CAPITULO 4

1145 Words
A porta se abriu com um leve rangido, e o homem de terno cinza entrou com um vigor inusitado para aquela hora da noite. O rosto normalmente contido agora exibia um brilho de satisfação, como se acabasse de receber uma notícia que valia seu peso em ouro. — Aconteceu alguma coisa? — ele perguntou, olhando de um para o outro com um ar de quem sentia que tinha perdido algo grande. Donna levantou o olhar seu copo vazio, os olhos ainda carregados pela sombra do que Lorenzo havia dito minutos antes. Mas ela sorriu. Um sorriso polido, profissional, calculado. — Não. — Ela ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Só um momento de reflexão, talvez. E você? Como foi? O homem de terno cinza deixou uma pasta sobre a mesa e abriu um sorriso orgulhoso. — Os árabes adoraram. Disseram que nunca viram um fechamento de operação tão limpo, tão bem orquestrado. Discrição, agilidade, impacto. Estão encantados com o que você fez, Donna. Ela inclinou levemente a cabeça, receptiva, mas firme, como se elogios fossem apenas mais um detalhe no contrato. — Eu só mantive tudo dentro da proposta original do fundo árabe — disse. — Aliás, proposta sua. Parabéns. Eles deveriam estar encantados com você. O homem sorriu, desta vez genuinamente tocado. Mas antes que pudesse responder, Don Roberto se aproximou do grupo com três taças de champanhe em mãos. — Nada de modéstia por aqui hoje. — Ele entregou uma taça para cada. Seus olhos brilhavam com orgulho. — Don Vittorio Amorielle ficará orgulhoso quando eu ligar e contar que os filhos dele acabaram com aquele maldito Lorenzo Falco. Jake Amorielle, o homem do terno cinza, era o consultor de fusões e aquisições mais jovem e implacável que a Itália havia visto nos últimos anos. Mas ali, diante da irmã, parecia menor. — Um brinde, irmãzinha — disse ele, erguendo sua taça em direção a ela. Donna ergueu a própria, seus olhos fixos nos dele. Por trás do sorriso que oferecia ao irmão, algo sutil dançava no fundo da pupila — um cansaço disfarçado, talvez uma melancolia mascarada por eficiência. — A nós — ela disse. As taças se tocaram com um tinido fino, elegante. E então, juntos, beberam. Por um momento, houve apenas o som distante da cidade lá fora, como um eco apagado daquilo que haviam vencido. A assinatura de Lorenzo Falco não era só uma vitória estratégica — era o símbolo de um domínio construído com sangue, sacrifício e inteligência. Donna pousou a taça sobre a mesa e respirou fundo. — Eu gostaria de ficar mais — disse, olhando de relance para Don Roberto — mas tenho um jatinho me esperando. Jake ergueu uma sobrancelha. — Para onde? — Pedesina. — Ela sorriu de lado. — Quer carona? — Gostaria, mas não posso — respondeu ele, animado. — Preciso finalizar os últimos detalhes da fusão. Donna se aproximou e deu um beijo leve no rosto do irmão. — Tudo bem. Nos vemos em casa, então. Ela acenou brevemente para Don Roberto , virou-se e caminhou com passos firmes em direção à saída. A porta se fechou atrás dela com o mesmo silêncio cerimonial de antes. Don Roberto observava o lugar onde ela estivera como quem observa uma sombra que ficou no ar. Jake estalou os dedos e virou-se para os documentos. Mas antes de se sentar, disse com um tom leve: — É uma pena que ela esteja indo embora. Jake olhou por cima do ombro, intrigado. — Como assim? Don Roberto virou-se e pegou a garrafa de champanhe. Serviu-se mais um pouco. — Ela não está apenas indo para a casa dos pais de vocês. Está indo embora mesmo. — Ele tomou um gole e completou: — Acabou de me pedir demissão do escritório. Jake congelou por um instante. Depois riu, nervoso. — Como assim pediu demissão? Por quê? — Deu alguma satisfação? — Jake insistiu, já se virando por completo. Don Roberto ergueu os olhos, firmes. — Desde quando a sua irmã dá alguma satisfação da vida dela para alguém? Jake encarou Don Roberto. O brilho descontraído do momento anterior havia sumido de seu rosto. Agora, havia ali algo mais sombrio, mais duro — a expressão de um homem que acabava de perceber que não conhecia totalmente a pessoa com quem dividia o sangue. — Ela não falou nada. — Ele parecia falar para si mesmo. — Ela parecia... bem. Don Roberto deu um passo à frente. — Ela estava bem. Talvez esteja até agora. Mas não se engane, Jake. Essa garota carrega mais do que vocês imaginam. Desde o dia em que pisou neste escritório. Desde que aceitou o nome que carrega. Jake franziu o cenho, desconfiado. — Você está dizendo que isso tem a ver com o nosso pai? — Não com o Vittorio. — Don Roberto fitou o jovem Amorielle com intensidade. — Com a sombra do que é ser Amorielle. Jake desviou o olhar por um segundo. Engoliu em seco. Ele sabia o que era viver sob o peso de um nome. Mas para Donna… sempre parecera mais natural, mais fluido. — Então o que ela vai fazer agora? — perguntou ele, num sussurro. — Isso — disse Don Roberto — é algo que nem mesmo ela sabe. E é exatamente isso que me preocupa. Jake passou as mãos pelo rosto, irritado. — Ela nunca desiste assim — disse ele. — Nunca. Ela enfrenta. Luta. Que merda é essa? — Talvez ela esteja enfrentando, Jake. Só não da maneira que você esperava. Os dois ficaram em silêncio por um momento. Don Roberto então se aproximou, colocou uma mão no ombro de Jake e disse com um tom mais baixo: — Eu vi sua irmã fazer coisas que advogados com o triplo da experiência não conseguiriam. Ela calou conselhos inteiros, desfez alianças podres com uma vírgula no contrato e conquistou o respeito de homens que não respeitam ninguém. Mas toda mulher que carrega um império sozinha... uma hora precisa deixar a espada de lado. Nem que seja para descobrir se ainda é ela por trás da armadura. Jake assentiu. Mas o olhar agora estava frio. — Ela vai me dizer. — Ele afirmou. — Se tem alguma coisa, eu vou descobrir. Don Roberto o soltou e recuou. — Boa sorte. Só não tente segurá-la. Você sabe como termina. Jake deu um leve sorriso irônico. — Sei sim. Ela arranca a própria corrente e me enforca com ela. Os dois riram brevemente, mas o clima já havia mudado. Jake voltou para os papéis. Mas seus olhos agora estavam distantes. As cláusulas já não tinham o mesmo peso. Havia algo fora das páginas, algo que se movia entre as decisões silenciosas de Donna Amorielle. E ele sabia que, quando ela se movia em silêncio, era porque algo muito maior estava prestes a acontecer.
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