A destinada

1018 Words
Talvez aquele fosse o momento mais complicado de todas as nossas vidas e eu não me sentia minimamente preparada para enfrentá-lo. — Não sou capaz de escolher a quem dar este castigo, mas também não há nada que eu possa fazer para eximi-las disso! O que seu pai fez está feito. Precisamos agora saber onde ele está! — mamãe anunciou retirando-se do cômodo com sua costumeira capacidade de se esgueirar de problemas como aquele e se preocupar com outros que fugiam do nosso poder. Sentadas diante da lareira na nossa pequena sala, que precisou ser reacendida para nos acomodar, por mais que fosse verão, a notícia tinha nos enregelado até a alma. Nós três nos entreolhamos e soubemos que a decisão difícil ficaria por nossa conta. Uma de nós teria que ir. Uma de nós receberia aquela sentença c***l de se casar com um homem desconhecido, e duas de nós sofreria de mãos atadas vendo a outra partir. — Eu irei! — Ana disse quando as palavras nos faltaram. — Irá para cama, isto sim! — contestei bagunçando seus cabelos lisinhos e finos. — Você só tem quinze anos, não sabe nada sobre a vida. Como lidará com um casamento? — E tu, sabes? — teimou em ar de desdém fechando uma carranca. — Tivemos as mesmas experiências e a falta delas também. Pode até ser mais velha do que eu, mas também não é nada vivida. Repeti sua careta como se fôssemos um reflexo no espelho, o que não deixava de ser uma meia verdade, uma vez que éramos muito parecidas, as três, como se usassem três espelhos com graus e formas diferentes. Todas tínhamos um pouco dos traços portugueses de papai, como o formato do nariz mais pontudo. As duas primeiras mulheres dele, a mãe de Ágata e a minha, eram pretas e por isso éramos o meio termo de ambos, desde o tom de pele mais chocolate, os lábios carnudos, até os cabelos mais crespos e escuros. Ágata era a mais alta de nós e também mais robusta e corpulenta. Ana era a mais clara de todas, branca e de pele rosada como ambos os genitores, e tinha os longos e lisos cabelos ruivos de mamãe, laranjas como labaredas de fogo. Minha aparência era ainda um meio termo, a transição, para comprovar que eu era a filha do meio, sem dúvida alguma. Nem a mais baixa nem a mais alta, nem a mais corpulenta nem a mais magricela, nem a dos cabelos finos nem a dos fios mais grossos. Apenas o meio do caminho entre uma e outra. A ponte, como papai costumava dizer. — Quem deve ir sou eu! — Ágata disse com convicção, sem querer encontrar nossos olhares. — Sou a mais velha, devo fazer isso. — Mas e Pedro? — perguntei imediatamente vendo sua coragem se esvaecer no mesmo instante. Ana acenou diversas vezes. — Exatamente! Vocês se amam! Nossa irmã meneou a cabeça e deu de ombros, como se não tivesse certeza de nada. — Mas ele não me pediu em casamento até então. — Ele o fará! — respondi alcançando sua mão. — Tenho certeza de que o pedido está por vir. — Não temos tempo para esperar, Agnes! — lamentou melancólica. — Lorde John nos deu um prazo de uma semana. Uma semana e uma de nós terá que se tornar a nova lady Prince. Engoli aquelas palavras a seco, sentindo meu estômago ronronar de medo e ansiedade. — Certamente que devo fazer isso! — Ágata completou, decidida. — E tudo bem, eu ficarei bem. Não é a pior coisa que poderia nos acontecer. Pelo menos a fazenda não nos será tomada e o papai está bem, apesar de desaparecido. Devemos resolver um problema por vez. Ana e eu nos olhamos. Sabíamos que se acatássemos, Ágata não voltaria com sua palavra. Ela se casaria com o desconhecido pelo bem de toda a família, honrando seu posto de filha mais velha e se sacrificando por nós, irmãs mais novas. Mas a história não era tão simples, e não só porque se tratava de um homem desconhecido e de outra região, mas também porque minha irmã era apaixonada por outro homem, e era correspondida. Se a vida fosse c***l e justa a ponto de lhe dar um amor unilateral, a solução mais viável seria que ela aceitasse o casamento e tentasse se livrar dos sentimentos não correspondidos, porém a realidade era outra, mais dolorida. Ágata não deveria fazer aquilo e Ana era jovem demais. Parecia-me um sacrifício perfeito para a filha do meio, mas eu hesitei. Temerosa, não consegui me voluntariar mesmo que minhas irmãs já tivessem se oferecido. Dormimos naquela noite com a certeza de que Ágata iria para o Monte do Corvo após se casar com o filho de lorde John Prince. Porém, em minha cabeça, um sinal ressoava como se me alertasse que as coisas não deveriam ser daquele jeito, que eu não poderia comprometer a felicidade da minha irmã por conta dos meus medos. Naquela madrugada em claro, sob a luz dos meus próprios pensamentos, questionei-me sobre a minha contribuição para a família Garcia. Ágata era a mais gentil, determinada e firme, sem ela a fazenda iria à ruína facilmente. Ana tinha tamanha esperteza e astúcia que inspirava a qualquer pessoa, tirá-la dali precocemente influenciaria na alegria de toda a casa, mamãe com certeza adoeceria com sua ausência. No entanto, não havia dúvidas de que minhas duas irmãs saberiam lidar com aquele casamento, se não soubesse cooperar como Ágata, imperaria como Ana. Mas a filha do meio não tinha vindo com todos esses atributos. Ah, parecia mais que eu havia herdado os defeitos e fraquezas dos meus pais. E vivendo acomodada pelas atitudes das minhas irmãs, nunca me preocupei em construir a minha própria função, delimitar a minha coragem. Talvez aquela fosse a hora. Se eu não servisse para lutar, serviria para os sacrifícios. Pela manhã, antes que iniciássemos o assunto que rodeava nossas mentes, anunciei que aquela seria a minha tarefa. A filha Garcia destinada a se casar com o filho de lorde John seria eu.
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