Ellison fechou a porta do escritório, exalando um suspiro cansado, mas se sentindo reconfortada pela breve conversa com o cliente. Caminhou até a sua mesa, onde uma pilha de papéis aguardava sua atenção, mas algo ali chamou sua atenção de um jeito diferente. Entre os documentos, o pequeno porta-retratos em que ela nunca havia prestado atenção o suficiente ultimamente parecia brilhar, como se a foto tivesse ganhado um novo significado naquele instante.
A imagem era de uma época que parecia pertencer a outra vida, uma memória de quando sua família era unida e feliz. Nela, seu avô Miguel sorria, abraçado à avó, a quem ele carinhosamente chamava de "mi vida." Eles pareciam tão cheios de vida, com os rostos iluminados por um amor que superava qualquer adversidade. Ao lado deles, estavam seus pais, abraçados e felizes, com Ellison, então apenas uma criança, risonha, segurando um caminhão de brinquedo nas mãos. Era seu primeiro caminhão, uma lembrança que seu avô lhe dera, representando o sonho que ele acreditava que sua neta realizaria um dia.
Os olhos de Ellison se encheram de lágrimas enquanto ela segurava o porta-retratos com as mãos trêmulas, sentindo um nó de saudade apertar o coração. Aquela foto representava pura felicidade, um momento capturado antes de toda a dor e do sofrimento que, anos depois, viriam a assombrar sua família. Ela fechou os olhos por um instante, deixando que as memórias do passado ressurgissem e a preenchessem com uma mistura de tristeza e revolta.
O culpado por aquela felicidade interrompida tinha nome e endereço: Baker Enterprise. Mais especificamente, o homem que hoje era o presidente da grandiosa Baker Enterprise, aquele empresário frio e arrogante que havia destruído a paz da sua família por completo. Nicolas Baker.
Dez anos haviam se passado desde aquele incidente, mas para Ellison, as lembranças eram tão nítidas quanto o próprio dia. O destino fora c***l quando seu avô, Miguel, passou m*l ao volante durante uma entrega de rotina. Ele havia sofrido um m*l-estar súbito, e o caminhão que dirigia colidiu com outro veículo carregado de materiais de construção. O veículo pertencia à Baker Enterprise, que na época ainda era uma construtora pequena, com apenas dois caminhões e poucos contratos. Aquela colisão parecia um incidente que poderia ser resolvido com diálogo e compreensão, mas acabou se tornando o pesadelo da vida deles.
Naquele dia, seu avô foi levado ao hospital às pressas e diagnosticado com um princípio de infarto. Miguel Dias, o homem que sempre trabalhara duro, nunca pensara em precisar de um seguro de saúde ou qualquer garantia, pois acreditava que sua saúde o acompanharia. Quando o pai de Ellison tentou negociar com o jovem dono da construtora, eles se depararam com um muro de intransigência e arrogância. O dono da Baker Construtora, ainda jovem, se mostrou inflexível e insensível, recusando qualquer possibilidade de acordo.
Com frieza, o empresário parecia não se importar com a situação delicada de Miguel e da família. Ao descobrir que tanto Miguel quanto o pai de Ellison eram imigrantes mexicanos, a postura do jovem dono da construtora Baker mudou. Ele começou a tratá-los com um desprezo evidente, insinuando que imigrantes ilegais eram perigosos, um estereótipo c***l e injusto que apenas aumentava o sofrimento da família. A cada encontro, a hostilidade aumentava. O pai de Ellison tentou argumentar com ele, explicando que sempre haviam sido trabalhadores honestos e que estavam dispostos a arcar com os prejuízos assim que tivessem condições. Mas cada palavra parecia inflamar ainda mais o preconceito que Nicolas Baker exibia, sem qualquer remorso.
Como último recurso, Nicolas acionou o Serviço de Imigração. Era um golpe impiedoso. Miguel, que estava ainda em recuperação e sem seguro, foi deportado logo após receber alta. Na época, a avó de Ellison lutava contra um câncer de mama. Ela estava em remissão e conseguiria um visto médico para acompanhá-lo, mas isso a obrigava a deixar para trás os filhos e Ellison, e, como uma mulher que havia passado a vida toda lutando e sonhando junto com Miguel, foi atrás dele. Já o pai de Ellison, por ser casado com uma americana, tinha o green card, mas isso não foi suficiente para impedir a dor da separação.
A deportação foi um golpe devastador para todos. Ellison ainda se lembrava das ligações do avô, a voz dele soando cada vez mais triste e resignada a cada chamada. A cada conversa, ele soava mais distante, como se um pedaço de sua alma estivesse se desfazendo pouco a pouco. Ele sempre tentava dizer a ela que estava bem, mas não conseguia esconder a tristeza que o consumia lentamente. As palavras dele eram cada vez mais apagadas, e os relatos sobre sua saúde decaíam. A cada ligação, a esperança ia murchando até desaparecer por completo.
Até que, um dia, a chamada que ninguém queria receber chegou. Um hospital no México informava a morte de Miguel. Sem ninguém ao seu lado, sem a família que ele tanto amava. Apenas uns meses depois, como se a vida não tivesse mais significado sem o amor de sua vida, a avó de Ellison também faleceu, consumida pela dor da perda e pela saudade insuportável. Aquela família feliz da fotografia, unida e sorridente, fora desfeita para sempre.
Ellison segurava o porta-retratos com força, a mão fechada ao redor da borda de madeira, sentindo a fúria e o desgosto crescerem em seu peito. Ela nunca havia esquecido. Cada dia que entrava naquele escritório e via a foto, a lembrança de tudo o que Nicolas Baker lhes fizera retornava com uma nova intensidade. Ela amaldiçoava aquele homem com toda a sua alma, e por mais que tentasse deixar o passado para trás, a mágoa permanecia.
A foto escorregou de seus dedos e ela a colocou de volta na mesa, mas não sem antes deslizar um dedo sobre o rosto do avô na imagem, como se estivesse tentando reconfortá-lo, como se pudesse dizer que ela nunca deixaria de honrar o que ele construíra.
Era por isso que se mantinha firme, cuidando da transportadora com dedicação e afinco. Mesmo que Baker Enterprise fosse hoje uma potência no mercado de construção, e Nicolas Baker um dos empresários mais ricos e influentes do país, ela sabia que tinha algo que ele nunca poderia comprar: a dignidade e a honra de uma família trabalhadora. Por mais que ele tivesse destruído sua felicidade, a memória do avô ainda era uma força viva que a movia.
Sentada à sua mesa, Ellison respirou fundo, reprimindo as lágrimas e recuperando a postura. Sentia que algum dia a justiça se faria, e aquele homem arrogante entenderia o preço de seu egoísmo. Até lá, ela continuaria seu trabalho, mantendo-se fiel aos ensinamentos do avô e ao legado da Transportadora Dias. Afinal, cada quilômetro percorrido nas estradas era uma homenagem silenciosa a Miguel, ao sonho que ele plantara e que ela continuava a cultivar com cada viagem, cada entrega e cada sorriso que oferecia aos clientes.