Eros POV
– Isso não é muito justo com ela.
Meu irmão dizia com uma calma invejável enquanto uma enfermeira verificava sua sonda.
Fiz uma careta dolorida não gostando nem mesmo de pensar em como ele deveria estar se sentindo agora.
Mas pelo visto ele estava bem já que estava conseguindo se preocupar com a vida alheia.
– E desde quando alguma coisa é justa quando se trata de nós?
Rebati desviando meus olhos daquela cena para minhas próprias mãos.
Preferia não ter que ver uma enfermeira mexendo em um tubo enfiado bem nos genitais do meu irmão mais novo.
– Nossa família é uma coisa, Sophie não tem nada a ver com isso.
Disse ele com um suspiro sôfrego e eu estalei a língua.
– Não tinha nada a ver. Agora ela é praticamente uma de nós.
Gesticulei lembrando a ele de que agora não tinha mais nada que se pudesse fazer.
Uma vez que a mídia te expõe você não pode mais voltar atrás.
Sua risadinha atraiu meu olhar percebendo que a enfermeira já estava fazendo outra coisa, o que me fez reparar que eu estava prendendo a respiração desde que ela começou com os procedimentos.
– Acorda pra vida, Niko. Você está colocando aquela garota em perigo!
Apontou inquisitivo e eu passei minhas mãos por meu rosto.
Eu já não tinha coisas demais para pensar?
Sophie estava bem, estava comigo. Não havia lugar mais seguro para ela do que aquele agora.
– Mas agora o mundo já sabe que eu estou com ela, se eu simplesmente deixá-la ir eles vão...
Tentei explicar, mas acabei me lembrando das duas últimas garotas com quem me relacionei de verdade, sem ser encontrinhos casuais de uma única noite.
Não poderia permitir que Sophie tivesse o mesmo fim. Ela não merecia sofrer por uma maldição que eu carregava.
Mas meu irmão parecia discordar totalmente.
Mesmo com a palidez de sua doença e sua óbvia fraqueza ele continuava firme em sua opinião.
– Ela é policial, consegue se virar.
Ditou friamente. Nessas horas ele me lembrava muito o papai. Era como ouvi-lo falando.
Quase ri. Como aquela garota poderia dar conta desses bandidos sozinha?
Ela é sozinha no país, só tem uma gata que adotou e uma nescessaire cheia de remédios pra depressão. Ela não tinha ninguém além de mim agora.
Eu sabia que tudo isso era culpa minha, que era para eu ter alertado ela sobre tudo, mas mesmo que ela soubesse, Sophie nunca daria o braço a torcer. Nunca deixaria a investigação de lado só por causa de algo que eu disse.
Isso me fazia querer rir. Nem mesmo se um outdoor na frente dela piscando e dizendo perigo aparecesse ela iria se livrar da ideia de me colocar na cadeia.
– A Sophie? Linux, ela é literalmente a pessoa mais inofensiva que eu já conheci na vida!
Dei um riso nervoso. Gostaria que Sophie fosse tão perigosa e matadora quanto minha mãe, mas a realidade é outra.
Ela mesma nunca quis ser delegada, como uma policial assim poderia se defender disso?
– Ela me prendeu e me ameaçou com uma arma, mas tenho certeza de que ela nunca seria capaz de dar um único tiro.
Expliquei brincando com os meus polegares.
– E por que você diz isso sorrindo? Isso era para ser bem preocupante.
Meu irmão franziu a testa e eu só ri mais ainda passando meus dedos por minhas sobrancelhas e depois cobrindo minha própria boca tentando deixar de sorrir ao pensar naquela gordinha que agora devia estar no hotel catando mais informações sobre mim.
Ela e a Nora eram quase que a mesma persona.
Arisca quando provocada mas mansa quando acariciada. Ela era completamente inofensiva.
– Tem razão, é só que...
Tentei desvincular minha mente daquele pensamento, tentei encobrir meus lábios idiotas que só faziam sorrir, mas logo fui pego pela sagacidade de Linux.
– Você gosta dela, né?
Me calei. Ele suspendeu uma de suas sobrancelhas que se destacou sobre seu óculos.
– Não precisa admitir se isso te deixa mais confortável, mas eu sei que sim.
Desviou seu olhar do meu e eu fiz o mesmo.
– Ela precisa ser protegida, Linux. E se quer saber, ela está perfeitamente protegida comigo agora.
Sophie POV
– Oi, vovô...
Acenei feliz ao ver o rosto redondinho e enrugado pelo tempo de meu avô.
Seus traços ditavam o quão bonito ele foi na juventude. Um boiadeiro ruivo boa pinta.
– Minha linda estrela... como você está?
Sorriu para mim ainda tentando entender se olhava para câmera ou para a tela para poder falar comigo e eu ri daquele detalhe bobo.
– Estou bem, tentando me adaptar com essa vida de celebridade, mas estou bem.
Confessei tentando me concentrar nas coisas boas que tinham me ocorrido durante esses dias ao lado de Eros - mesmo que fossem escassas - para não acabar transparecendo a preocupação em meu rosto.
– Bom, todo relacionamento tem um preço, querida. Pelo visto, o preço do seu é esse.
Disse o velhinho em minha tela atraindo mais minha atenção para aquela conversa.
Um preço?
– O seu e o da vovó também tinha um?
Tentei desviar um pouco do tópico "namorado". Não sei se conseguiria me manter neutra falando com o vovô, ele sempre conseguia arrancar de mim mesmo os meus mais profundos segredos.
– Mas é claro! O pai dela era um fazendeiro muito m*l encarado, tinha sete filhos mas apenas ela de menina.
Disse rindo, como se (muito provavelmente) não tivesse sofrido bastante por causa disso na época.
– Acho que já sei onde essa história termina.
Cocei minha nuca e vi meu avô rir e dar um gole em sua caneca que com certeza possuía café. Ele não bebia outra coisa sem ser café e água.
– Depois de levar pelo menos umas duas surras de cinto e trabalhar para ele por muito tempo, eu consegui me casar com minha doce Lottie.
Sorriu brilhante como se o dia de seu casamento tivesse sido ontem.
E ao ouvir falar sobre o passado dele, percebi que alguns flashes de câmeras e alguns bandidos na minha cola talvez não fossem tão ruins assim.
– Isso faz com que meu problema pareça bem menor agora, vovô.
Ri um pouco envergonhada.
– Faz, não é? Ondas grandes sempre batem rasas quando chegam em nossos pés, minha estrelinha.
Bem, eu não podia dizer que sabia do que ele estava falando naquele momento, mas saberia futuramente.
– Como está o Sam?
Tentei mudar o assunto que estava pendendo lentamente para a minha vida mais uma vez, ele pareceu perceber, mas não me censurou. Ele nunca o fazia.
– Ah, você sabe. Se recusando a entrar em uma faculdade e ainda trabalhando comigo. Acho que vou deixar o Sammy ser fazendeiro mesmo, já que é o que ele quer.
Vi ele dar de ombros e escutei um resmungar característico do meu irmão ao fundo da chamada de vídeo, e mesmo com vontade de rir eu suspirei.
– Insiste mais um pouquinho, vovô. Ele não pode viver para sempre enfurnado em chiqueiros e milharais.
Pedi quase que em um murmúrio como se isso fizesse Sam não escutar a nossa conversa.
– Nem todo mundo almeja ser alpinista social, Sophie.
Escutei a resposta malcriada de Sam e o vovô fez uma cara feia em sua direção.
– Samuel Welsh! Isso são modos de falar com sua irmã?!
Vovô o repreendeu e eu me encolhi na cadeira confortável do hotel.
Não podia desmenti-lo, dizer que eu estava com Eros por causa de um acordo, não podia falar sobre as pessoas m*l intencionadas sobre mim, não podia contar a verdade sobre a investigação. O que eu poderia fazer além de aceitar aquilo?
– Alpinismo social? Me parece um termo muito refinado para um caipira...
A voz de Eros quase me fez cair da cadeira e encarei ele primeiro pela tela do computador onde ele aparecia atrás de mim e depois me virei para vê-lo. Ele ainda estava com a etiqueta de visita do hospital onde Linux estava internado em sua blusa.
Seus olhos verdes brilhavam intensamente apesar da tristeza que eu sabia que ele estava sentindo por ter ido visitar o irmão.
Contudo, o que ele havia dito não podia e nem dava para ser ignorado.
– Eros!
Exclamei em repreensão ao ver Sam aparecer na chamada de vídeo com uma expressão de poucos amigos e ao mesmo tempo surpresa. Talvez porque - assim como eu - ele não sabia que Eros estava escutando aquela conversa, ou porque estava vendo uma celebridade "de perto" pela primeira vez, não sei.
Vovô, em contrapartida, deu uma gargalhada sincera e acenou para o homem que permanecia atrás de mim como um espírito obsessor quase me fazendo ter calafrios.
Quem havia pedido para ele me defender?
– Dessa vez você não tem nem como contestar, Sammy. Você é mesmo um caipira.
Disse vovô acabando com o pouco da petulância que ainda sobrava no rosto sardento do meu irmão.
Samuel tinha cabelo ruivo escuro, sardas pelo rosto iguais as minhas e seus olhos eram castanhos. Mas ao contrário de mim, ele tinha um corpo esguio pelo trabalho constante na roça e uma pele queimada pelo sol.
– Prazer em conhecê-los, eu sou Eros Zervas. Namorado da Sophie.
Eros se apresentou como aquele seu sorriso formal e enquanto isso eu encarava ele como uma aberração.
Ele estava mesmo querendo se comprometer ao ponto de se apresentar para os meus parentes mais próximos?
Uma coisa é ele conhecer o meu pai, já que nossos pais eram amigos, mas meu irmão e meu avô eram quase que... quase que sagrados para mim.
Ao contrário do que eu pensava que os dois do outro lado da chamada falariam, primeiro Sam disse:
– Você não tá com a minha irmã pra tirar vantagem dela, né? Não é só pra te livrar da cadeia, né?! Se for isso eu vou aí te arrebentar e eu não quero nem saber se você é atleta ou o caralh-
Vovô interrompeu o discurso de ódio do meu irmão o empurrando para longe e sorriu amigável.
– Eu sou Finnick, mas pode me chamar de vovô Finn. É um prazer finalmente falar com você, garoto.
Que papo era aquele? Por que parecia que eu era a única sã entre eles?
– Minha próxima luta é na Escócia, gostaria de vê-los lá, se não for muito incômodo.
Me surpreendendo mais ainda, Eros disse e Sammy voltou ao nosso campo de visão mas agora com os olhos arregalados.
– Espera, aquela luta que você vai enfrentar o Destruidor?!
Eros acenou que sim e meu irmão pareceu automaticamente se tornar outra pessoa.
Acho que já citei isso, mas nós crescemos assistindo luta com o vovô, então ver uma ao vivo para uma pessoa como nós era praticamente um sonho.
– Você não tem que fazer isso, Eros. O vovô dorme cedo e o Sam acabou de te insultar...
Comentei baixinho mas sabia que eles me ouviriam de toda forma.
Agora se agachando ao meu lado Eros sorriu e deixou um beijo em minha bochecha.
– Eles parecem bem com isso. Não é, gente?
Tanto Sam quanto o vovô concordaram e eu respirei fundo percebendo que era uma causa perdida negar.
– Tudo bem. Eu vou pedir para enviarem as informações para vocês, okay? Se cuidem, por favor.
Quase implorei sabendo o quão displicente era Sammy com sua vida e vovô com a própria saúde.
– Você também querida, Deus te abençoe.
Encerrei a chamada de vídeo e empurrei minha cadeira para longe de Eros cruzando os meus braços irritadiça.
Ele me encarou confuso.
– O que foi? Fiz algo errado?
Perguntou atônito se erguendo lentamente como se eu fosse atacá-lo a qualquer instante.
De fato eu gostaria, mas sabia que não era uma boa ideia entrar no soco com um atleta do nível dele.
– Esse relacionamento é falso, Eros! Você não tem nenhuma obrigação de fazer isso!
Estava irritada, ele estava se expondo, envolvendo minha família, colocando todos em perigo e por qual motivo? Capricho? Massagear seu ego enorme?
– Do que você está falando? O que faz do nosso relacionamento falso? Falta de toque? Falta de sentimento, porque se for...-
Interrompi seu discurso já entendendo qual caminho ele tomaria.
Eros é muito impulsivo, ele faria de tudo para manter nosso status quo intacto, mesmo que isso implicasse começar um relacionamento de verdade.
E quando eu digo relacionamento de verdade eu queria dizer com beijos, toques, sentimentos, compromisso. Ele sabia disso. Sabia muito bem.
Que raiva! Que raiva eu sentia quando Eros fazia isso!
Por que ele simplesmente não podia sentir as coisas como uma pessoa normal?
Será que eu era tão pessimista assim ao ponto de achar que ele estava beirando a insanidade sem nem mesmo perceber?
– Sua luta nem era na Escócia! Você vai mudar um evento de nível mundial de lugar como?! Não tá vendo que isso é absurdo?!
Me levantei indo em direção a ele voltando para o assunto principal e apontei para o computador onde apenas poucos segundos atrás ele estava mentindo para a minha família.
Pode até não significar nada para ele, mas para mim era tudo o que eu tinha.
– Sophie, ser eu significa-
Tentou explicar aquela baboseira toda novamente com aquele sorrisinho falso que nunca me enganava. Então eu o interrompi.
– Não! Não me vem com essa história de ser famoso e seus custos, benefícios e toda essa merda! Você não é a sua fama, Eros!
Com minhas duas mãos eu empurrei seu peito vendo ele nem mesmo sair do lugar, mas seu sorriso murchou.
Finalmente. Pensei.
– À quem você está tentando enganar?! Por que você finge ser algo que não é?!
Eu estava com tanta raiva, tanta raiva dele, daquelas mentiras, daquelas pessoas que fizeram m*l à ele e o transformaram nisso que eu estava finalmente transbordando.
Todo o estresse acumulado desde o momento da minha promoção até agora transbordando ao ponto de eu socar o peito dele com meus olhos ardendo em lágrimas que não faziam sentido.
Não faziam sentido porque eu tinha certeza que tinha tomado meus remédios e também por ser ele a pessoa apanhando e não eu.
Não fazia sentido eu me comover tanto por um suspeito de tráfico.
– Delegada...
Tentou me parar como se eu nem mesmo estivesse encostando nele, que dirá o socando.
Ele segurou meus pulsos acima de meu rosto e olhou para o chão cabisbaixo, seu sorriso que parecia sempre infinito, finalmente sumindo de seu rosto.
Senti uma pontada no peito.
Tomara que seja infarto.
Não aguentaria ter que lidar com a realidade de estar sentindo pena de um criminoso. Ou um possível criminoso.
Decidi então que colocaria fim à tormenta.
– Eros, olha bem para mim. Eu sei das drogas, tá legal?
Disse em um suspiro e ele deu um risinho frouxo ainda sem me encarar.
– Eu já disse que não tenho nada a ver com aquilo...
Tentou se explicar fechando os olhos cansados então eu sacudi meus pulsos fazendo ele perceber que eu ainda não estava calma. Não ficaria calma, não enquanto eu não dissesse tudo.
– Não as da boate. Tô falando da heroína.
Ao ouvir aquilo eu vi ele empalidecer e seus olhos arregalados se erguerem para me encarar em puro pânico. Agora as mãos que seguravam meus pulsos tremiam.
Sua boca abria e fechava em choque, hesitando milhões de vezes até que saísse algum som.
– Espera, como você... não, eu... isso não era para estar acontecendo...
Me soltando, dando passos para trás e olhando em volta como se ele fosse o culpado de eu ter descoberto aquilo, como se ele tivesse vacilado em algo ou em algum momento para que eu descobrisse seu maior segredo.
– Eu tô limpo! Eu não... Sophie...
Ele bradou, seus olhos se enchendo de lágrimas me fazendo perceber que eu finalmente estava diante do verdadeiro Eros.
Me aproximei, toquei em seus ombros vi suas lágrimas escorrerem pelo seu belo rosto, aos poucos seu peito subir e descer em soluços e seus ombros caírem em tristeza.
– Eu acredito.
Comentei baixinho o abraçando e sentindo ele perder as forças de pouquinho em pouquinho nos levando a ficar abraçados e sentados no chão.
Anos de sentimentos reprimidos pareciam ter se rompido como uma represa d'água fazendo ele chorar como uma criança em meus braços.
– Está tudo bem, Eros. Eu acredito em você.
Acariciei seus cabelos recém cortados e ele enfiou seu rosto em meu peito me abraçando com força como se eu estivesse tentando escapar dele.
– Ninguém... nunca- nunca... acredita.
Ele soluçava, se agarrava em meu pijama e eu percebi que ele estava tendo uma crise ansiosa, então segurei em seu rosto e o trouxe para perto do meu.
– Já disse que acredito em você. Agora respira, por favor.
Seu rosto estava todo vermelho, inchado, lágrimas caindo em abundância sobre sua camisa.
Eu não sei o que ocorreu em minha mente, não sei se achei que isso melhoraria sua crise ou se simplesmente foi uma vontade egoísta minha naquele momento, mas puxei ele com minhas mãos em suas bochechas e deixei nossos lábios se tocarem em um beijo quase que infantil.
Ficamos alguns segundos assim, mas o choque foi forte o suficiente para que Eros parasse de chorar. Claro que sua respiração não havia voltado ao normal, nem mesmo sua crise tinha passado, mas agora ele tinha parado de chorar.
E me surpreendendo mais ainda, ao que nos afastamos brevemente, ele leva suas duas mãos à minha nuca atacando meus lábios ferozmente.