido não vai demorar. Coloco a caneta atrás da orelha e a caderneta no bolso do avental. Antes de voltar para o cozinha, recolho alguns pratos nas mesas vazias. É sempre assim, manter-se ocupado ajuda a evitar que minha mente fique vaga demais. Enquanto equilíbro uma pequena pilha de pratos, o som do sino que indica a porta se abrindo ecoa pelo lugar. Meu coração dispara, me forçando a olhar para a porta. Um rápido vislumbre e, novamente, uma desilusão. Um homem alto e forte, de pele n***a e um terno luxuoso entra, ele pausa um minuto na entrada enquanto ajeita a gravata. Volto minha atenção para os pratos e os recolho, levando para a cozinha. Suspiro baixinho, forçando-me a desviar o olhar e voltar ao meu trabalho. Não posso dar ao luxo de ficar fantasiando. Com cuidado, levo os pratos para a cozinha, tentando afastar o rosto dela da minha mente. Coloco os pratos na pia e entrego o pedido da mesa vinte para qualquer pessoa, frustada, vou até o balcão de atendimento, onde Owen trabalha, é feito de mármore preto com detalhes dourados, dando um toque de sofisticação. Me encosto alí, sem disposição, e fico observando o movimento enquanto ele trabalha com rapidez e precisão. O sino da porta toca novamente, a brisa que entra faz as cortinas de linho branco balançarem suavemente. Desanimada de mais para olhar quem chegou, continuo de cabeça baixa, brincando com a caneta atrás da orelha. — Hazel, querida. — A voz de Owen me tira dos desvaneios. — Acabou de chegar uma cliente. Ele aponta para a mesa 21, me lembrando que fiquei tempo de mais parada. Suspirando, pego um cardápio no balcão e caminho até a mesa deixando de lado a apatia que parece ter tomado conta de mim. ❀ Coloco o pequeno laço azul no cabelo com ajuda de Owen. Meu cabelo está preso parcialmente em um coque baixo, com alguns cachos soltos caindo sobre os ombros. O meu figurino é composto por um vestido verde-esmeralda, com detalhes em creme, a saia é volumosa mas não exagerada, com detalhes florais bordados na barra. A peça de hoje é "Muito Barulho Por Nada", de Shakespeare, e minha personagem é Beatriz. Pego uma garrafa de água em meio as minhas coisas, ao abrir a tampa, um estalo leve ecoa no ar barulhento. Fecho os olhos momentaneamente enquanto sinto a água gelada descer pela garganta. Começo a ficar nervosa quando o diretor anuncia o nome da peça, fecho a tampa e me junto aos outros atores. Entramos no palco em um passo único com as luzes focando em nós. Observo a plateia por um instante, não há nenhum rosto conhecido até o momento. Cada um de nós se posiciona em seu lugar. O palco está decorado como um jardim renascentista, com um arbusto estilizado e um arco florido no fundo. Ao meu lado está Daniel, o ator que representa Benedick, vestido de uma forma exageradamente formal. A nossa interação é o ponto alto da cena. Começo falando com um tom provocador, inclinando-me progressivamente para Benedick — Daniel — com um sorriso de canto. — Eu perguntei a você: por que Benedick é tão cheio de palavras e tão vazio de ações? — E eu perguntei: por que Beatriz sempre tem uma resposta pronta, mesmo quando ninguém lhe faz uma pergunta? — Finjo estar ofendida, levando a mão ao peito e virando o rosto para o público. É nesse momento que meu coração dispara. Ao fundo, posso ver ela sentada, sorrindo de canto enquanto assiste a peça atentamente. Lá está, Melione Salvatore. — Ah, Benedick, não é minha culpa que você não seja rápido o suficiente para me acompanhar. Mas não se preocupe, nem todos nascem com minha brilhante inteligência. — Falo enquanto caminho de um lado para o outro, gesticulando exageradamente enquanto olha para a plateia. Mas não é para a plateia que estou olhando, estou olhando específicamente Melione, e ela me encara de volta. Sinto um calor subir pelo meu corpo, é algo intenso e gostoso de sentir. Não consigo prestar atenção na fala de Daniel, mas sei a minha, então no momento em que ele para de falar eu continuo. — Útil? Benedick, se sua inteligência fosse útil, seria a primeira vez que ouvi falar disso. A plateia ri, mas Melione não, ela me observa atentamente, e sempre que viro de costas posso sentir seu olhar sobre mim, me deixando excitada. A peça se segue, risos são arrancados da plateia a cada fala, e eu sigo atuando de forma robótica, sem tirar os olhos de Melione. Um dos personagens secundários interrompeu o momento com um comentário exagerado. — Por favor, alguém chame um juiz antes que isso vire um duelo de espadas em vez de palavras! Aproveito a deixa e dou uma volta ao redor de Daniel, fingindo estar prestes a desembainhar uma espada imaginária, arrancando mais risadas da plateia. — Mas não se preocupe, Benedick. Eu não perderia meu tempo em um duelo com você. Minha inteligência é minha arma, e você, coitado, ficaria desarmado. Faço uma reverência exagerada para Benedick e para o público, saindo do palco dando espaço para o próximo ato. Assim que a peça chega ao fim, apresso-me para tirar a estatueta. Ignoro os elogios de Owen e visto minha roupa casual: uma blusa branca de ombro a ombro, calça jeans de cintura alta com uma a******a sutil na barra, e meu inseparável tênis branco de gola alta. Dou uma espiada pela cortina vermelha que separa o palco do camarim, vendo o público se levantar e sair em grupos pequenos, meus olhos percorrem todo o lugar, vejo Melione sentada, com os braços cruzados e uma expressão séria no rosto, ela parece analisar o lugar cuidadosamente. Por um instante seu olhar encontra o meu, e sinto uma pontada de nervosismo na barriga. Sorrindo discretamente, quase como um reflexo, saio dos bastidores e caminho até ela, passando pelo palco e descendo os 5 degraus que o separam do resto do teatro. — Mocinha, — Uma senhora me para, ela tem os cabelos grisalhos e olhos claros, apoiada em uma bengala ornamentada, com um chapéu delicado na cabeça adornado com pequenas flores rosa. — Você atuou muito bem. Parabéns! — Muito obrigada senhora. — Agradeço, sorrindo de forma gentil e educada. Ela faz uma leve reverência graciosa e sai, caminhando lentamente sendo acompanhada pelo som suave da bengala em contato com o piso de madeira forrado por um carpete escuro. Volto meu foco para a Salvatore novamente. Meu coração afunda ao perceber que a cadeira está vazia. Um desânimo me consome, deixando um vazio palpável no peito. Fico parada ali, encarando o lugar em que a mulher de cabelos negros está antes, desejando que ela reapareça com a minha força de vontade. Suspiro pesadamente quando percebo que o lugar ficou vazio a alguns minutos, então me viro para voltar aos bastidores e pegar minha bolsa. Assim que dou o primeiro passo, paro bruscamente, surpresa com a presença dela. — Melione. — Exclamo, meu coração acelerado. — Esperava outra pessoa? — Ela pergunta, sua voz é como um desafio sutil, um tom levemente provocador. Mas sinto que tem mais que isso. Abro a boca, mas a voz não sai, então apenas n**o com a cabeça de forma robótica, quase ensaiada. Ela ri baixinho e descruza os braços enquanto se aproxima, sigo seus movimentos com os olhos, sentindo um calor subir pelo meu rosto quando ela toca em um dos cachos feito com um babyliss velho. — Queria parabenizar a estrela da noite. — Ela sorri, soltando o cacho e acariciando minha bochecha. — Você tem algum compromisso agora? — Não, por quê? — O sorriso dela se alarga, dessa vez um sorriso verdadeiro, fazendo meu peito esquentar. — Quero sair com você. — Ela é direta. Sinto borboletas no estômago quando ela diz isso, não sei como responder, estou sem palavras, estou nervosa. Apenas retribuo o sorriso, afirmando de leve com a cabeça. — Vou pegar minha bolsa e avisar meu amigo. — Saio antes que ela possa falar algo. Apresso o passo até o camarim, subo no palco a abro a cortina, pego minha bolsa, metade dos atores já saíram. Meus olhos percorrem todo o local, procurando por Owen, mas não o encontro, mando uma mensagem explicando a situação. Eu: Ow, vou para casa com uma "amiga", depois eu te atualizo. Olho para a tela por um momento antes de enviar. A palavra "amiga" é quase cômica, mas não encontro outro termo que não me deixe ainda mais nervosa. Envio a mensagem, guarda o celular no bolso da calça e dou uma última olhada no camarim, antes de sair, para ter certeza de que Owen não está lá. Quando desço das escadas e me aproxima da entrada do teatro, lá está ela. Melione me espera próxima à porta, com aquele sorriso no canto dos lábios e os olhos fixos em mim. — Posso perguntar pra onde vamos? — Brinco enquanto caminhamos para fora do teatro, o som dos nossos passos ecoando pela noite. — Não se preocupe, Fllower. — Ela diz meu nome com um tom diferente, de uma forma quente. — Acho que você terá uma experiência... Memorável. Reviro os olhos, rindo baixinho. Ela me guia até uma moto — Yamaha YZF-R9. Com linhas marcantes e carenagem completa, com um visual moderno e esportivo, o acabamento totalmente preto confere um visual elegante e intimidador. Ela sobe na moto e coloca o capacete. — Bem, senhorita mistério, — falo enquanto ela me entrega outro capacete. — espero que não seja um lugar estranho. O som da risada dela é abafado pelo capacete, me fazendo sorrir involuntariamente. Subo na moto, apoiando-me nos ombros dela para encontrar equilíbrio. O banco é mais alto do que pensei, e fico um pouco sem jeito. Enquanto ela liga o motor, que ronca alto e potente, sinto um frio percorrer minha espinha. Meu olhar vacila por um momento. Não sei se devo segurar na cintura dela ou apenas me apoiar no banco. Antes que eu tome uma decisão, sua voz abafada pelo capacete me surpreende. — Segura na minha cintura. Minhas mãos hesitam por um instante, mas obedeço e, quando ela acelera, aproveito o momento para aproximar nossos corpos, sentindo o calor dela contra minha pele. Com um movimento rápido, ela acelera, o vento gélido da noite bate contra nós enquanto ela nos guia pelas ruas iluminadas da cidade. O aroma da noite se mistura com o perfume suave que emana dela, me fazendo imaginar coisas obscenas. Depois de alguns minutos, nos afastamos da cidade, fecho os olhos deixando que ela me guie, confiando nela, e só volto a abrir quando ela para. Abro os olhos e tiro o capacete, admirada com a beleza do lugar. Desço da moto e dou alguns passos para frente. O barulho do mar entra pelos meus ouvidos, me fazendo relaxar como a muito tempo não faço. Melione fica ao meu lado e se senta no chão, antes que eu me sente ela tira a jaqueta de couro preto e forra na areia para mim, sorrio em agradecimento e ela retribui. — É lindo. — Sussurro, alto o suficiente para que ela ouça. Me sento e coloco o capacete ao lado do dela. — Já veio aqui antes? — Ela pergunta sem olhar diretamente nos meus olhos. — Uma vez. — Observo a cidade brilhando ao longe, como um mosaico de luzes prateadas e douradas. — Mas não a noite. Com o céu escuro parece ser tão... Especial. — Muito especial. — Desa vez ela fala me olhando nos olhos, o brilho da lua faz com que seus olhos pareçam estelas negras, cheios de intensidade e mistério. Ela se mexe um pouquinho, e dessa vez presto muita atenção em um pequeno detalhe nela, a regata preta de alças finas que ela usa tem um decote em V, que dá uma visão ampla de seus s***s. Isso me lembra quando nos reencontramos. — O céu está tão lindo hoje — falo enquanto desvio o olhar do decote dela e admiro as estrelas brilhantes em cima de nós. As ondas do mar sussurravam suavemente ao entrar em contato com a areia, a espuma, de um branco tênue, parecia brilhar fracamente sob a luz estelar. Não havia presença da lua, mas a noite não era escura por completo, a luz das estrelas se destacava no céu escuro, refletindo sobre o mar. — Por que você saiu da escola? — Ela não responde, fica segundos em um silêncio estranho, então me viro para encarar seus olhos quando sou surpreendida. Ela me beijou.
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