Lisa Hernandez
Acordo e, mais uma vez, Arthur não está ao meu lado.
Mais um amanhecer sozinha.
Suspiro, tentando levantar da cama com dificuldade — minhas pernas ainda doem por causa da chuva que caiu quase a noite inteira. Sempre que chove, é assim. Desde o acidente de carro na época da faculdade, meu corpo nunca mais foi o mesmo.
Deixo que a água quente escorra pelo meu corpo, como se pudesse lavar também o aperto no meu peito. Enquanto o vapor toma conta do banheiro, só consigo pensar no meu casamento… no que restou dele.
Cada dia parece um passo a mais em direção ao fim.
Arthur não é mais o homem por quem me apaixonei três anos atrás.
Agora ele é frio, distante… quase um estranho.
Não temos mais vida social, não rimos juntos, m*l trocamos olhares. E o toque? Faz tanto tempo que não fazemos amor, que meu corpo já nem lembra mais como é ter o dele sobre o meu.
Sinto falta dos beijos. Do calor. Da voz baixa no escuro.
E ainda assim, o amo.
É por isso que continuo aqui, suportando tudo.
Suportando até o desprezo disfarçado de silêncio.
Banho tomado, visto-me e desço para tomar café. Assim que entro na cozinha, dou de cara com Antônia — a mãe do Arthur — já sentada à mesa. Desde que adoeceu, ela veio morar conosco.
Não nos damos bem.
Na verdade? Ela me odeia.
E por mais que eu tente, nunca fui capaz de mudar isso.
— Bom dia — digo, educadamente.
— Isso é hora de levantar? — retruca ela, sem sequer erguer os olhos do chá.
— Desculpa… não consegui dormir. Minhas pernas doeram muito por causa da chuva.
— Isso não justifica deixar de preparar o café para o meu filho.
— Que horas o Arthur saiu?
— No horário de sempre. Coitado… precisa acordar cedo para sustentar essa casa cheia de sanguessugas.
Fecho os olhos com força.
Conto até dez.
Não respondo. Porque se eu responder, a briga vem, e se brigarmos, Arthur ficará ainda mais distante. Ele sempre a defende. Para ele, a “pobre Antônia” nunca está errada. Eu é que não sei compreendê-la.
Ela se levanta com a xícara ainda na mão, caminhando em direção à saída. Antes de cruzar a porta, vira-se com o veneno na ponta da língua:
— Quero que ligue para o meu filho. Preciso lembrá-lo do nosso jantar de hoje.
— Pode deixar, Antônia. Não vou esquecer.
— É bom mesmo.
Assim que ela sai, pego o celular e ligo.
Chama.
Cai na caixa postal.
Ligo de novo. Segunda. Terceira. Quarta. Quinta vez. Nada.
Ok. Se ele não atende, eu mesma vou até lá.
Algum tempo depois...
Saio do táxi, ajeito os cabelos e caminho até a entrada da empresa. Cumprimento o porteiro e sigo em direção à recepção, mas um segurança bloqueia minha passagem.
— Com licença, senhora, não posso deixar você entrar. O senhor Ford está em reunião e não temos registro de agendamento.
— Eu sou a esposa do Arthur! — respondo, exasperada.
Ele hesita por um segundo.
— Me desculpe, senhora, mas... o senhor Ford não tem esposa registrada no sistema. E, sinceramente... nunca o vimos acompanhado de ninguém.
Levo um soco invisível no estômago.
— Como assim ele não tem esposa? Eu sou casada com ele há três anos!
— Sinto muito. Por favor, não insista.
Me afasto, os olhos ardendo, mas não vou embora.
Eu não vou embora.
Três horas depois...
Já faz horas que estou sentada aqui fora. O celular continua mudo.
Nem uma mensagem. Nem uma ligação.
Como é possível que ninguém nessa empresa saiba que ele é casado?
Será que... ele esconde isso de propósito?
Balanço a cabeça, tentando afastar os pensamentos ruins.
Não, não pode ser. Deve haver uma explicação lógica.
Arthur não faria isso... faria?
À noite...
Estamos no carro, voltando para casa. O silêncio entre nós pesa mais que o ar.
Arthur sequer tocou no assunto da empresa, e eu... estou cansada demais pra começar mais uma discussão.
— Vamos, você sabe que minha mãe não gosta de atrasos — diz ele, seco.
Apenas concordo com a cabeça.
Durante o jantar, o clima é ainda mais gélido.
Arthur e Antônia trocam poucas palavras.
Já eu? Invisível. Um fantasma no próprio lar.
— Mãe, espero que goste do presente — diz ele, entregando uma caixa preta elegante.
— Ah, querido, não precisava — responde ela, com um sorriso largo. — Obrigada, meu amor.
Ela abre a caixa e encontra um colar de diamantes. Levanta-se, emocionada, para abraçá-lo.
Meu peito aperta.
Também preparei um presente. Escolhi com cuidado.
Ofereço, tentando sorrir.
Ela pega com desdém, não se dá ao trabalho de abrir.
Nem um “obrigada”.
Nem um olhar.
É sempre assim.
E eu?
Eu apenas suspiro...
Engulo mais essa.
De novo.