Prólogo
Ela então gritou:
- É mentira! Uma grande e maldosa mentira!
No fundo Cecília alimentava a esperança de que pelo menos o que ela e Jake tinham pudesse sobreviver.
- Ceci, vamos nos acalmar por favor.
Jake dando um trago no cigarro observando como a chama o consumia. Para ele aquele momento era igualmente doloroso.
Essa conversa já era de se esperar há alguns meses. Mas Ceci não estava preparada para algo assim, nunca esteve.
Era fim de primavera, logo o verão chegaria e com ele os turistas, Cecília Alonso, simplesmente Ceci, ou ainda como algumas pessoas que a reconhecia nas ruas diziam, " a menina do Dinelli ", não se aguentava de ansiedade.
Admirada pelo seu talento impecável e no auge de seus vinte e cinco anos, Ceci amava os palcos e apesar de ter cursado três semestres da faculdade de literatura, foi no Teatro que ela realmente se descobriu. Além disso, Cecília era amante da noite, gostava de sair pelas ruas e observar as pessoas, as que cantavam numa mesinha de bar, as que dançavam com desconhecidos, as que recitavam poemas nas esquinas e as choravam sozinhas nos bancos das praças, e ela gostava de imaginar que choravam por algum amor.
Cecília gostava de música e de histórias, de café e de chuva. Um certo dia, ao abrir a janela de seu quarto ela chamou por Carolina:
- Amiga vamos dar uma volta de bicicleta, o dia está tão lindo. Carolina por sua vez se pôs a verificar :
- Mas está nublado, parece que chover Ceci. Respondeu ela confusa e Ceci deu um largo sorriso e disse :
- Exatamente.
Cecília tinha cabelos longos e ondulados cor de mel, olhos castanhos que mais pareciam amêndoas e uma pele num tom bronzeado natural. Tinha um jeito romântico urbano de se vestir, gostava de usar saias e vestidos com botas.
Havia crescido em Granada, localizada ao sul da Espanha, mas na adolescência resolveu arriscar se em Madri. Filha de uma artista plástica brasileira e de um homem que nunca conheceu, alguém que sua mãe sempre evita falar, mas o que se sabe é que ser pai era demais para ele.
- Como está a minha atriz favorita? Carolina entrou sorridente no camarim, era sua amiga mais antiga em Madri, era magra, cabelos na altura do ombro e loiros, olhos verdes e um sorriso sempre amistoso. O bom humor de Carol contagiava à todos, ela adorava assistir aos noticiários e apesar de estar no Teatro há alguns anos como atriz coadjuvante, seu maior sonho era ser médica como seu pai. Havia frequentado a faculdade de Medicina por dois semestres, mas desistiu quando sua mãe faleceu por conta de uma leucemia. Foram tempos difíceis para Carolina, mas também foi nessa época que Cecília a convidou para participar de uma peça no Dinelli e isso foi como uma terapia para ela naquele momento tão triste.
- Eu estou muito nervosa, como se fosse a primeira vez, toda temporada parece a primeira. Responde Cecília.
- Calma, vai dar tudo certo. Carolina tranquiliza a amiga dando lhe um abraço.
- Eu sei Carol! Vamos almoçar?
- Claro, estou faminta. Carol aperta a barriga de forma exagerada.
Havia um bistrô logo em frente ao Teatro Dinelli, precisamente na Calle de Cuchilleros, chamava se Bistrô L'amour, o local lembrava a Paris dos anos 60 e pertencia ao casal de franceses
Laura e Francis Lemont, eles viviam discordando de tudo porém, eram inseparáveis.
O Bistrô estava cheio, a maioria eram turistas e isso dava um ar diferente ao local pacato.
- Olá meninas, o de sempre? Perguntou Vivian, uma garçonete que trabalhava ali desde a inauguração.
- Sim, por favor! Carol é precisa em sua escolha.
- O meu também e um suco de frutas vermelhas. Elas sempre comiam risoto de salmão quando iam almoçar no L'amour e Vivian só perguntava por educação. Ela fazia um sinal para quem estivesse olhando pela boqueta e logo o prato chegava à mesa.
- Sabe Ceci, estava pensando em voltar para faculdade. Disse Carol limpando a boca com um guardanapo de pano.
- Acredito que minha aventura nos palcos está chegando ao fim, aliás eu já estou me preparando para tentar uma bolsa e você sabe perfeitamente.
Cecília solta o garfo e cruza os braços:
- Como é isso de chegando ao fim? Amiga por favor é o nosso sonho.
- Me desculpe, mas é o seu sonho Ceci. Eu sempre te disse que queria ser Médica, abandonei a faculdade e entrei nessa aventura com você. Foram bons anos, no entanto, essa vai ser minha última temporada.
Ceci não esconde a decepção, mas afirma:
- Amiga eu quero que seja feliz, como um dia você me apoiou hoje eu te apoio também. Cecília diz isso, pois sua maior fã sempre foi Carolina.
Naquela noite o Teatro Dinelli estava com o auditório totalmente ocupado, todos queriam ver a espetacular Ceci Alonso e suas performances.
A peça de maior sucesso era sobre uma cantora de Cabaré que se apaixona por um homem mais jovem, que Ceci executa com perfeição cada ato.
Quando as cortinas se abrem Ceci brilha como nunca, estava usando um vestido prateado, sua atuação foi esplendorosa e a dedicou a Carolina. Os aplausos era o que a alimentava, como ela gostava de ouvir as pessoas vibrando ao fim de cada apresentação.
No entanto, ela não pode deixar de notar que na primeira fila haviam dois homens que gesticulavam o tempo todo e apontavam em direção a ela.
Mas tarde no camarim, alguém bate na porta:
- Ceci querida, você está aí? Era Lorenzo, diretor da peça e dono do Dinelli.
- Entre por favor! Ela responde sentanda na penteadeira tirando os enormes brincos.
- Ceci quero que conheça Charlie Richardson e Dylan Carter, são produtores de cinema em Nova York.
- Muito prazer em conhecê-los! Ceci levanta da cadeira um pouco sem jeito e ainda tentando se livrar de um de seus brincos, estica a mão para cumprimentar o primeiro e logo o segundo homem.
Eram típicos americanos, olhos claros e usavam ternos, Charlie tinha os cabelos mais escuros num corte social, já Dylan tinha os seus cabelos mais cumpridos e encaracolados, um jeito informal apesar do terno e era muito mais jovem que Charlie.
- O prazer é nosso senhorita. Responde Dylan sorridente.
- Senhorita Cecília, viemos até aqui porque temos uma proposta que pode lhe interessar muito. Gostaria de saber se aceitaria jantar conosco para que eu possa lhe explicar melhor do que se trata. Aceitaria?
Ceci olhou para Lorenzo um pouco desconfiada e ele logo exclama:
- Vamos meu bem, eu vou acompanhá-los também. Disse tentando tranquiliza la.
Lorenzo Dinelli herdou o Teatro de seus avós, que foram grandes artistas e tinham criado o Teatro numa forma de ajudar artistas iniciantes e sem renda a divulgarem os seus trabalhos. O Teatro Dinelli se localizava na Plaza de la Cebada, era muito charmoso em seus tons de vermelho e dourado.
Depois que eles faleceram, Lorenzo deu continuidade a iniciativa dos avós, e em uma de suas andanças pelas noites de Madri em busca de talentos ocultos, descobriu Cecília, que reproduzia uma cena de Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo, em uma das mesas de um bar na Cava Baja.
Dali em diante ela virou a estrela principal de seu teatro e consequentemente grandes amigos, e então, Ceci aceita ir com os três para o tal jantar:
- Está certo, vou trocar de roupa e vamos.
O L'amour tocava uma música de Rita Pavonni e logo surge Vivian apressada:
- Boa noite. Disse entregando a cada um o menu, ela parecia exausta.
- Eu vou querer apenas uma salada e um suco de laranja Vivian. Diz Ceci tentando simplificar o trabalho da garçonete e deixando de lado o risoto de salmão, que para aquele horário seria mais demorado .
- E eu um quiche de frango somente. Se pôs a fazer o mesmo Lorenzo.
Os dois homens optaram por um frango grelhado com legumes e o vinho da casa. Vivian recolhe os cardápios e some para cozinha e passado algum tempo ela retorna com ajuda de um outro garçom trazendo os pedidos à mesa.
- Bom senhores ao que devemos esse jantar? Pergunta Cecília dando um gole em seu suco, Charlie fez o mesmo com o vinho e responde:
- Temos ouvido falar muito bem do seu trabalho e hoje podemos comprovar que tudo que falaram é realmente verdade.
- Estamos procurando uma atriz com seu perfil para atuar em nosso novo projeto de cinema. Completa Dylan.
- Cinema? Ceci se ajeita em sua cadeira demonstrando mais interesse.
- Sim, estamos fazendo os ajustes finais para começarmos a produção e seria muito bom se tivéssemos a sua colaboração. As filmagens vão acontecer aqui na Espanha, em Marbella para ser mais preciso. Continua Charlie.
- Aqui está o roteiro para que você possa dar uma olhada, pedimos que o leia com bastante atenção e depois pode nos dar uma resposta. Diz Dylan ao entregar uma pasta a Cecília.
- Lorenzo pode te orientar quanto a isso. Ele é seu representante certo? Pergunta ele com dúvida.
Ceci e Lorenzo olham confusos, isso nunca havia passado por suas cabeças.
- Sim ele é! Responde Ceci alguns segundos depois de pensar, Lorenzo arregalou os olhos com preocupação e afirma:
- Nós vamos ler tudo com calma e logo daremos uma resposta.
- Por favor sejam breves, pois temos prazos a cumprir. Diz Charlie cortando o seu frango.
- Claro! Fiquem tranquilos. Ceci responde enquanto folheava os papéis.
Pouco depois os homens se despendem:
- Nós vemos em dois ou três dias senhorita. Charlie aperta a mão de Ceci e em seguida a de Lorenzo.
- Assim espero! Consentiu ela e Dylan apenas sorri com canto da boca para Ceci. Os dois homens entram em um táxi e se vão.
- E o que acontece agora? Pergunta Lorenzo encarando a pasta com os papéis.
- Acho que deveríamos aceitar. Ele responde a própria pergunta, enquanto Ceci ainda procurava digerir aquela conversa.
O sol já havia aparecido e Cecília continua a revisar os papéis, o roteiro era sobre um amor de verão em que o casal teria que superar suas diferenças para poder ficarem juntos.
- Cecília por Deus, você ainda não dormiu? Surge Carolina na porta da sala, ela já havia passado metade da noite tentando convencer a amiga a aceitar a oportunidade.
As duas dividiam um apartamento no bairro de La Latina, local simples de dois quartos, uma pequena cozinha e uma sala um pouco mais ampla. Também havia uma varanda aonde elas tinham algumas plantas, o lugar era pequeno, mas aconchegante. As paredes num verde Tiffany dava um certo glamour.
- Cecília você têm que aceitar o papel, é sua grande chance. Argumenta Carol sentando em uma das cadeiras.
- A verdade é que nunca me imaginei fora do teatro, não sei se consigo. Ceci tinha um olhar de criança.
- Você é talentosa, está na hora de pensar grande ou você quer passar a vida inteira interpretando os mesmos personagens para as mesmas pessoas? Você é mais que isso amiga. O mundo precisa te conhecer.
- Eu não tinha pensado por esse lado. Talvez meu medo seja esse, de as coisas nunca mais serem as mesmas. Concordo que eu me acostumei a ser Lila, Aurora e todas as outras mulheres que Lorenzo criou. Quer saber Carol? Você têm razão. Ceci salta da cadeira.
- Vou falar com Lorenzo! Grita ela já em outro cômodo da casa.
No caminho ao Dinelli, Ceci desejou voltar no tempo, desejou ser de novo a garota que só queria se divertir. Porém, havia chegado a hora de crescer. Ela dá um longo suspiro.
- Entre! Lorenzo responde ao toc-toc da porta.
- Bom dia manager? Cecília entra timidamente em seu escritório.
Lorenzo tirou os óculos e passou a mão nos seus escuros cabelos tentando alinha -los.
- Olá Ceci, tão cedo por aqui?
- Nem sequer pude dormir Lore. Ceci diz se jogando em uma poltrona.
- É uma grande oportunidade querida, você deve aceitar. Lorenzo tira de uma gaveta uma caixinha de gomas de mascar e isso significava que ele estava um pouco desconfortável.
- Mas como ficará o Teatro? Estamos no começo da temporada Lorenzo. Questiona ela.
- Podemos falar com Charlie sobre isso, tenho certeza que ele irá dar um jeito para que você possa terminar a temporada. Além do mais, temos a Carolina que sabe todas as falas da peça, ela poderia te substituir se fosse o caso. Lorenzo tenta amenizar a situação.
Cecília lembrou da conversa que teve com Carolina no L'amour e pensa que não seria justo com ela, Carol queria dar outro rumo a sua vida.
- Vamos aceitar, porém na condição que eu termine a temporada e você seja o meu manager. Cecília diz isso simulando bater o martelo como nos tribunais.
- Certo, eu posso deixar o Dinelli a cargo da mamãe, ela ama esse lugar. Diz Lorenzo, Isabella Dinelli mãe de Lorenzo, era a figurinista do Teatro desde que seus pais ainda eram vivos. Ela conhecia o Dinelli como a palma da mão, passou toda sua infância entre aquelas paredes.
- Então é isso! Confirma Ceci e os dois apertam as mãos e sorriem.