floresta, as ruínas silenciosas da vila.
Existe uma lenda sobre o motivo daquele local fascinante e melancólico
estar deserto, que eu contarei no momento oportuno.
Devo dizer que o g***o que formava os habitantes de nosso castelo
era muito pequeno. Não estou incluindo os criados, ou os dependentes que ocupam
quartos nos edifícios adjacentes ao schloss. Ouçam, e espantem-se! Meu pai, o
homem mais gentil da terra, mas envelhecendo; e eu, que na época da minha
história, tinha somente dezenove anos. Passaram-se oito anos desde então.
Eu e meu pai constituíamos a família do schloss. Minha mãe, uma dama
estíria, morreu quando eu era um bebê, mas eu tinha uma governanta gentil, que
estava comigo, posso quase dizer, desde minha infância. Não consigo me lembrar
de um tempo quando seu rosto gordo e benevolente não fosse uma imagem
familiar em minha memória.
Ela era Madame Perrodon, uma nativa de Berna, cujos cuidados e boa
natureza compensavam em parte a perda de minha mãe, de quem nem mesmo me
lembro, tão jovem era quando a perdi. Ela era o terceiro m****o do nosso
pequeno g***o na hora do jantar. Havia um quarto, Mademoiselle De Lafontaine,
que era, como creio que vocês a chamariam, uma "instrutora de etiqueta". Ela
falava francês e alemão, Madame Perrodon falava francês e um inglês r**m, ao
que meu pai e eu acrescentávamos o inglês, que falávamos todos os dias, em parte
para impedir que ele se tornasse uma língua perdida entre nós, e em parte por
motivos patrióticos. O resultado era uma Babel, da qual os estranhos costumavam
rir, e que não tentarei reproduzir nesta narrativa. Havia, além disso, duas ou três
jovens damas nossas amigas, aproximadamente da minha idadve, que nos visitavam
ocasionalmente, por períodos mais ou menos longos; visitas essas que eu às vezes
retribuía.
Esses eram nossos recursos sociais regulares; mas é claro que havia
visitas ocasionais de "vizinhos" que moravam a apenas cinco ou seis léguas de
distância. Mesmo assim, minha vida dificilmente era solitária, posso assegurar.
Minhas governantas tinham tanto controle sobre mim quanto se
poderia esperar que pessoas tão sábias tivessem sobre uma garota bastante
mimada, cujo pai satisfazia quase todos os desejos.
O primeiro acontecimento que produziu uma impressão terrível sobre
minha mente, que, na verdade, nunca foi apagada, foi também um dos primeiros
incidentes de que posso me recordar. Algumas pessoas vão achá-lo tão trivial que
não deveria ser registrado aqui. Entretanto, logo verão por que eu o menciono. O berçário, como era chamado, embora fosse todo meu, era um quarto grande no
andar superior do castelo, com piso de carvalho. Eu não devia ter mais de seis
anos quando acordei uma noite, e, olhando para o quarto, não consegui ver a
criada. Minha ama também não estava lá, e achei que estivesse sozinha. Não
fiquei com medo, pois era uma daquelas afortunadas crianças que são
deliberadamente isoladas das histórias de fantasmas, contos de fadas, e histórias
que nos fazem cobrir a cabeça quando as portas rangem de repente, ou quando o
tremeluzir de uma vela que se apaga faz uma sombra dançar na parede, mais
perto dos nossos rostos. Fiquei aborrecida e insultada por me encontrar, como
considerei, negligenciada, e comecei a choramingar, me preparando para chorar
vigorosamente, quando, para minha surpresa, vi um rosto solene, mas muito
bonito, olhando para mim do lado da cama. Era o rosto de uma jovem, que estava
ajoelhada com as mãos sob o cobertor. Olhei para ela com uma espécie de
surpresa agradável, e parei de choramingar. Ela me acariciou com as mãos, deitou-
se ao meu lado na cama, e me abraçou, sorrindo. Senti imediatamente uma calma
deliciosa, e adormeci novamente. Fui despertada pela sensação de que duas
agulhas estavam se enterrado profundamente em meu peito, e gritei. A jovem se
afastou, com os olhos fixos em mim, então deslizou para o chão e, como pensei, se
escondeu debaixo da cama.
Então, pela primeira vez, tive medo, e gritei com toda a força. Aia,
criada, governanta, todas entraram correndo, e, ao ouvir minha história, não Ihe
deram importância, enquanto me acalmavam o melhor que podiam. Mas, criança
como eu era, podia perceber que seus rostos estavam pálidos, eles nem
deram importância, enquanto me acalmavam o melhor que podiam. Mas, criança
como eu era, podia perceber que seus rostos estavam pálidos e tinham uma
aparência de ansiedade, e os vi procurarem embaixo da cama, e pelo quarto, e
olharem sob mesas e abrir armários. A governanta sussurrou para a criada:
"Coloque a mão naquela depressão na cama, alguém se deitou ali, com toda a
certeza. O lugar ainda está quente".
Lembro-me da criada me acariciando, e dos três examinando meu
peito, onde eu disse ter sentido a pontada, e dizendo que não havia sinal visível
de que algo tivesse acontecido.
A governanta e as outras duas criadas responsáveis pelo berçário
continuaram comigo toda a noite, e a partir daquele momento, uma criada sempre
ficava no quarto comigo, até eu fazer catorze anos.
Muito tempo depois disso, fiquei muito nervosa. Um médico foi
pálido e idoso. Como me lembro bem de seu longo rosto
chamado. Ele
saturnino, levemente marcado pela varíola, e de sua peruca castanha. Por um
longo tempo, a cada dois dias, ele vinha e me dava um remédio, que eu odiava, é
claro.
Na manhã depois que vi a aparição eu estava aterrorizada, e não
podia suportar ser deixada sozinha nem por um momento, embora fosse de dia.
Lembro-me de meu pai vindo e ficando ao lado da cama, conversando
alegremente, fazendo várias perguntas à aia, e rindo alegremente de uma das
respostas; me dando tapinhas no ombro, me beijando, e dizendo para que eu não
tivesse medo, que aquilo não fora nada mais do que um sonho e que não poderia
me ferir.
Mas não me senti confortada, pois sabia que a visita da mulher
estranha não fora um sonho; e eu estava com muito medo.
Fiquei um pouco consolada pela criada me assegurando que fora ela
que havia entrado e se deitado comigo na cama, e que eu devia ainda estar meio
adormecida para não reconhecê-la. Mas aquilo, apesar de confirmado pela criada,
não me satisfez totalmente.
Lembrei-me, durante aquele dia, de um venerável ancião, de batina
negra, vindo até o quarto com a criada e a governanta, conversando um pouco
com elas, e falando gentilmente comigo. Seu rosto era muito doce e gentil, e ele
me disse que eles iriam rezar, me fez juntar as mãos, e queria que eu dissesse,
gentilmente, enquanto eles rezavam, "Senhor, ouça todas as boas preces por nós,
pelo amor de Jesus". Acho que essas eram as palavras exatas, pois eu as repeti
muitas vezes para mim mesma, e minha aia costumava me fazer repeti-las em
minhas orações.
Lembro-me muito bem do doce e pensativo rosto daquele ancião de
cabelos brancos, com sua batina n***a, de pé naquele quarto rude, espaçoso e
marrom, rodeado pela desajeitada mobília de trezentos anos, e da luz fraca que
penetrava naquela atmosfera sombria pela pequena grade.
.
.
.
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.
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.
.
II
Uma convidada
Agora vou contar algo tão estranho que exigirá toda a fé em minha
veracidade para acreditar. Mesmo assim, não só é verdade, mas uma verdade da
qual fui testemunha ocular.
Era uma agradável tarde de verão, e meu pai me pediu, como fazia às
vezes, para caminhar um pouco com ele naquela linda floresta que eu mencionei
haver em frente do schloss.
- O General Spielsdorf não poderá vir tão cedo quanto eu esperava -
disse meu pai, enquanto caminhávamos.
Ele deveria vir nos visitar por algumas semanas, e esperávamos que
chegasse no dia seguinte. Ele deveria trazer consigo uma jovem dama, sua
sobrinha e protegida, Mademoiselle Rheinfeldt, que eu nunca vira, mas que ouvira
ser descrita como uma moça muito encantadora, e em cuja companhia eu esperava
passar muitos dias felizes. Fiquei mais desapontada do que uma jovem dama da
cidade, ou de uma vizinhança agitada, poderia imaginar. Essa visita, e a nova
relação que prometia, havia alimentado meus devaneios por muitas semanas.
- E quando ele deve vir? – perguntei.
- Não até o outono. Não por dois meses, me arrisco a dizer - ele
respondeu.
- E agora fico muito feliz, minha querida, que você não tenha
conhecido Mademoiselle Rheinfeldt.
-E por quê? - perguntei, ao mesmo tempo mortificada e curiosa.
- Porque a p***e jovem está morta - ele respondeu. – Esqueci que não
havia Ihe contado, mas você não estava na sala quando recebi a carta do General
esta manhã.
Fiquei profundamente chocada. O General Spielsdorf havia mencionado
na sua primeira carta, seis ou sete semanas antes, que ela não estava tão bem
quando ele desejaria, mas não havia nada para sugerir a mais remota suspeita de
perigo.
Aqui está a carta do General - ele disse, entregando-a para mim. -
Temo que ele esteja muito aflito. A carta me parece ter sido escrita de modo
muito distraído.
Sentamos-nos em um banco rústico, sob um g***o de magníficas
limeiras. O ol estava se pondo com todo seu melancólico esplendor atrás do
horizonte do bosque, e o regato fluía ao lado de nosso lar, e passava sob a velha
ponte que mencionei, serpenteando sob muitos grupos de nobres árvores, quase
aos nossos pés, refletindo o rubro desvaneceste do céu. A carta do General
Spielsdorf era tão extraordinária, tão veemente, e em alguns pontos tão
contraditória que a li duas vezes, a segunda em voz alta, para meu pai, e ainda
assim não fui capaz de explica-la, exceto supondo que a dor havia perturbado sua
mente. Ela dizia:
Perdi minha filha querida, pois a amava com
se o fosse. Durante os últimos dias da doença da querida
Bertha não pude escrever.
Antes disso, não tinha ideia do perigo que
ela corria, Eu a perdi, e ggora sei de tudo, tarde demais. Ela morreu na paz da inocência, e na esperança gloriosa de
um futuro abençoado. Foi o demônio que traiu nossa
hospitalidade que causou tudo isso. Eu achei estar
casa inocência, alegria,
companhia adorável para minha querida Bertha. Céus!
recebendo
em minha
uma
Como fui t**o!
Agradeço a Deus por minha filha ter morrido
sem suspeitar da causa de seu sofrimento. Ela se foi sem
nem mesmo imaginar a natureza de sua doença, e a paixão
maldita do agente de toda essa miséria. Devotarei meus
dias restantes a encontrar e extinguir um monstro.
Disseram-me que posso ter esperança de realizar esse
objetivo justo e misericordioso. No momento há muito
pouca luz para me orientar. Amaldiçoo minha tola
incredulidade,
minha
lamentável
afetação
de
superioridade, minha cegueira, minha obstinação... tudo...
tarde demais. Não posso escrever ou falar coerentemente
neste momento. Estou perturbado. Assim que tiver me
recuperado um pouco, pretendo me dedicar por algum
tempo a pesquisar, o que pode me levar até Viena. Em
algum momento do outono, dois meses a partir de agora,
ou antes, se eu viver, irei vê-lo isto é, se me permitir.
Então contarei a você tudo o que não ouso colocar agora
no papel. Adeus. Reze por mim, caro amigo.
.
.
.
.
.
A estranha carta se encerrava nestes termos. Embora nunca tivesse
visto Bertha Rheinfeldt, meus olhos se encheram de lágrimas com aquela notícia
repentina. Fiquei perturbada, além de profundamente desapontada.
O sol estava se pondo, e era crepúsculo quando devolvi a carta do
General para meu pai.
Era uma noite clara, e caminhamos mais, especulando sobre os
possíveis significados das violentas e incoerentes sentenças que eu acabara de ler.
Precisávamos caminhar quase uma milha antes de chegar à estrada que passa na
frente do schloss, e naquele momento a lua brilhava intensamente. Na ponte
levadica, encontramos Madame Perrodon e Mademoiselle De Lafontaine,que
haviam saído, sem seus chapéus, para aproveitar o maravilhoso luar.
Elas estavam engajadas em uma animada conversa quando nos
aproximamos.Juntamos-nos a elas na ponte, e nos voltamos para admirar a linda
cena.
À nossa frente estava a clareira pela qual havíamos acabado de
passar. À nossa esquerda, a estreita estrada serpenteava sob grupos de árvores
de aparência nobre, e desaparecia de vista dentro da floresta. À direita, a mesma
estrada cruza a íngreme e pitoresca ponte, perto da qual fica uma torre em ruínas,
que um dia guardara aquela passagem. E, além da ponte, o terreno se eleva
abruptamente, recoberto com árvores, e exibe nas sombras algumas rochas
cinzentas cobertas de hera.
Além do relvado e terrenos baixos, uma fina camada de névoa se
deslocava como fumaça, marcando as distâncias com um véu transparente; e aqui
e ali podíamos ver o rio brilhando fracamente sob o luar.
Não se poderia imaginar uma cena mais doce e agradável.A notícia
que eu acabara de receber a tornara melancólica; mas nada poderia perturbar seu
caráter de profunda serenidade, e a glória e imprecisão mágicas do panorama.
Eu e meu pai, que apreciava o pitoresco, ficamos olhando em silêncio
para a vastidão abaixo de nós. As duas boas governantas, de pé um pouco atrás de
nós, discursavam sobre a cena e sobre a lua.
Madame Perrodon era gorda, de meia-idade, romântica, e falava e
suspirava poeticamente. Mademoiselle De Lafontaine, fazendo jus a seu pai
alemão e se considerando psicológica, metafisica e um pouco mística, afirmou que
a lua estava brilhando com uma luz muito intensa, o que se sabia ser indicação de
atividades espirituais especiais.Aquele brilho da lua cheia tinha muitos efeitos.
cmzentas cobertas ue mel d.
Além do relvado e terrenos baixos, uma fina camada de névoa se
deslocava como fumaça, marcando as distâncias com um véu transparente; e aqui
e ali podíamos ver o rio brilhando fracamente sob o luar.
Não se poderia imaginar uma cena mais doce e agradável. A notícia
que eu acabara de receber a tornara melancólica; mas nada poderia perturbar seu
caráter de profunda serenidade, e a glória e imprecisão mágicas do panorama.
Eu e meu pai, que apreciava o pitoresco, ficamos olhando em silêncio
para a vastidão abaixo de nós. As duas boas governantas, de pé um pouco atrás de
nós, discursavam sobre a cena e sobre a lua.
Madame Perrodon era gorda,de meia-idade, romântica, e falava e
suspirava poeticamente.Mademoiselle De Lafontaine, fazendo jus a seu pai
alemão e se considerando psicológica, metafísica e um pouco mística, afirmou que
a lua estava brilhando com uma luz muito intensa, o que se sabia ser indicação de
atividades espirituais especiais. Aquele brilho da lua cheia tinha muitos efeitr
11/83
Ele agia sobre os sonhos, sobre a insanidade, sobre pessoas nervosas,e tinha
maravilhosas influências fisicas ligadas à vida.Mademoiselle contou que seu
primo, que era oficial em um navio mercante, depois de adormecer no tombadilho
em uma noite como aquela, deitado de costas, com o rosto completamente
exposto à luz da lua, sonhara que uma velha mulher arranhava seu rosto, acordara
com o rosto horrivelmente distorcido para um lado, e nunca se recuperara
totalmente.
- A lua esta noite - ela disse - está cheia de influências idílicas e
magnéticas. E vejam,____olharem para trás verão como todas as janelas da frente
do schloss brilham e reluzem com um esplendor prateado, como se mãos invisíveis
tivessem iluminado os quartos para receber fadas.
Existem estados indolentes de espírito nos quais, quando não estamos
dispostos nós mesmos___falar, a conversa dos outros é agradável aos nossos
ouvidos desatentos.Continuei olhando, achando o som da conversa das senhoras
agradável.
- Estou deprimido esta noite - disse meu pai, depois de um silêncio. E,
citando Shakespeare, que, para mantermos nosso inglês, ele costumava ler em voz
alta,disse:
- “Na verdade não sei por que estou tão triste. Isso me fatiga: você
diz que isso fatiga você; mas como fiquei assim, como o encontrei".Não me lembro
do resto. Mas sinto_____um grande infortúnio pesa sobre nós. Suponho que a carta
do p***e General tenha algo a ver com isso.
Naquele momento, nossa atencão foi atraída pelo som incomum das
rodas de uma carruagem e de muitos cavalos na estrada.
Eles pareciam estar se aproximando pelo terreno elevado além da
ponte, e logo a equipagem surgiu daquele ponto. Primeiro, dois cavaleiros
atravessaram a ponte, e depois uma carruagem puxada por quatro cavalos, com
mais______homens cavalgando atrás.
Parecia ser a carruagem de alguém de posição, e logo ficamos todos
absorvidos em assistir aquele incomum espetáculo. Ele logo se tornou muito mais
interessante, pois assim_____a carruagem passou pelo meio da ponte, um dos
cavalos se assustou com alguma coisa, e comunicou seu pânico aos demais, e,
depois de um ou dois puxões, toda a parelha começou a galopar furiosamente,
disparando por entre os cavaleiros que iam à frente, vindo em nossa direção pela
estrada com a velocidade de um furacão.
A excitação da cena foi tornada mais dolorosa pelos gritos claros e
longos de uma voz feminina vinda da janela da carruagem.
Todos avançamos com curiosidade e horror. Eu, em silêncio, e o resto
com várias expressões de terror.
Nosso suspense não durou muito. Na rota por onde eles vinham, há, do
lado da estrada, pouco antes da ponte levadica do castelo, uma magnífica limeira,
e do outro, uma antiga cruz de pedra à vista da qual os cavalos, que agora vinham
a uma velocidade aterradora, desviaram-se e fizeram as rodas atingirem as raízes
da árvore.
Eu sabia o que ia acontecer. Cobri os olhos, incapaz de olhar, e virei o
rosto para o outro lado; no mesmo momento ouvi minhas amigas, que haviam
avançado um pouco, gritarem.
A curiosidade me fez abrir os olhos, e o que vi foi uma cena de
completa confusão. Dois dos cavalos estavam no chão, a carruagem estava
tombada,com duas rodas para o alto; os homens estavam ocupados removendo os
escombros, e uma dama com ar e figura de autoridade havia saído da carruagem,
e estava de pé com as mãos unidas, de vez em quando enxugando os olhos com o
lenço que segurava.
Uma jovem dama, que parecia morta, estava sendo retirada pela
porta da carruagem. Meu querido velho pai já estava ao lado da senhora mais
velha, com o chapéu nas mãos, evidentemente oferecendo ajuda e os recursos do
schloss. A dama parecia não estar ouvindo, nem ter olhos para nada além da moça
esguia que estava sendo colocada contra uma inclinação do terreno.
Aproximei-me; a jovem dama parecia estar atordoada, mas
certamente não estava morta. Meu pai, que se considerava um pouco médico, já
estava tomando seu pulso e garantiu à dama, que declarou ser mãe da moça, que
o pulso, apesar de fraco e irregular, sem dúvida ainda estava presente. A dama
apertou as mãos e olhou para os céus, como se em um arrebatamento
momentâneo de gratidão; mas imediatamente retomou os modos teatrais que,
acredito, são naturais a algumas pessoas.
Ela era o que se chama uma mulher de boa aparência para a idade, e
devia ter sido bela; era alta, mas não magra, estava vestida de veludo n***o, e
era muito pálida, mas tinha uma aparência de orgulho e autoridade, embora
naquele momento estivesse muito agitada.
- Quem poderia ter sido destinada a tantas calamidades?-a ouvi
dizer, com as mãos unidas, quando me aproximei. - Aqui estou, em uma jornada de
vida ou morte, na qual perder uma hora pode fazer a diferença. Quem sabe
quando minha filha terá se recuperado o bastante para retomar a viagem. Devo
deixá-la:não posso, não ouso, me atrasar. Pode me dizer, senhor, a que distância
fica a vila mais próxima? Devo deixá-la lá; e não devo ver minha querida, ou
mesmo saber dela, até meu retorno, daqui a três meses.
Puxei o casaco de meu pai, e sussurrei ansiosa em seu ouvido: - Oh,
Papai! Por favor, peça para que ela fique conosco.Isso seria tão agradável.Por
favor.
-Se Madame confiar sua filha aos cuidados de minha filha e de sua boa
governanta, Madame Perrodon, e permitir que ela fique aqui como nossa
convidada, sob minha responsabilidade, até seu retorno, considerarei isso uma
distinção e honra para nós, e a trataremos com todo o cuidado e devoção que uma
confianca tão sagrada merece.
-Não poderia fazer isso, senhor, seria abusar muito cruelmente de sua
gentileza e cavalheirismo- disse a dama, distraída.
- Pelo contrário, seria nos conceder uma grande gentileza no momento
em que mais precisamos dela.Minha filha acaba de ser desapontada por um c***l
infortúnio, em uma visita que ela considerava lhe trazer muita alegria. Seria um
grande consolo para ela se confiasse esta jovem dama a nossos cuidados. A vila
mais próxima em seu caminho fica distante, e não tem uma estalagem na qual a
senhora poderia considerar deixar sua filha; a senhora n******e permitir que ela
continue a viagem por nenhuma distância considerável sem correr perigo. Se,
como diz, n******e interromper a viagem, deve se separar dela esta noite,e em
lugar nenhum poderia encontrar garantias mais honestas de cuidado e gentileza
do que aqui.
Havia algo no ar, aparência e modos daquela dama que era tão
distinto,e até mesmo imponente, muito diferente da dignidade da sua equipagem,
que garantia que ela era uma pessoa de importância.
Então, a carruagem já havia sido endireitada, e os cavalos, muito mais
calmos, já estavam atrelados novamente.
A dama lançou rapidamente um olhar para a filha que, imaginei,não
era tão afetuoso quanto se poderia esperar pelo começo da cena; então olhou
rapidamente para meu pai, e se afastou dois ou três passos com ele, fora do
alcance da audição; e falou com ele com um olhar fixo e severo, de modo muito
diferente do que havia falado até então.
Fiquei surpresa por meu pai ter parecido não notar a mudança, e
também incrivelmente curiosa para saber o que ela estava dizendo, quase em seu
ouvido, com tanta ansiedade e rapidez.
Creio que isso durou dois ou três minutos, e então ela se voltou, e com
poucos passos retornou para onde estava sua filha, apoiada por Madame
Perrodon. Ela ajoelhou-se ao seu lado por um momento e sussurrou,como
Madame supôs, uma pequena bênção em seu ouvido; então, beijando-a
apressadamente,subiu na crruagem, a porta foi fechada, os criados nas librés
luxuosas subiram na parte de trás, os batedores avancaram, os condutores soaram
os chicotes, os cavalos avançaram e começaram um trote furioso que logo se
tornou um galope, e a carruagem se afastou, seguida no mesmo passo rápido pelos
dois cavaleiros na retaguarda.
III
Comparamos histórias
Seguimos o cortejo com os olhos até que ele sumiu de vista na floresta
enevoada; e o próprio som dos cascos e rodas morreu no silencioso ar da noite.
Nada restou para nos assegurar que a aventura não fora uma ilusão
momentânea, exceto pela jovem dama, que exatamente naquele momento abriu os
olhos. Eu não podia ver, pois seu rosto estava voltado para o outro lado, mas ela
levantou a cabeça, evidentemente olhando ao redor, e ouvi uma voz muito doce
perguntar, queixosa, “Onde está mamãe?”.
A boa Madame Perrodon respondeu gentilmente,confortando-a.
Então a ouvi perguntar:
-Onde estou? Que lugar é este?-e depois disso ela disse - Não vejo a
carruagem, e Matska,onde está ela?
Madame respondeu a todas suas perguntas à medida que podia entendê-las; e
gradualmente a jovem se lembrou de como a desventura acontecera, e ficou feliz ao
ouvir que ninguém na carruagem ou na equipagem se ferira; e ao saber que sua mãe
a deixara conosco, até seu retorno dali a três meses, ela chorou.
Eu estava prestes a acrescentar meus consolos aos de Madame Perrodon
quando Mademoiselle De Lafontaine colocou a mão no meu braço, dizendo:
- Não se aproxime. Nesse momento, ela só pode falar com uma pessoa de cada
vez; agora, até uma pequena excitação pode ser demais para ela.
“Assim que ela estiver confortável na cama”, pensei, “irei vê-la em seu quarto”.
Enquanto isso, meu pai havia mandado um criado a cavalo buscar o médico,
que morava a duas léguas de distância, e que um quarto fosse preparado para
receber a jovem.
A estranha se levantou, apoiada no braço de Madame, e caminhou lentamente
pela ponte levadiça, cruzando o portão do castelo.
No hall, os criados esperavam para recebê-la, e ela foi levada para o quarto. O
cômodo que costumávamos usar como sala de estar é longo, com quatro janelas,que
se abrem para o fosso e a ponte levadiça, sobre a paisagem da floresta que acabei de
descrever.
Os móveis eram de velho carvalho esculpido, com grandes armários, e as
cadeiras tinham almofadas de veludo Utrecht vermelho. As paredes eram recobertas, de tapeçarias, com grandes molduras douradas, as figuras mostradas eram grandes
como a vida, em um estilo antigo e muito curioso, e representavam cenas de caça,
falcoaria e, geralmente, festivas. Não era tão que não fosse extremamente
confortável; e lá tomávamos nosso chá, pois, com seus costumeiros penhores
patrióticos, meu pai insistia que a bebida nacional deveria acompanhar regularmente
nosso café e chocolate.
Naquela noite, nos sentamos lá, com as velas acesas, conversando sobre as
aventuras da noite.
Madame Perrodon e Mademoiselle De Lafontaine nos faziam companhia. A
jovem estranha m*l se deitou e caiu em um sono profundo; e elas a deixaram aos
cuidados de uma criada.
- O que acham da nossa hóspede? - perguntei, assim que Madame entrou. -
Falem-me dela.
- Gosto muito dela - respondeu Madame. - Ela é, creio, a criatura mais linda
que já vi; mais ou menos da sua idade, e muito gentil e agradável.
- Ela é absolutamente linda -acrescentou Mademoiselle, que havia espiado por
um momento no quarto da estranha.
- E que voz doce!-acrescentou Madame Perrodon.
- Vocês notaram uma mulher na carruagem, depois que ela foi levantada de
novo, que não saiu dela - perguntou Mademoiselle - mas ficou só olhando pela
janela?
- Não, não a vimos.
Então ela descreveu uma horrenda mulher n***a, com um tipo de turbante
colorido, que ficou olhando o tempo todo da janela da carruagem, assentindo e
sorrindo com ironia para as damas, com grandes olhos brilhantes e brancos, com os
dentes apertados,como se estivesse furiosa.
- Vocês notaram que g***o de homens de aparência terrível eram os criados? -
perguntou Madame.
- Sim - disse meu pai, que havia acabado de entrar. - Nunca vi sujeitos de
aparência tão f**a e desgrenhada na minha vida. Imagino que eles possam assaltar a
pobre dama na floresta. Mas são patifes inteligentes; eles podem dar um jeito em
tudo em um minuto.
- Arrisco-me a dizer que eles estão cansados por viajar tanto - disse Madame.
- Além de terem uma aparência c***l, seus rostos também eram estranhamente
magros, escuros e taciturnos. Estou muito curioso; mas arrisco-me a dizer que a jovem dama contará tudo amanhã, se estiver recuperada o suficiente.
- Não creio que vá - disse meu pai, com um sorriso misterioso, como se
soubesse mais do que estava dizendo.
Isso nos deixou ainda mais curiosas quanto ao que se passara entre ele e a
dama de veludo n***o, durante a breve, porém ansiosa, entrevista que se passou
imediatamente antes da sua partida.
Mal ficamos sozinhos, eu o persuadi a me contar. Não foi preciso pressionar
muito.
- Não há motivo particular pelo qual eu não devesse lhe contar. Ela expressou
relutância em nos incomodar com o cuidado de sua filha, dizendo que ela tinha
saúde delicada, e nervosa, mas que não estava sujeita a nenhum tipo de ataque. Ela
enfatizou isso. Nem nenhum tipo de ilusão, sendo, na verdade, perfeitamente sã.
- Que coisa estranha de se dizer. -acrescentei.- Tão desnecessário.
- De qualquer forma, foi dito - ele riu. - E como você queria saber o que havia
acontecido, que na verdade foi muito pouco, estou contando. Então ela disse “Estou
realizando uma longa viagem de importância vitaľ', ela enfatizou a palavra, “Rápida
e secreta. Devo retornar para buscar minha filha em três meses; enquanto isso, ela
guardará segredo sobre quem somos, de onde viemos, e para onde estamos
viajando". Foi isso que ela disse. Ela falou em um francês excelente. Quando disse a
palavra “segredo”, fez uma pausa de alguns segundos, parecendo séria, com os olhos
fixos nos meus. Imagino que ela faça muita questão disso. Você viu a velocidade
com que partiu. Espero não ter cometido uma grande tolice ao assumir a
responsabilidade sobre a jovem dama.
De minha parte, eu estava deleitada. Estava ansiosa para ver e falar com ela,
esperando só que o médico me desse permissão. Vocês, que vivem em cidades, não
têm ideia que como conhecer um novo amigo é um grande evento na solidão que nos
cerca.
O médico não chegou até quase uma hora, mas eu não era mais capaz de ir para
a cama e dormir do que de alcançar, a pé, a carruagem na qual a princesa trajada de
veludo n***o havia partido.
Quando o médico desceu para a sala de estar, foi para dar boas notícias sobre a
paciente. Ela já estava sentada, seu pulso estava bastante regular, e parecia
perfeitamente bem. Ela não havia se ferido, e o pequeno choque aos seus nervos
havia sido inofensivo. Certamente não haveria risco em eu vê-la, se nós duas
desejássemos; e, com sua permissão, mandei perguntar se ela me permitiria visitá-la
em seu quarto por alguns minutos.
O criado retornou imediatamente para dizer que não havia nada que ela
desejasse mais.
Pode ter certeza de que eu não demorei em tirar proveito dessa permissão.
Nossa visitante ocupava o mais belo dos quartos do schloss. Ele era, talvez, um
pouco pomposo. Havia uma sóbria tapeçaria na parede oposta à cama, representando
Cleópatra com as víboras no seio; e outras solenes cenas clássicas também eram
exibidas, um pouco desbotadas, sobre as outras paredes. Mas havia gravuras em
ouro, e cores ricas e variadas nas demais decorações do quarto, mais do que o
bastante para redimir a melancolia das velhas tapeçarias.
Havia velas ao lado da cama. Ela estava sentada na cama, sua bela figura
esguia estava envolvida pela seda macia da camisola, bordada com flores e forrada de pétalas macias. Enfim, continua, a.