Narradora POV
– ...eu quero uma luta justa e limpa, toquem as luvas!
O árbitro da luta foi bem incisivo ao explicar as regras daquela luta, mas Eros não precisava mais ouvir nada. Estava tão acostumado com o MMA quanto com o hábito de beber água.
O oponente em sua frente era um cara alto, n***o, cabeça raspada e tatuagens bem assustadoras, mas ele não conseguia nem mesmo sentir a adrenalina de estar em uma luta importante com um adversário imponente.
Sua mente não estava no octógono.
– Lutem!
O árbitro gritou levantando a mão, e do lado de fora do ringue estava Sophie que observava tudo com um leve torpor de quem nunca esteve em um lugar como aquele e a latente curiosidade para saber o motivo da aparência séria de Eros naquele momento.
Mesmo depois da coletiva de imprensa ele ainda estava sorridente e fazendo piadinhas mas agora parecia que outra pessoa tinha tomado o lugar dele.
O que havia acontecido no aquecimento?
Seus pensamentos não tinham muito espaço para atuação pois ao seu lado estava uma bancada de narradores e tudo o que ela mais queria era sair de perto deles, mas não pôde.
– Hoje é uma luta especialíssima! Temos no corner vermelho, Hades o invicto e no corner azul o Imperador!
Um deles - gordinho e um tanto calvo - bradou em alegria ao poder narrar uma luta tão importante quanto aquela em um estádio enorme e lotado daquele jeito.
– É meu amigo, a temporada de lutas começou com chave de ouro com esses dois campeões!
Respondeu o outro - de bigode interessante e claramente um ex lutador - em uma sintonia eletrizante com a plateia que parecia estar toda a favor de Hades, ou melhor, Eros.
– Hades entrou com tudo nessa temporada apresentando a nova namorada para sua multidão de fãs, isso pode significar uma virada de chave na carreira dele?
Perguntou o narrador gordinho chamando brevemente a atenção de Sophie para aquela conversa que até então lhe era irrelevante.
– Com certeza, nunca vi esse menino dar um único ponto sem nó desde que ele estreiou!
Disse o de bigode e a garota voltou seus olhos para o octógono onde o árbitro levantou a mão e, como um relâmpago, Eros agarrou as pernas do oponente o fazendo desequilibrar.
– E começa a luta- Wow! Hades já vai para cima do Imperador com tudo!
O gordinho riu apontando e tentando achar uma posição melhor para entender quais técnicas os dois lutadores estavam utilizando.
Sophie prendeu a respiração, ela sabia uma coisa aqui e outra alí sobre luta por ser policial, mas ver algo assim tão de perto era muito diferente do que assistir pela TV. Principalmente quando se trata de alguém que você conhece.
– Aposto que o imperador não estava esperando por esse clinch!
Comentou o de bigode alegremente, não era todo dia em que se via um início de luta tão interessante.
– Definitivamente ele está abordando uma técnica totalmente diferente de sua habitual. Lutas no solo não são para qualquer um não!
Rebateu o outro fazendo Sophie querer roer a pele dos dedos em expectativa.
Ele era invicto, certo? Não tinha como ele perder mesmo fora de sua zona de conforto, certo?
Uma derrota arruinaria o início da temporada e isso significaria muitos fãs furiosos colocando toda a culpa nela por ter distraído ele de alguma forma.
– Ah, mas estamos falando do Hades. Não importa a abordagem, ele sempre dá um jeito de alcançar o cinturão!
Agora ela nem mesmo sabia quem é que estava falando, só se concentrava na maneira que aqueles dois lutadores se remexiam no chão do octógono.
Mesmo sendo bem difícil de identificar o que Eros estava tentando fazer, ela soube exatamente que a luta já estava ganha quando viu o grego entrelaçar as pernas na cintura do oponente e fechar um chave de braço perfeita fazendo o outro bater no chão desistindo.
– Foram exatos cinquenta segundos de luta! Um novo recorde do invicto!
Os narradores estavam em polvorosa, a multidão gritava incessantemente o nome fantasia de Eros e o mesmo comemorou como sempre fazia, tentando mostrar ao povo que nada mudou, nada estava fora do lugar.
Mas Sophie conseguia ver algo que mais ninguém alí estava vendo.
E antes que ela pudesse se levantar para voltar ao camarim, alguém da equipe puxou ela para dentro do octógono enquanto o resultado da luta estava sendo anunciado.
– O que- O que vocês estão fazendo?!
Ela murmurou para Simon que a empurrava mais para perto de Eros que estava ofegante, suado e seus músculos pareciam tão furiosos que rasgariam a blusa que ele usava a qualquer momento.
– Você é a namorada dele. Tem que ficar lá!
Disse o agente e ela mesma quis se estapear.
Óbvio que isso ia acontecer, como ela achou que ficaria apenas naquela exposição da coletiva, das páginas de fofoca e dos noticiários?
Sophie POV
Estava bem próxima de Eros ao ver o árbitro levantar sua mão anunciando no microfone que ele era campeão por knockout técnico, alguém trazer uma medalha para colocar em seu pescoço e um repórter chegar às pressas para entrevistá-lo.
Ele parecia bem alheio, como se estivesse e não estivesse alí ao mesmo tempo.
Algo me dizia que ele estava diferente mas eu não conseguia decifrar o porquê.
Contudo, ao reparar na minha presença, ele me deu um meio sorriso cansado e estendeu sua mão para mim, me puxando para ficar abraçada ao corpo dele enquanto ele dava a entrevista.
Aquilo me pegou de surpresa, as pessoas nos observavam e apontavam para nós, e de repente parecia que tudo se tratava daquele momento alí.
Não conseguia pensar em mais nada, nem mesmo prestei atenção no que o repórter estava perguntando, só conseguia sentir o corpo dele quase que em chamas de tão quente.
Sua respiração era forte e pesada de cansaço, seu coração batendo acelerado contra meu rosto e eu não sabia o que sentir.
Ele cheirava a suor e seu perfume, perfume esse que certamente já estava tatuado em meu cérebro pois ninguém cheirava como Eros.
Na verdade, ninguém cheirava, soava, sorria, andava, seduzia e convencia como Eros. Ele era único. One in a million.
Ouvi risadas, a multidão gritando o nome dele, flashes sendo disparados em nossa direção, mas apenas fechei meus olhos o abraçando de volta.
Eu queria que essa fosse a minha vida de verdade.
Me peguei pensando naquilo.
E se um homem como Eros fosse realmente capaz de amar alguém como eu?
E se eu fosse realmente tudo isso que estava fingindo ser agora?
Meu coração se enchia na mesma medida que se esvaziava ao lembrar que nada disso me pertencia.
Esse lugar não era meu.
Em algum tempo, meses ou anos não sei, Eros vai se casar com uma modelo de corpo perfeito e vai ter filhos perfeitos e se aposentar com a carreira perfeita que ele parece trabalhar arduamente para manter.
E eu vou voltar a minha antiga vida, rondando com a viatura, dando bronca em bêbados, prendendo ladrões de padaria e registrando boletins de ocorrência. Para então voltar para casa, cuidar de Nora, tomar um ansiolítico qualquer e dormir m*l.
Eram mundos tão diferentes que eu nem mesmo me dava a mera possibilidade de pensar sobre aquilo com outros olhos.
Mas Eros, que parecia pensar somente no agora, se despediu do repórter, me conduziu para fora do ringue e tirou a medalha de seu pescoço passando para o meu.
Me assustei com aquele seu gesto e com o peso daquela medalha. Ele apenas riu.
– Já te disse, não disse? O que eu quero, eu consigo. Não faça essa cara de preocupação.
Ele tocou com o indicador no meio das minhas sobrancelhas que eu nem sabia que estavam franzidas e eu quis responder algo, mas o que exatamente eu diria?
Como ele sabia que eu estava preocupada com o seu sucesso nessa luta?
– Aconteceu alguma coisa?
Perguntei mesmo assim seguindo ele para dentro do camarim onde ele não hesitou em tirar suas roupas, me fazendo virar de costas rapidamente com um pouco de raiva por ele não ter me avisado que faria isso.
Eros era o típico caso de gente que não tem uma única célula de vergonha dentro do corpo, mas eu - ao extremo contrário dele - não conseguia lidar com essa necessidade dele de ficar sem roupas.
– Um problema de família, vou sair para resolver isso. Simon vai te deixar no hotel.
Explicou calmamente e eu queria estar olhando bem dentro dos olhos dele para poder respondê-lo, mas não sabia se ele já estava devidamente vestido para isso.
– Hotel? Espera, por que não posso voltar ao Grécia?
Perguntei me lembrando bem de que nossas bagagens e a minha gata ainda estavam lá.
E por que dormir em um hotel quando claramente ainda tínhamos onde dormir?
Escutei alguns barulhos atrás de mim e ousei olhar por cima de meu ombro acabando por achar ele já em uma cueca de marca cara.
Eu não sei o nome, mas sei que é cara porque ele não usa nada barato nunca.
– Chamamos atenção demais hoje, vai ficar impossível de entrar lá. Minha equipe vai buscar nossas coisas enquanto eu estou fora.
Explicou puxando uma calça jeans de uma das bolsas que seu assessor tinha trazido para ele.
A explicação era até muito válida. Se quase não conseguimos sair por causa dos repórteres e fãs mais cedo, agora estaria impossível de acessar o prédio por qualquer entrada.
– E a Nora? Como ela vai ficar?
Me lembrei da minha gatinha.
Ela não estranharia ninguém, já que já foi de rua uma vez, então tudo estava sempre bom para ela. Mas eu me sentia culpada em ter deixado ela para trás.
– Daphne vai cuidar dela, ela ama animais, não se preocupe com isso.
Mordi meu lábio pensativa, não queria ter que sair daqui, nem ter que seguir ele para lugar algum, nem mesmo deixar Nora com ninguém, mas não me restavam muitas escolhas.
Notando meu ato, ele ajeitou a braguilha da calça e suspirou como um ponto final para aquela conversa.
E pensar que todos lá fora acham que somos um casal apaixonado.
– Eu tenho que ir com você, a investigação não acabou.
Reacendi o tópico principal da conversa e ele ergueu seus olhos para mim como se me censurasse.
– Não tem nada para ser investigado lá, Sophie.
Ditou de maneira simplista enquanto vestia uma camisa cinza bem colada, acho que era de uma marca conhecida também. Tinha uma letra "D" no meio do peito, o que me faz perceber que preciso me lembrar de pesquisar mais sobre marcas famosas depois se eu quiser acompanhá-lo.
– Mesmo assim eu preciso ir.
Insisti vendo ele jogar uma jaqueta por cima de tudo e recolocar os óculos escuros.
Não parecia o mesmo Eros alto-astral e extrovertido com o qual eu já estava acostumada.
– Faça o que quiser, só peço que releve tudo o que minha família disser, por favor.
Disse ele colocando uma mão sobre meu ombro.
O que exatamente ele queria dizer com isso?
[...]
Contrariando minhas expectativas, acabamos chegando em um hospital após uma viagem longa de um silêncio interminável.
O hospital era luxuoso, parecia um shopping center e as máquinas de café tinham café ilimitado de vários tipos e de graça.
Isso para a minha mente de pobre era demais para processar.
Mas o motivo principal de estarmos alí ainda não era claro e isso me deixava cada vez mais angustiada.
Havia acontecido alguma coisa com os pais de Eros? Ou com os tios?
Naquele momento eu nunca poderia imaginar o que realmente se passava naquela família. Nem de longe.
– Eros! Que bom que chegou!
Escutei seu tio Carlo exclamar quando o resto da família estavam todos sentados em um silêncio muito parecido com o que veio conosco dentro do carro de Eros.
– Como ele está?
A voz baixa e grave do lutador apenas refletia que ele não dava a mínima para a vitória que havia acabado de conquistar.
Ele se deixou ser abraçado pelo tio e foi até os pais beijando a mão dos dois, algo que parecia ser cultural dele, então nem mesmo me ative a esse detalhe.
Carlo me olhou como se quisesse muito comentar do nosso namoro repentino, mas se manteve quieto devido a situação, ele era um cara fácil de ler. Estava na cara que se pudesse ele estaria falando sobre isso agora.
– Você sabe, muitas dores e teve febre alta hoje cedo.
Dimitri disse em um murmúrio grave, sua voz parecia um pouco com a de Eros, mas era bem mais grave.
Marie estava com a cabeça recostada em seu peito como se não quisesse nem mesmo falar.
Quem estava doente? O gêmeo de Dimitri? Ou Linux? Ou outro possível parente que eu ainda não conheço?
– Esse é o normal dele.
Eros comentou em um riso sofrido, então seu pai suspirou assentindo.
– Sim, mas ele começou a vomitar de dor, então decidimos trazê-lo.
A voz de Marie era um fiapo naquele momento. Isso me fez perceber que realmente se tratava de Linux, já que aquele era claramente o estado de uma mãe em sofrimento pelo filho.
Me aproximei um pouco mais deles e apenas acenei com a mão com medo de ser desrespeitosa naquele momento difícil mas, me surpreendendo, Dimitri e Marie sorriram amenos para mim.
– Como vai, querida? Espero que Eros esteja te tratando bem.
Marie limpou o rosto com as costas das mãos sem que eu ao menos conseguisse chegar a ver suas lágrimas e me chamou para um abraço.
Aceitei aquele abraço de bom grado me sentindo até mesmo uma sanguessuga por ter me sentido tão mais revigorada após aquele gesto.
Não era o momento de me consolarem, e sim o contrário.
– Não se preocupe com isso. Como está Linux? É algum tipo de virose?
Perguntei apostando na opção de que era Linux quem estava internado, então todos me olharam um pouco surpresos mas foi a própria Marie quem quebrou o silêncio.
– Eros, por que você não vai com seu pai e seu tio verem o Linux enquanto eu converso com a Sophie?
Sugeriu ela.
Eros POV
Ao entrar naquele quarto de hospital, o melhor que o plano de saúde que eu pagava poderia oferecer ao meu irmão, eu senti meu estômago embrulhar ao que o cheiro de antisséptico invadiu minhas narinas como um soco bem dado.
Aquele som bem conhecido dos aparelhos e o frio característico de um quarto hospitalar, tudo me dava náuseas em um dejavú físico das coisas que eu mais queria esquecer.
– Linux...
Vi o rosto de maçãs e testa avermelhados de meu irmão, em suas narinas aquele tubinho de oxigênio, e ao lado de sua cama uma bolsa que eu bem já conhecia. Ele estava de sonda mais uma vez.
– Aderfaki!
Sua voz estava rouca, mas eu podia claramente entender seu grego que sempre foi muito melhor do que o meu.
Seus olhos se iluminaram ao me ver e eu corri até sua cama e o abracei me encolhendo em seus braços como se eu fosse o doente.
– O médico disse que...
Meu pai tentava dizer algo mas sua voz estava embargada, travada na garganta que parecia estar cheia de espinhos assim como a minha.
– Ele disse que a doença voltou a atacar meus rins e que dessa vez provavelmente eu vou precisar de transplante ou hemodiálise mais uma vez.
Linux foi quem deu a notícia com uma voz tranquila demais para quem estava com uma doença como aquela.
Não... não...
Passei as mãos pelos braços dele, meus olhos se embotando de lágrimas.
– Mas você estava bem! Os médicos não tinham dito que os tratamentos com os imunossupressores estavam dando certo?!
Afoito, busquei uma resposta em seus olhos escuros e ele sorriu tristonho.
– Eu não queria atrapalhar sua carreira.
Aquele comentário fez minhas mãos caírem em meu colo.
– Você mentiu?
Sophie POV
Lúpus eritematoso sistêmico.
Foi esse nome que Marie me deu. Um nome que não constava nos registros médicos de Linux, mas que ela foi verdadeira o suficiente para dizer que eles pagaram para apagar tudo de negativo sobre os meninos.
Doenças crônicas, neurodivergências, apenas deixando as coisas mais básicas.
Exceto para Eros. Ela não me disse o motivo e eu não quis pressioná-la mais do que ela já estava.
– Depois do estresse do sequestro... Linux, ele...
Os olhos sempre vividos e desafiantes da mãe de Eros pareceram perder o brilho ao falar daquilo.
O que realmente aconteceu naquele dia?