ANNE
Anne aproveitou que na hora do intervalo todos os alunos estavam no refeitório. Os olhos dela se fecharam dentro de uma das cabines cheia de rabiscos no banheiro feminino da escola pública de Salém. Havia alguns rabiscos com seu nome a chamando de aberração e lésbica. Ignorou-os porque já sabia quem havia os escrito, a loira que a odiava e por quem como uma masoquista ela tinha uma queda.
A conversa por telepatia teve inicio:
“Por favor, converse comigo.”
“Só diga o que quer de uma vez, Anne... Conheço seu jogo. Está envolvida até o pescoço em tramas sobrenaturais.”
Anne repuxou os lábios um pouco com a bronca.
“Vou direto ao ponto, Aniel. Preciso de ajuda hoje. Mais ajuda que o normal.”
“É meu dever te proteger, no entanto, você não se ajuda. Há um dragão sanguinário no mesmo teto que você e agora quer exorcizar um demônio? As suas ações são inconsequentes e desprovidas de qualquer senso!”
“ Dragão sanguinário? O que é isso?”
“Vocês humanos chamam seres como ele de vampiros. Como têm em seu sistema o sangue da grande serpente que tentou Eva no paraíso, conhecemos sua raça como dragões sanguinários. O novo hospede dos Bulstrode. Seu novo amigo. Você é a pessoa mais complicada que eu já vi em centenas de anos, sabia?”
“Por que?”
“Porque seria mais fácil que não soubesse que eu existo e nem conversasse comigo. Mas afinal, por que me chamou? É raro que suas preces sejam dirigidas a mim e não ao filho do altíssimo.”
“Eu consigo fazer o exorcismo?”
“Você é uma bruxa. Atraí demônios. Sozinha não. Precisará da ajuada do Matthew. Por sorte é uma casta baixa de demônios a que aqueles garotos invocaram. Ele é fácil de ser enviado de volta para o inferno.”
“Não vai me impedir?”
“E adianta tentar? Livre arbítrio. Cansei de te alertar para não se envolver no que não é da sua conta. Não adianta eu avisar você é teimosa demais para ouvir. Estarei lá com você.”
“Obrigada Aniel.”
“Não agradeça. Cuidar de você é minha obrigação.”
...
O sol dava aos poucos seu adeus. Estava sentindo um ligeiro frio na barriga. Anne caminhou rápido até o rapaz alto de sobretudo escuro, camisa branca, calça jeans e tênis parado na frente do estacionamento da escola e o abraçou forte.
Acabou ficando inebriada pelo cheiro dele ficando na ponta dos pés para alcança-lo mais. Hm... o estômago dela ainda sentia as mesmas malditas borboletas de antes.
— Seu cabelo... Você cortou. Ficou tão bonito, Anne. Combina mais com você ele assim... — Ele elogiou. Deixou os dedos deslizarem pelos fios lisos curtos da garota e em troca recebeu um olhar entregue dela.
—Você é a primeira pessoa que fala isso...Obrigada. — Murmurou com o rosto escondido no peito dele.
O coração de Matthew bateu por mil vidas e as bochechas se ruborizaram ao avaliar a entrega da garota encostada contra si. O gesto amoroso do afago dos fios escuros acabou chamando a atenção de algumas pessoas e entre elas Endora que passava por ali e riu debochada e dirigiu a Anne um ligeiro arquear de sobrancelha ao qual a garota enroscoda ao rapaz ignorou.
—Parece ser mais você. Acho que finalmente se encontrou. Posso sentir a paz interior. — Continuou ele acariciando os fios curtos.
Com o rosto no peito forte dele disse com a voz abafada:
—Que bom que gostou e ainda me acha bonita... —Ela deixou escapar.
estava ligeiramente angustiada.
—Você é linda sempre, meu doce amor... — Matthew sussurrou no ouvido dela.
Ela estremeceu, ficou vermelha e resolveu mudar de assunto.
—Vamos expulsar demônios, por que você parece tão normal, Matthew? Achei que usaria aqueles lances maneiros de padre. — A moça ainda desconfortável iniciou outra conversa.
—Só trouxe água benta se a situação ficar grave e um livro com ritos exorcistas que eu acho e espero que não será necessário. Disse que era uma casta baixa de demônios, Anne. Tá tudo no meu carro. Você viu muito o exorcista. E oficialmente ainda não sou um padre. Apenas faço seminário. —Explicou Matthew gargalhando.
Aproximou o rosto do dela abaixando ligeiramente a cabeça quase tocando os lábios de ambos e acariciou a bochecha macia dela com o polegar, Anne sentindo o coração bater desesperado foi quem selou os lábios nos dele primeiro o puxando pelo cabelo cor de mel para um beijo mais intenso e o mordeu no lábio inferior com força tendo como resposta seu corpo pequeno sendo jogado e prensado contra uma árvore mais escondida e beijos violentos e cheios de saudade.
Quando pararam buscando ar, ela se sentiu culpada e ele também.
— Desculpa, desculpa. Perdão. Eu esqueci...É que você não está vestido daquele jeito e... — Ela ia formular um pedido.
Ele colocou o indicador sobre os lábios dela.
—Nem ouse tomar a culpa inteira só para si...Os dois tem que querer e eu quis muito. —Ele revelou lambendo os lábios e sentindo o ligeiro inchaço onde ela mordeu com força. —Sabia que não tenho nenhum problema em namorar enquanto ainda só estudo? —Tentou persuadi-la novamente e beijando-a no pescço. —Por que nós não tentamos antes do celibato e...
—Usa essa cantada em todas, não é? —Questionou Anne sem ar.
—Sempre...Tenho que aproveitar antes do celibato. — Confirmou ele e riu amargurado com sua sina. —Mas você sabe que não é todas. —Ficou sério e a tocou no rosto com amor. —Anne, você sabe que se não fosse minha vocação você seria a minha namorada, então esposa e tudo na minha vida. Eu te amo tanto...tanto.
—Você também seria meu tudo. Mas você sabe que é para isso que nasceu. Eu senti, Matthew. Naquela época... Quando aquele demônio me atormentava... Você o afastou e ele te temeu e nunca mais voltou. Você é um receptáculo de fé enorme. Há uma luz gigante em você. Você nasceu para isso. E exorcistas só são formados na igreja católica. Você sabe... — Recordou-o querendo afastá-lo.
—Qual é? Podemos fazer algumas coisas. —Afirmou desgostoso e a segurou pelo queixo, mordendo o lábio dela o puxando levemente e quando ele ia beijá-la mais intensamente ela se afastou.
—Não podemos. Mas eu te amo como nunca amei ninguém em toda a minha vida. — Anne se declarou.
—Eu também te amo. E ainda não sou padre ou sequer um exorcista. — Murmurou na orelha dela a sentindo tremer ligeiramente e acabou sorrindo.
—Mas vai se tornar um. Um padre exorcista... — Anne insistiu. — E vai lutar contra o m*l e proteger as pessoas como sua mãe.
Ele parou as investidas ficando sério.
—Está certa. Eu escolhi esse caminho. Então ovelha branca da família.... Dessa vez você cobrou alguma coisa ou é de graça de novo? — Quis saber ele brincando com um fio revolto do cabelo dela.
—Eu cobrei pouco, ele está no ensino médio ainda. —Contou-o, os braços em volta do pescoço dele enquanto esperavam o outro rapaz. —Só para constar me sinto uma prostituta falando assim...
—Todos nós nos prostituímos de algum jeito só que de maneiras diferentes. Se você é bom em uma coisa, cobre por ela... — Matthew tentou amenizar o peso da culpa dela.
—Você é tão i****a, não é? —Caçoou dele e negou com a cabeça. —Estou preocupada com a garota. Eu vi o demônio. Ele está fazendo dela gato e sapato...Ela tentou se matar. Eu não devia ter cobrado...
—Não começa com isso. Não se sinta culpada, minha baixinha linda. No fim, está ajudando alguém com o que você considerava ser sua maldição, lembra? — Elucidou-a. A viu assentir com a cabeça triste e colocou uma mão no rosto dela, carinhoso, cessando assim o momento passional. —Não carregue esse fardo, eu sei como você é, só não... Deus sabe que é por uma boa causa e ele conhece seu coração caridoso, sabe que você também ajudaria mesmo que não fosse paga.
—Hm, se você quer acreditar nessa parte legal minha, problema seu... —Foi só o que ela disse no fim e ele riu a achando fofa. Afundou o nariz nos fios curtos dela a abraçando mais forte e a tensão entre eles aumentou.
—Senti tanta saudade de você, meu doce bebê..—Confessou-a com o coração batendo rápido e selou os lábios nos dela de novo. —Somos amigos desde o fundamental. Você me contou seus segredos e eu os meus. Você foi a única que sempre acreditou em mim quando falei que um demônio possuiu minha mãe. Só que agora só me liga quando precisa dos meus serviços ou se confessar por se sentir culpada de gostar de outra garota...Eu ainda não sou um padre oficial, sabia? E eu fico com tanto ciúme! Tanto... O que essa maldita garota tem de tão especial afinal?
—Eu sei. Eu sinto o quanto é possessivo... —Ela constatou, o encarou mordendo o lábio inferior, ofegante e sorrindo. Abraçou-o mais forte. —Mas no fim, meu amor... Não importa quem apareça no meio...Você sabe que é tudo o que eu tenho? Você me apresentou Jesus e me salvou da minha herança sombria.
—Não me chama assim, droga! Você só torna as coisas mais difíceis. Sei que você sabe ser bem linda e fofa quando quer, não é? — Matthew deixou escapar inconformado.
—Sei que quis dizer manipuladora... — Anne o deu a deixa.
—Sim, eu quis dizer manipuladora... — Admitiu-a. Levou os dedos aos fios dela os entrelaçando na maciez, então a puxou para si dando-a selinhos. — Mas como eu sei da sua manipulação e caio nela com prazer. Bem, essa é minha escolha.
Ele abriu um lindo sorriso para ela que mostrava os dentes brancos e alinhados com os braços fortes ainda ao redor da cintura dela colando seus corpos. Se contemplaram intensamente entendendo o quanto era doloroso abrirem mão um do outro.
Anne viu o garoto de óculos e camisa de anime aparecer indo até eles, os assistindo desconfiado e assim quebrando a conversa por olhares de ambos.
—Hey Ian, esse é o amigo que falei, Matthew. —Apresentou-os ela rápido se afastando de Matthew com se ele desse choque.
Matthew cumprimentou o estudante com um aceno.
—Sou Ian. —Se apresentou o rapaz com as mãos no bolso do casaco.
—Matthew está de carro Ian. Ele vai nos levar até lá e você nós diz por onde seguir. Então, podemos ir?
—Podemos. —Ian concordou colocando as mãos no bolso da calça, nervoso.
...
A casa era simples. Era pintada numa cor amarela e jardim bem bonito. Aquela morada gritava algo que Anne nunca teve. Anne não estava acostumada a um lar tão acolhedor, afinal, apesar da riqueza da sua família em sua casa era tudo frio e desolador. O amor estava presente ali, apesar da manifestação sombria que havia também. A mulher abriu a porta vendo os três lá e afrontou-os com os olhos.
Anne a cedia um sorriso amável que era raro. A mais velha viu a tatuagem com desgosto, mas relevou ao se dar conta do conteúdo dela e ver o crucifixo.
—Oi, senhora Anderson. Nós viemos ver a Krista. Pensamos que uma visita de amigos poderia ajudá-la. — Anne quem iniciou o assunto.
A desconhecida olhou para o homem de jaleco sentado no sofá e ele apenas assentiu com a cabeça já que já havia perdido as esperanças.
—Ela está diferente e pode se agitar... É só que... — A mais velha ia se justificar com um olhar tristonho. Anne sentiu que a mulher parecia se envergonhar dos atos da filha e estava com medo do julgamento deles.
—Acredite, nós não nos importamos. Sua filha é uma amiga muito querida. No que podermos ajudá-la para se sentir melhor o faremos...Não viemos como os outros curiosos. Nos importamos com ela realmente e qualquer coisa que acontecer aqui, ficará aqui, isso eu posso prometer. —Garantiu Anne, solidária, sentindo a hesitação da outra em deixá-los entrar. —Ian estuda com ela e trouxe os deveres da escola para ela se situar quando voltar, eu vim conversar com ela sobre as novidades do colégio e este ao meu lado é o meu carona. Queremos vê-la bem e...
—Tudo bem. —Confirmou Liz que era a mãe de de Krista, ligeiramente atordoada, porém grata. —Venha, vou levá-los até lá.
O quarto estava frio e mesmo quem não era sensitivo podia sentir o ambiente opressor.
—Pode nos deixar com ela, senhora Anderson. Vai ficar tudo bem. —Anne solicitou calma e sua voz era acalentadora a tormenta da outra.
A garota estava deitada de bruços na cama de armação branca, chorando, e recitando algumas preces quando entraram. A mãe dela saiu de imediato por estar com medo. Anne, sentiu o demônio ao redor de Krista e o viu como uma sombra apenas perto e não dentro dela. Os pulsos da loira estavam enfaixados e Anne sentiu lágrimas virem aos seus olhos pelo sofrimento infligido pelo demônio, que sentiu como se fosse o seu, eram pensamentos horríveis e constrangedores.
Matthew analisou Anne.
—Não, amor... calma! Escuta, ele faz isso, a tortura psicológica é pirraça. Você precisa se concentrar, Anne. Sei que sente a dor dela, mas... Se concentre. Preciso de você. Faça com que não escutem nada dentro desse quarto e olhe para lá. —Pediu e Anne murmurou um feitiço de silêncio e assentiu com a cabeça. —Ele está dentro ou ao redor dela?
—Perto, o suficiente. Quase se fundindo... —Relatou Anne toda arrepiada.
—Merda! A obsessão vai se tornar possessão se não intervirmos. Ian você acredita em alguma coisa? — Matthew quis saber angustiado.
—Sim, minha família é evangélica e... — O menino respondeu. — Não vou a igreja com eles, mas acredito em algo.
—Ore o pai nosso. Feche os olhos e haja o que houver não os abra. — Recomendou-o Matthew.
Matthew fitou a garota sentada na cama. Os olhos dela com as pupilas dilatadas se voltaram para ele.
—Você não é um exorcista é apenas um garoto medroso. Mamãe, mamãe... Por que fez isso? Lembra? Sua mãe se matou e arde no inferno com todos nós, sabia?
Matthew enrolou um terço na mão focado. Murmurou uma absolvição para si mesmo.
—Esse é o seu melhor, maldito? — Ele saiu de sua prece. — Tão apelão. —Negou com a cabeça. —Anne quando eu acabar aqui você me deve um hambúrguer. Mandar esse maldito de volta para o inferno me deixa com fome. —Falou. Anne apenas o cedeu um ligeiro sorriso de olhos fechados e continuando a rezar. —Jesus Cristo caminhou por essa terra. E com seu sacrifício e palavras de poder salvou a todos nós. Poder que deu a seus discípulos e eu apesar de falho e pecador o sigo com toda a minha alma e espírito! Pelo sangue de Cristo, pelo sangue do redentor da humanidade volte para o inferno de onde saiu maldito e não regresse nunca mais.
—Eles queriam respostas, eu as trouxe. Eles me chamaram. —A voz era sinistra e rouca. —Acha que um fedelho como você que fede a desejo pela bruxa ao seu lado vai fazer alguma diferença. Essa alma aqui já é minha...
—Eu sou um homem apenas. Sentir desejo está na minha natureza. E eu não me envergonho disso, pois, sei que meu senhor me compreende. É só isso o que tem? Tão patético. —Observou Matthew sem paciência e sem se intimidar. — Jesus, não veio pelos santos, mas sim pelos pecadores, maldito. Ele veio por nos amar e querer nos salvar. E é a ele que essa alma pertence. Saia dela em nome de Cristo e que Miguel, o arcanjo, com sua espada flamejante te expulse de volta para o inferno de onde nunca deveria ter saído.
O clarão no quarto e a sensação de paz invadiu Anne que sentiu a presença poderosa do próprio Miguel.
E Krista desmaiou, deitando-se na cama, com uma expressão pacífica.
—Anne, você está bem... — Matthew sondou-a atordoado.
—Sim. —Confirmou ela abrindo os olhos e sorrindo e Matthew sorriu de volta.
—Eu já sei o que vai dizer, garotinha. — Caçoou o estudante de teologia. — E eu entendo o motivo de não podermos ficar juntos também...
—É no que você é bom, Matthew... —Argumentou Anne. —Eles te temem por isso, eu sinto. Você tem uma fé gigantesca.
—Hm, tá que não podem ser beijos... — Matthew começou calmo. — Mas depois que deixarmos Ian em casa, você ainda me deve um hambúrguer!
Ian apenas analisava aos dois boquiaberto.
...
DEMETRIUS
O restaurante era calmo e requintado. O ambiente era rosa, no teto pinturas que imitavam a capela sistina. As paredes tinham detalhes em argamassa que lembravam arte moderna e relevos feito com espátulas. As mesas tinham uma toalha quase pastel, com pratos brancos de porcelana, talheres dourados e taças de cristal. Demétrius tomou seu lugar a mesa.
Joseph apenas o estudou.
— Vai comer algo ou devemos ir direto aos negócios, meu caro? — Inquiriu-o Joseph.
— Conseguiu falsificar o histórico escolar do terceiro ano? — Demétrius questionou incomodado com o olhar intenso de Joseph sobre si. Isso porque o homem o lembrava Nikolai e também porque ainda recordava-se se sentindo culpado do beijo que deu nele há alguns anos atrás. Eles dois viveram juntos por três anos, dada suas naturezas vampíricas e que Joseph ainda era um recém-nascido a “dádiva do dragão sanguinário” apesar do beijo e da declaração de Joseph nele ter sido o ponto crucial da separação.
— Sim. Consegui. Isso se chama competência. — Comentou Joseph com certo humor bebericando a taça e engolindo mentalmente fazendo os olhos de Demétrius focarem-se no pomo de adão dele e ao notar para onde olhava o rapaz negou com a cabeça incrédulo consigo mesmo. — O que veio fazer aqui? A cidade das bruxas? Sério?
— Te faço a mesma pergunta. Achei que estava na China abrindo uma filial de mais uma maldita empresa de advocacia. — Demétrius comentou. — Não diga que ainda não superou meu fora e me perseguiu até aqui. Me sinto honrado, porém, não curto homens como já te falei várias vezes. E já tenho alguém.
—Ah, mas não recuou quando te beijei naquela época, e que beijo, você tinha um gosto delicioso e estremeceu todo. Ter te deixado todo confuso já é um começo. E eu tenho certeza que se sua querida Katrina renascesse como um garoto, você abriria uma concessão sem pensar duas vezes. Deveria ter experimentado um pouco mais comigo esse seu lado, você pode realmente gostar dos dois e só ter medo de admitir. — Joseph articulou ajeitando os óculos e Demétrius desviou o olhar pelo gesto charmoso. — Quanto a estar aqui nessa maldita cidade onde ouços os gritos de injustiça das mulheres queimadas e a terra treme com o rancor... Coincidência ou não, minha família mora aqui. Mudaram de São Francisco para cá há uns cinco anos já que é uma cidade cultural e eles lidam com turistas. Nada com você. Quando me ligou fiquei realmente surpreso em saber onde estava. Essa cidade deve ter imã para coisas como nós, assim como Nova Orleans com seu voodoo. — Comentou casualmente e segurou a taça pela haste.
— É um recém-criado, Chang. Não está difícil o cheiro de sangue? — Demétrius puxou um assunto.
— Se dez anos para você é tão pouco, me pergunto, quando foi transformado? Sua idade sempre foi uma questão delicada e apesar de saber algumas coisas da sua vida ainda há lacunas. — Comentou o advogado tranquilo e dando um meio sorriso. — Não é como se eu tivesse nascido ontem. E cá entre nós, eu não sou um psicopata como o seu amigo e me mantenho discreto. m*l cheguei e já estou resolvendo um problema que a b***a psicótica do meu irmão causou contra um inocente.
— Os crimes na cidade não foram você? — Inquiriu-o Demétrius. —Pode dizer a verdade, não vou condená-lo.
— Eu tenho uma reputação a zelar, Demétrius. Eu fiz um juramento na universidade de sempre proteger a lei. O jeito que os corpos são deixados se assemelham com o modus operandi de Nikolai.
— Nikolai não é um serial killer para ter um modus operandi. E ele não aparece há um bom tempo. — Demétrius afirmou. — É melhor nem falar no nome dele se não ele surge saído do inferno!
—Pelo que entendi da conturbada história entre vocês dois. Bem, ele só aparece quando você está feliz como um ex ciumento apesar de que pelo entendi vocês terem gostado da mesma mulher no passado. Se você quer se matricular na escola atrás da sua amada eterna, com certeza, ele vai aparecer. É só uma questão de tempo. — Informou-o Joseph. — Um brinde a isso.
— Ah, esqueci. Com a idade que tem agora não pode beber. Então eu bebo por nós dois. — Brincou Joseph. — Boa sorte no inferno chamado escola. E se puder fique de olho em alguém para mim...
— Quem? — Inqueriu Demétrius curioso.
Joseph apoiou a taça de novo na mesa e tomou um suspiro profundo e encarou Demétrius sério.
— O nome dele é Ha Joon. Ele está numa série abaixo que a sua. Um vídeo dele de sexo com meu irmão foi vazado. O garoto tentou se matar. Pelo que entendi ele sofre bullying. Então se puder nessa sua aventura escolar fazer um favor a um velho amigo... eu agradeceria. — Joseph passou o dedo pela borda da taça, pensativo.
— Está interessado no garoto? — Questionou Demétrius aliviado.
—Não. Ele não faz meu tipo como você. — Joseph falou sem hesitação.
Demétrius apenas limpou a garganta e Joseph riu e negou com a cabeça se divertindo.
— Então por que quer que eu fique de olho nele? — Insistiu Demétrius.
— Odeio que mexam com os mais fracos. — Joseph comentou sombrio. — Foi por isso que me tornei advogado em primeiro lugar. E meu irmão fez isso por pirraça. O garoto se parece comigo quando eu era mais novo. — Confessou-o.
— Está dizendo que seu irmão prejudicou esse rapaz por que ele se parece com você? — Demétrius tentou entender. — Isso está em outro patamar. Um patamar intocável até mesmo para nossa raça.
Joseph soltou ar e então aspirou.
— Penso isso porque Kai fez isso depois que eu cheguei. Relaxa. Kai não é meu irmão de verdade. Ele foi adotado pela minha família. A mãe dele era uma prostituta viciada em heroína e bem... é complicado. Ele se ressente de mim. Quando eu estava na faculdade ele me viu com um cara no meu quarto, numa cena bem intensa. Depois disso ele passou a me odiar. Foi por isso que fui para a China morar com meus avós.
— E foi quando conheceu o demônio que te transformou? Nunca me falou muita coisa daquela noite a não ser que ele não era Lilith. — Começou Demétrius. — Eu fiquei feliz em encontrar alguém como eu, mas...
— Você também nunca me contou em como foi transformado, estamos quites. Só saiba que eu também fiquei feliz em te encontrar naquela noite ou arcaria com a cena de um assassino a minha vida inteira. Eu estava faminto e...— Soltou Joseph perdido em memórias assustadoras de sua própria monstruosidade. — Eu vou ficar na cidade, Demétrius. É bom te rever e espero que seja feliz depois da sua vida ferrada. Abri uma filial do escritório aqui. Então fiquei feliz que o meu primeiro cliente fosse meu amigo mais querido. Aqui... — Tirou um cartão do bolso. — Esse é meu novo número. Ligue para ele para conversar sempre que precisar. Há pouco de nós, mas já encontrei mais uma. O nome dela é Pandora. Foi transformada pelo mesmo demônio que você. Ela é poderosa, consegue conjurar o gelo e ela já foi cultuada como deusa.
—Pandora? Eu gosto do nome. Uma elementar? — Demétrius questionou. — Acha que ela é mais velha do que eu?
— Ela é grega. Foi transformada antes de Cristo. Ela não é uma seguidora de Lilith. A odeia como você . É um começo, não é?
— Como a encontrou? — Demétrius indagou-o. — Eu sempre procurei por mais alguém que...
— Um humana grávida foi atropelada e estava sangrando. Eu estava no alto de um prédio bebendo algo entediado. Ouvi a prece dela ao todo poderoso para salvar apenas o bebê. Bem, era algo altruísta e eu tinha poder para isso. Não havia nenhum anjo ali para intervir e ... eu ia intervir, mas Pandora apareceu primeiro e a curou. Foi quando nós dois nos vimos e você sabe que sentimos algo. O poder, o abraço da morte e ao mesmo tempo o fato de que estamos vivos e a conexão quase religiosa do sangue amaldiçoado que pulsa em nós e da marca do dragão nas nossas costas. Usando uma analogia é como um cristão que reconhece o outro como irmão por acreditarem no mesmo Deus. Apesar de que conosco seja num sentido mais profano e doentio.
Joseph se levantou e avaliou o rapaz a sua frente:
— Pague a conta. E só para constar, eu preferia seu cabelo longo e o terno de antigamente.
...
Usava roupas atuais que havia comprado na cidade. Eram elegantes e modernas se resumiam a uma jaqueta escura de couro, camisa vermelha de marca, calça jeans preta e coturnos. Havia cortado o longo cabelo e aspirava o ar frio da noite. A bengala que tinha antes transmutou-a em um anel elegante em seu dedo ao lado de sua aliança. A lua estava bonita. Era sempre bonita, mas aquele dia em particular parecia um olho divino. Caminhou pela cidade de Salém depois que saiu do restaurante, sem rumo. Havia mudado tanto. Claro, fazia centenas de anos que não voltava ali, mas ainda o trazia uma velha nostalgia. Demétrius estava entediado, aquela família o deixava irritado e Anne que era quem o divertia ainda não tinha voltado da escola.
Na calçada, esperando para a travessar a rua foi quando viu na calçada oposta sua noiva eterna olhando em sua direção. Trocaram um olhar e ele sorriu para ela sem se conter.
Os mesmos fios ruivos de antes. A mesma expressão alegre e bonita que o cativou a centenas de anos. Os olhos dele se encheram de lágrimas e uma dor no peito o consumiu enquanto ela sorria para ele também.
Quando o sinal ficou verde e os dois passaram perto um do outro, ele chamou por ela sem se conter:
—Katrina... Pandora... Endora —Chamou-a pelos nomes de todas as reencarnações e pelo nome atual.
A menina o encarou intensamente, confusa por ligeiros segundos, mas depois continuou a andar mesmo que arrebatada por ele.
Endora terminou de atravessar a rua e olhou para trás procurando-o na outra calçada, ainda sentindo seu peito arder pelo bonito garoto que viu. Contudo, não havia mais ninguém lá.