Lisa Hernandez
Depois que o Arthur foi embora sem sequer me dar os parabéns, subi para o quarto tentando segurar as lágrimas.
Eu só queria um banho quente, uma trégua, um pouco de silêncio.
Estava prestes a entrar no banheiro quando meu celular tocou.
Saí correndo, coração acelerado, cheia de esperança...
Mas não era o nome dele na tela.
Era a Louise.
Ligação — ON
— Feliz aniversário, gatona! 🎉
— Obrigada, Lou...
— Ei, bicha, que tal a gente sair pra comemorar seus 28 anos, hein?
— Não... melhor não. Tô sem clima.
— Lisa Hernandez, eu não tô perguntando. Tô mandando. Todo ano essa mesma ladainha. Hoje não tem desculpa. Hoje você vai sair, sim.
— Lou, você sabe que eu não gosto de comemorar meu aniversário...
— Li, olha aqui... você tem vinte minutos pra estar vestida e maquiada quando eu chegar. Beijos.
— Lou...
— Sem "Lou". Só obedece. Beijos.
Ligação — OFF
Soltei um suspiro, derrotada. Louise era um furacão — e quando decidia algo, não havia quem a impedisse.
Entrei no banheiro e tomei um banho rápido. Ela podia ser insuportável às vezes, mas era a irmã que a vida me deu.
Minutos depois, ela chegou buzinando como se fosse uma diva pop em turnê.
— Oi, miga! — disse, me abraçando forte assim que entrei no carro.
— Oiê...
— Vamos?
— Tenho escolha?
— Nenhuma.
Seguimos direto para o shopping.
Não demorou muito e já estávamos sentadas em uma lanchonete discreta. Fizemos o pedido e, enquanto esperávamos, ela me lançou aquele olhar de raio X.
— Está tudo bem, Li?
— Sim. Por quê?
— Porque você tá com uma cara de enterro.
— É só impressão sua.
— Não tenta, Lisa. Eu te conheço desde que você comia areia da caixa de brinquedo. Você não tá bem faz tempo. A Lisa animada, cheia de sonhos, morreu no dia em que você casou com o babaca do Arthur.
— Eu ainda sou a mesma, Lou.
— Não. Não é. E nem finge que é.
Ela tinha razão.
Desde que casei com Arthur, fui me apagando devagar.
E o pior? Nem percebi quando deixei de ser eu.
— Pelo menos... ele te deu os parabéns hoje?
— Deu sim. — menti, forçando um sorriso.
Louise arqueou uma sobrancelha.
— Duvido. Se o Arthur te parabenizou, é porque vai chover granizo rosa com glitter. Aquilo ali tem menos coração que a madrasta da Cinderela.
— Ai, Lou, não fala assim. O Arthur não é tão r**m quanto parece...
— Não. Ele é pior. Só você que ainda enxerga um príncipe naquele ogro engravatado.
E a mãe dele então... aquela bruxa! Cada vez que cruzo com aquela velha, tenho vontade de me benzer com sal grosso!
Eu ri, mesmo sem vontade.
— Você não tem jeito.
— Quem não tem jeito é ela... e o filhinho de estimação.
Terminamos o lanche e ela foi pagar a conta.
Enquanto isso, fiquei mexendo no celular, lendo mensagens da minha mãe, da tia... quando ergui os olhos, quase caí da cadeira.
Louise voltava com um bolo enorme nas mãos e um sorriso do tamanho do mundo.
— Parabéns pra você, nessa data querida... — começou a cantar, chamando a atenção de todo mundo.
— Lou, você não existe... — falei chorando de emoção.
— Claro que existo! E vim aqui só pra te lembrar que você também existe, Lisa. Mesmo que ele te faça sentir invisível.
Agora faz um pedido!
Fechei os olhos, inspirei fundo e pedi em silêncio:
"Que o Arthur volte a ser o homem por quem me apaixonei."
Comemos o bolo — delicioso, por sinal — e depois fomos embora.
Ao sair do shopping, uma voz me chamou:
— Lisa...
Virei, surpresa.
Um homem lindo vinha em nossa direção. Cabelos castanhos claros, olhos da mesma cor, barba bem feita, corpo definido.
Um sorriso irresistível nos lábios.
— Desculpa, mas a gente se conhece? — perguntei, confusa.
— Não precisa se desculpar. Você não me conhece.
Sou Felix. Amigo do Arthur.
— Ah... prazer, Felix.
— Oi, gatão. Louise, ao seu dispor. — disse Lou, quase ronronando.
— Prazer, Louise. — respondeu ele, educado, com um sorriso gentil.
— Mas... como sabia meu nome? — perguntei, ainda desconfiada.
— Vi uma foto sua na sala do Arthur há um tempo. Perguntei quem era e ele disse seu nome. Então quando te vi, tive certeza de que era você.
— Entendi...
— E não vou perguntar do Arthur, porque sei que ele tá viajando a trabalho.
— Verdade.
— A viagem dele vai ser longa?
— Ele não falou... só disse que ia viajar.
— Estranho. Porque pelo que eu sei, ele vai ficar fora no mínimo uma semana. Achei que você soubesse...
Congelo por dentro.
Ele não me disse nada disso.
— Foi um enorme prazer te conhecer, Lisa.
Desculpa a indiscrição... mas você é ainda mais linda pessoalmente.
— Obrigada...
Ele se despediu, entrou numa BMW preta e foi embora.
— O GATO do Felix tava te comendo com os olhos! — disse Louise, toda animada.
— Ai, Lou, para com isso.
— É sério! Ele tava na sua, e você aqui... presa no seu casamento de papelão com o Lorde Gelo.
— Você vê coisa onde não tem.
— Você é que não vê nada! Porque só tem olhos pro babaca do Arthur. Acorda, mulher!
— Lou...
— Tá, tá... mas pensa com carinho.
Te amo, miga. Até mais.
— Também te amo. Obrigada por tudo, de verdade.
Chegando em casa, a noite já caía.
Evitei ver Antônia. Só de pensar nela, meu estômago virava.
Subi pro quarto, liguei o notebook e comecei a navegar no site da empresa do Arthur.
Foi aí que eu vi.
Uma foto dele.
Com uma loira deslumbrante.
Jovem. Alta. Perfeita.
Sorrindo ao lado dele, como um casal saído de uma revista.
Meus dedos congelaram no teclado.
A legenda embaixo dizia:
“O renomado advogado Arthur Ford atuará como consultor jurídico da família Ramos e trabalhará ao lado da linda e única herdeira das Empresas LUKS, Joana Ramos.”
Joana Ramos.
Perfeita demais.
O coração apertou.
A respiração falhou.
Senti-me pequena. Inútil.
Depois do acidente, nunca mais consegui usar roupas curtas. As cicatrizes nas minhas pernas me envergonham.
Vivo de vestidos longos ou calças, escondendo o que me faz sentir deformada.
E agora...
A mulher ao lado dele era tudo o que eu deixei de ser.