MARCO SALVATORI
"Pai de Jade"
....
O vidro da mesa de centro estilhaçou quando meu punho o atingiu com força. Meu peito subia e descia num ritmo frenético, o sangue fervendo em minhas veias. O maldito vídeo ainda estava na tela do meu celular, cada segundo daquela cena me incendiando por dentro.
Minha Jade.
Minha filha estava jogada no chão, os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar. O rosto sujo de lágrimas, os pulsos amarrados, a boca vedada para impedir qualquer súplica. O brilho de medo em seu olhar me atingiu como um tiro à queima-roupa.
Alguém teve a ousadia de encostar nela. De tocá-la. De machucá-la.
— Filho da p**a! — gritei, chutando a mesa ao meu lado, derrubando tudo no chão.
Senti uma presença atrás de mim, e quando me virei, lá estava ela, minha amante, com aquele olhar apreensivo, as mãos unidas na frente do corpo como se ponderasse se deveria ou não falar algo.
— Marco... precisa se acalmar. Não vai resolver nada assim.
Bufei. A raiva me cegava, me consumia. Ela achava que sabia de alguma coisa? Que entendia o que isso significava?
— Cala essa boca! — rosnei, passando as mãos pelos cabelos, tentando conter a explosão. — Eu quero essa cidade inteira vasculhada! Agora!
Meus seguranças se entreolharam e partiram apressados. Eles sabem o que acontece quando falham comigo.
Meu olhar se fixou em um único homem, aquele que deveria ter protegido Jade. O miserável que eu havia colocado ao lado dela para garantir que nada acontecesse.
Caminhei até ele com passos firmes, o peito inflado de fúria. Quando cheguei perto, apontei o dedo em sua cara.
— Se algo acontecer com a minha filha... se um único fio de cabelo dela for arrancado... vai ser você quem vai pagar.
Ele engoliu seco, assentindo rapidamente.
— Eu vou encontrá-la, senhor.
— Pro seu próprio bem, é melhor mesmo.
Ele se retirou apressado, e eu fiquei ali, sentindo a raiva vibrar em cada célula do meu corpo.
A mulher continuava me observando, e ao longe, minha esposa permanecia sentada à mesa, alheia ao caos que se desenrolava diante dela. Ela já não era mais capaz de reagir.
Me virei para minha amante, o olhar afiado.
— Vai dar o remédio para ela. Agora. Ela não pode ficar sã nesse momento.
Ela assentiu e saiu às pressas, os saltos ecoando pelo salão.
Voltei meus olhos para o celular e encarei novamente aquela mensagem.
"Chegou a hora de pagar por todos que você tirou, com sua princesinha."
A raiva transbordou. Meus dedos apertaram o aparelho com força, quase o quebrando.
Peguei o telefone e disquei um número. Eu sabia exatamente para quem ligar.
Assim que a voz do outro lado atendeu, não hesitei.
— É hora de acertarmos as contas. Preciso de todos os seus homens.
A ligação foi encerrada, e um sorriso sombrio se formou em meus lábios.
Alguém teve a ousadia de declarar guerra contra mim.
E agora... eu vou esmagá-lo.
....
JADE SALVATORI
"horas atrás"
...
Minha cabeça lateja. O gosto amargo do álcool ainda impregna minha boca, me lembrando do que ele fez. O desgraçado me dopou, me fez perder a consciência e sabe lá o que fez comigo.
Minha visão ainda está um pouco turva quando me levanto, nua, cambaleando até o espelho. Meu coração dispara. Vasculho minha pele, cada centímetro, tentando encontrar alguma mudança. Algo que me prove que ele passou dos limites. Mas nada. Apenas o desconforto, a incerteza.
Minhas mãos vão até minha cabeça, apertando os cabelos com força, tentando organizar o caos que se instalou dentro de mim. Isso não deveria estar acontecendo. Nada disso.
Se eu tivesse ficado em casa... se eu não tivesse saído escondida...
Fecho os olhos e praguejo baixinho. Mas é tarde demais para arrependimentos.
....
Momentos depois.
As cenas voltam à minha mente como um filme distorcido. O beijo feroz que ele tomou de mim. O toque dele, possessivo, quente demais. A forma como meu corpo reagiu. Deus... isso era tão errado.
Guto. Meu namorado. Ele não merecia isso. Não merecia que eu sentisse esse turbilhão dentro de mim por outro homem. Por um monstro.
Levo os dedos aos lábios, ainda inchados pelo beijo bruto. Meu peito sobe e desce rápido, minha excitação ainda latente. Meu coração martela no peito. Eu deveria odiar Dominick. Eu o odeio. Eu preciso odiá-lo.
Mas então por que meu corpo ainda treme ao lembrar?
— Ele me sequestrou. Me faz de refém. Eu não posso sentir isso! — murmuro, me amaldiçoando.
Forço-me a olhar para longe do espelho e encaro a mesinha. O lanche ainda está lá. Um sanduíche e um copo de suco. Meu estômago ronca alto, me lembrando de que não como há horas.
Sem pensar duas vezes, me apresso e começo a comer, faminta. Como se aquele pedaço de comida pudesse silenciar o caos dentro de mim.
....
Me sento na cama, puxando o travesseiro contra meu corpo, como se aquilo pudesse me proteger de tudo que estava acontecendo. Meus olhos correm pelo quarto, procurando uma saída, mas esse lugar parece uma maldita masmorra. Não há para onde correr.
As horas passam, lentas e sufocantes. O silêncio é quebrado pelo som da chave girando na fechadura. Meu coração dispara.
Ele entra.
Os cabelos molhados, roupas trocadas. Um novo perfume, fresco, masculino. Dominick era uma perdição ambulante. Minha mente me trai e, contra minha vontade, lembro dos seus toques. Do calor da sua pele. Do gosto do seu beijo. Fecho os olhos, me odiando por isso.
Ele se aproxima sem pressa e joga algo na cama.
— Trouxe roupa pra você. — Sua voz é rouca, carregada de algo que não decifro.
Meus olhos vão até os tecidos jogados ao meu lado, mas ele se distrai ao ver a bandeja vazia. O sanduíche desaparecido, o copo de suco vazio.
Ele sorri, aquele maldito sorriso de canto.
— Estava com fome. — Ele afirma, satisfeito.
Seguro as roupas com brutalidade, puxando-as para mim sem olhá-lo.
— Se você for boazinha, não vai precisar ficar trancada nesse quarto. — Ele diz, observando minha reação.
Minha cabeça ergue rápido.
— Vai me deixar sair? — Minha voz soa quase esperançosa.
Ele pressiona os lábios.
— Se você merecer, princesa. — Sua resposta vem carregada de cinismo.
Suspiro, tentando colocar minha mente no lugar. Tudo isso é um jogo e eu preciso aprender as regras rápido.
Ele se afasta em direção à porta. Meu peito aperta. Respiro fundo e solto antes que a coragem me abandone.
— Meu pai... — Minha voz falha, mas me forço a continuar. — O que o meu pai fez?
Dominick semicerra os olhos, estudando-me por um longo segundo.
— Só o que um monstro faria. — Sua voz sai fria, carregada de rancor.
Engulo seco.
— Tudo que você precisa saber... — Ele continua. — É que ele vai pagar.
Meu olhar desce para a roupa. Meus dedos tocam o tecido, sentindo a textura macia entre eles. Fecho os olhos por um segundo.
— Eu não tenho culpa. — Sussurro.
Levanto meu rosto e vejo quando ele suspira pesado. Algo em sua expressão oscila.
— Por que está fazendo isso comigo? — Minha voz é baixa, mas carrega um peso que nem eu entendo.
Ele me encara por um longo momento. Seus olhos me analisam, intensos, desconfiados. Sei que ele não acredita nessa minha súbita fraqueza.
Preciso encontrar uma forma de sair daqui. Nem que para isso eu precise jogar sujo.
Tomo coragem, meu coração socando meu peito. Me levanto e caminho até ele em passos suaves. Meu corpo inteiro grita para eu parar, mas ignoro.
Parei diante dele, tendo que erguer o queixo para olhá-lo. Ele é muito mais alto, forte. Uma muralha impossível de derrubar.
Respirei fundo.
— Eu mereço pagar por ele? — Minha voz sai baixa, hesitante.
Seus olhos escuros queimam os meus. Intensos. Vorazes. Potentes.
Meu corpo estremece sob seu olhar, e eu sei que acabei de cruzar uma linha perigosa.
— Por que eu? — Minha voz sai firme, desafiadora. — Por que me escolheu?
Dominick me olha sério, os olhos carregados de algo que não consigo decifrar de imediato.
— Você é esperta. Te subestimei, garota. — Sua voz é cortante.
Minha respiração trava. Meu peito sobe e desce rápido, como se meu corpo já antecipasse o perigo.
— Acha que vai me fazer sentir peninha? — Ele provoca, um meio sorriso brincando em seus lábios.
Minha mandíbula trava. Ele sabe o que está fazendo. Sabe como me provocar, como me desmontar. E odeio isso.
— Você sabe muito bem por que foi você. — Seu olhar pesa sobre mim. — O tesourinho do papai... A única coisa que faria aquele maldito homem cair!
Solto um suspiro nervoso quando ele agarra minha nuca com força. Um aperto bruto, firme, possessivo. E o pior? Meu corpo gosta disso.
Ele molha os lábios com a língua, os olhos escuros fixos nos meus.
— Você é boa! — Ele murmura, se aproximando mais, deixando minha respiração errática. — Muito boa no que faz.
Meus olhos se fecham. Meus lábios entreabrem, esperando. Eu sei o que vai acontecer. Sei o que ele quer. Sei o que eu quero, por mais que eu negue.
Mas, em vez do beijo, sinto apenas sua respiração quente contra minha pele. E então, um sorriso cínico.
— Mas não vai funcionar! — Sua voz baixa, carregada de escárnio, faz minha pele arrepiar.
Abro os olhos no exato momento em que ele se afasta. O calor do seu corpo se dissipa, e tudo que resta é o vazio. Ele sai sem olhar para trás.
Meu coração ainda está acelerado, mas minha decisão já está tomada.
Quando a porta se fecha, estreito os olhos e murmuro para mim mesma:
— É o que vamos ver.