Na manhã seguinte todos notaram que Hendrik parecia de bom humor, mas quando Eldar, acidentalmente esbarrou nele, sujando-o com sorvete, Hendrik pegou o menino, erguendo-o do chão e o encarou ameaçadoramente antes de dizer-lhe:
— Você sujou minha calça.
Irwan e Gisella se aproximaram prontos para defenderem o elfinho e se surpreenderam ao ver Hendrik se sentando e fazendo cócegas no menino. Irwan e Gisella se encararam antes de se voltarem a Hendrik.
— Quem é você e o que fez com o Hendrik? — Perguntou Irwan.
— Eu acho que abduziram ele e o trocaram por um clone alien.— Falou Gisella.
— Eu acho que prefiro o clone ao original… E você? — Disse Irwan.
— Hum, também. — Falou Gisella.
— Vocês sabem que estou ouvindo, né? Engraçadinhos. — Irwan revirou os olhos, se fazendo de zangado.
— Parece que alguém teve uma boa noite de sono. — Irwan disse antes de acotovelar Gisella.
— Mas que bagunça é essa? — Disse Evin ao vir para a varanda e ver o potinho de sorvete de Eldar jogado no chão.
— Oh, oh. — Disse Eldar se escondendo atrás de Hendrik, que riu.
— Eu limpo isso, mãe. — Falou Irwan nervoso.
— Nada disso. — Falou Evin. — Nós vamos sair.
— Para onde? — Quis saber Irwan.
— Não importa. — Disse Evin após encarar Gisella.
Irwan entendeu que aonde quer que fossem, Gisella não poderia saber.
— Vocês dois… — Evin se voltou a Hendrik e Gisella. — Quando voltar, quero encontrar esse chão limpinho e o Eldar, também.
— Tudo bem. — Falou Gisella.
— Está cheia de segredinhos, hein? Dona Evin. — Falou Hendrik.
— Não perturbe seus irmãos, Hendrik. — Disse Evin.
— Está pedindo algo impossível. — Falou Hendrik se levantando e pegando Eldar antes de ir para o banheiro com ele.
— Se mantenha ocupada, Gisella. — Disse Evin e do seu jeito quis dizer “não provoque Hendrik”.
Gisella assentiu com a cabeça e acompanhou Evin e Irwan até o portão. Depois, voltou e limpou o chão. Então foi até a cozinha procurar algo para fazer. Viu algumas louças sujas na pia, mas antes de lavá-las, quis dar uma espiada em Hendrik e Eldar só para ter certeza de que estava tudo bem.
Eldar estava na banheira fazendo bagunça em meio a espuma e Hendrik estava ajoelhado ao lado da banheira, fazendo o menino rir. Gisella não estava acostumada a ver Hendrik cuidando de Eldar, só Irwan que era o irmão perfeito. Observando Irwan, ela tinha certeza de que, um dia, ele seria um pai perfeito.
Como Gisella perdera o pai antes que pudesse ter qualquer lembrança dele, costumava buscar esse lado paterno nos homens, logo, se achasse que um homem não levava jeito com crianças, concluía que ele não seria um bom pai e se ele não pudesse ser um bom pai, então não lhe servia, porque Gisella prometera que se um dia se casasse seria por amor e com um homem que pudesse ser um bom pai para seus filhos.
Agora, vendo Hendrik ali cuidando do irmão, ela conseguiu por um minuto imaginá-lo como pai. Se os dois tivessem se casado, se tivessem tido um filho…
Hendrik percebeu a presença dela e sorriu, mas não se virou.
Gisella se perguntou que tipo de mãe seria, tentou se imaginar com um bebê nos braços e tudo o que sentiu foi um vazio assustador. De repente ela não se achava digna de ter uma criança, como se essa graça divina lhe fosse negada porque ela não merecia e ponto. Aborrecida, balançou a cabeça e se afastou rapidamente.
Hendrik sentiu a dor e a confusão na aura dela e finalmente se virou, mas Gisella já não estava mais ali. O elfo engoliu a seco antes de se levantar e sair, deixando Eldar sozinho.
Depois de trocar de roupa, Eldar foi atrás de Gisella e a encontrou lavando a louça enquanto cantarolava baixinho. Não era nenhuma canção em especial, sequer tinha letra, era mais uma melodia com uma única nota que se estendia de forma harmônica como o típico “lá, lá, lá”, mas essa nota era triste, embora lembrasse a melodia de algum baile de gala. Hendrik supôs que ela cantava a melodia de um dos inúmeros bailes reais que certamente tivera oportunidade de participar. Se perguntou até onde ela se lembrava porque ela insistia de repente em encontrar as fadas. Talvez sentisse falta do castelo, dos vestidos elegantes, das boas comidas e bebidas, do luxo e da riqueza, etc. Talvez houvesse um príncipe esperando por ela e por isso, ela escolhesse não entregar seu coração a ninguém… Talvez Theodred fosse só uma desculpa para mantê-lo afastado.
— Precisa de ajuda, princesa? — Theodred tocou o ombro dela.
Gisella se virou e o encarou antes de suspirar.
— Podemos agendar essa discussão boba para depois? Porque, francamente? Não estou no clima. — Disse Gisella parecendo cansada.
— Tudo bem princesa Gisella. — Ele fez uma reverência cheio de graça e então, como se fosse um príncipe, estendeu a mão a ela. — Quer assistir TV comigo ou prefere terminar essa louça?
— Por que está me chamando de princesa? Oh, já sei! Foi o Irwan que te disse que eu era fã das princesas da Disney e por isso, agora, você está me zoando. — Falou Gisella o ignorando e voltando a lavar a louça.
— Princesas da Disney? Sério? Achei que isso fosse só para garotinhas, mas você é uma garotinha, não é? — Disse Hendrik se afastando.
— Qual é? Por que não me deixa em paz? Ninguém tem culpa se você se perdeu do Gimli e do Aragorn. — Falou Gisella se virando e o encarando.
— Mas achei a Tauriel. — Ele piscou.
— Sabia que você tinha visto o Senhor Dos Anéis e O Hobbit. — Falou Gisella.
— Claro… Fui forçado quando você me invocou e colocou esses filmes. Não. E a pior parte foi ver você babando a cada vez que o Legolas aparecia. — Hendrik balançou a cabeça.
— Já que me nomeou princesa, como tal, exijo que não fale m*l de Legolas na minha presença e que após tirar Eldar da banheira, vá ver TV com ele. — Disse Gisella com ar imponente.
— Como queira… Princesinha. — Ele disse, sorrindo.
Gisella voltou a lavar a louça.
— Minha princesinha. — Ele sussurrou antes de sair, sem perceber que Gisella ouviu.
“Princesa? Só nos seus sonhos mesmo”, Gisella pensou, achando que ele estava debochando dela.
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Evin explicou a Irwan que Gisella, na verdade, era uma princesa das fadas e, que, por isso, eles precisavam se mudar para um vilarejo distante antes que algum Caçador encontrasse ela.
— Se Gisella é uma princesa das fadas, então, o que fazia no mundo dos humanos? — Irwan inquiriu, confuso.
— Eu não sei. As fadas podem tê-la trocado quando ela ainda era um bebê, ou talvez se trate do fruto de uma aventura do rei, ou o fato de ter uma humana ilegal na Elfland chegou até a Fairyland e despertou o interesse de algum fado que queira a mão dela. Sabe que para nós, elementais, humanos são tão interessantes quanto o somos para eles. — Disse Evin.
Os elementais não podiam levar humanos para seu reino feérico quando bem entendessem, precisavam de permissão de seus governantes e ainda havia os pré-requisitos como manter contato com o humano por exato sete anos (daí partiam as lendas que as fadas só levavam humanos para seu reino a cada sete anos) e, se casar com ele, ou se tornar legalmente responsável por este. Tudo isso para que os governantes e guardiões evitassem posteriormente possíveis dores de cabeça com os arcanjos.
Se um humano reclamasse com um arcanjo sobre a conduta de determinado elemental, o arcanjo teria uma conversinha com o guardião responsável pelo portal e também com o rei e a rainha que por conseguinte, puniriam o elemental problemático.
Como ninguém gostava de levar sermão de um arcanjo, criaram as leis para o ingresso de humanos no reino feérico. Obviamente nem todos tinham paciência e vontade de esperar, e por isso, burlavam as leis, trazendo humanos ilegalmente, como Hendrik o fizera com Gisella.
— E se devolvêssemos Gisella a família dela? — Irwan perguntou.
— Aos humanos ou às fadas? — Evin inquiriu.
— Aos humanos, mãe. — Irwan respondeu.
— No mundo dos humanos, ela estaria mais vulnerável, de forma que as fadas poderiam encontrá-la e levá-la para a Fairyland sem muito esforço. O pior é que, com sua obsessão por estes seres, ela mesma terminaria atraindo-as. — Falou Evin. — Não. Se quisermos protegê-la, temos de mantê-la conosco.
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Annwn
Suoni levou o caçador até Kadir. O caçador era um silfo com asas negras, semelhantes às de um anjo, olhos azuis e cabelos longos e negros e que estavam presos por um elástico. Vestia-se como um cavaleiro medieval porque já pertencera a guarda do rei.
— Ouça com atenção, caçador… — Falou Kadir. — Lhe pagarei o dobro que o rei lhe ofereceu se quando encontrar a princesa, trazê-la a mim.
— Posso perguntar qual o seu interesse na princesa? — Perguntou o silfo, desconfiado.
— Oh, digamos que ela era alguém especial para mim e que sinto saudades. — Kadir disse.
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Evin acabou encontrando um chalé que ficava próximo ao Bosque Das Ninfas. Era perfeito porque a propriedade ficava bem escondida atrás de fileiras de pinheiros, oculta pela névoa que circundava todo o bosque. Também, Gisella poderia facilmente ser confundida com uma ninfa. Só havia um porém, se Gisella se aventurasse para a parte mais distante do bosque, poderia encontrar uma série de portais que levavam direto para outras dimensões como Atlântida ou Annwn. Seria um verdadeiro desafio manter alguém tão curiosa afastada do perigo, mas não havia outro jeito.
Evin não deu muitas explicações a Gisella sobre o porque estavam se mudando pela sexta vez em menos de dois meses e a garota achou que fosse apenas para afastá-la de Theodred e Gaion .
Após arrumaram suas coisas durante a noite, eles mudaram-se no dia seguinte. Gisella gostou da nova casa, especialmente por causa das árvores que ela amava tanto, mas ficou triste, acreditando que a cada vez estava mais distante de Gaion e Theodred. Evin se sentou no balanço ao lado do dela. Ficaram em silêncio por um tempo até a elfa quebrar o gelo.
— Pensei que você gostaria daqui por causa das árvores e das ninfas…
— Tem mesmo ninfas por aqui? — Gisella perguntou encarando Evin.
— Pode apostar que sim… — Evin sorriu. — Mas elas são tímidas. Tenha paciência e elas se mostrarão a você quando perceberem que não quer fazer m*l a elas.
— Fale a verdade… Só nos mudamos para tão longe por causa do Theo? — Perguntou Gisella.
Evin virou o rosto, encarando os pinheiros a sua frente e ficou em silêncio tempo o suficiente que Gisella achou que ela não responderia. Então, ela surpreendeu a garota, dizendo-lhe:
— Quando quiser convidar a Gaion para vir te ver, saiba que ela é bem-vinda nessa casa.
— Jura? Mas e o Hendrik? — Disse Gisella.
— Eu já falei com ele e ele não se opôs. — Evin encarou Gisella outra vez. — Não temos nada contra os seus amigos, mas nos preocupamos com você, Gisella. É jovem e ingênua e não entende que muitas vezes, o m*l se esconde atrás de doces sorrisos e belas palavras.
— Por que acha que o Theo é mau? — Inquiriu Gisella sem compreender. — Basta olhar para ele para perceber que ele é uma boa pessoa.
— Aparências enganam. — Disse Evin antes de levantar-se e voltar para a casa, deixando Gisella sozinha.