CAPITULO 7

1780 Words
Donna hesitou. Aquela era a pergunta que ela mesma não conseguia responder completamente. Ficou em silêncio por um tempo, depois falou baixo: — Por favor… não fica chateada comigo — disse Donna, a voz baixa, quase infantil. — Eu fiz uma coisa... Ellis ergueu os olhos lentamente. A expressão no rosto era sóbria, firme, como a de quem já sabia mais do que deixava transparecer. — Já sei o que você fez. Donna prendeu a respiração. — Jake contou? — Sim, foi ele. Mas eu gostaria de ouvir dos seus lábios — Ellis tirou os óculos, repousando-os sobre a cômoda ao lado de um porta-retratos com a imagem desbotada de Vittorio e Donna ainda menina, no jardim da mansão. — Depois eu decido se vou ficar chateada ou não. Donna cruzou os braços, desconfortável. — Eu… saí do escritório do Don Roberto Alberti. — Essa parte eu já sabia. O que eu quero saber é o porquê — disse Ellis, com a voz serena, mas com um tom que exigia sinceridade. Donna levantou os braços, sem saber onde colocá-los, e os deixou cair ao lado do corpo. — Eu não sei, mamma. Simplesmente… não sei. Ellis respirou fundo, voltou a colocar os óculos, e a olhou por cima das lentes. — Donna. — Mamma — repetiu a filha, como uma súplica. Os olhos castanhos, idênticos aos de Donna, agora a fitavam com intensidade. — O que aconteceu, Donna? Donna baixou os olhos por um segundo, o que nunca era um bom sinal. Era como se até mesmo sua altivez sentisse vergonha. — Eu... tomei decisões. Algumas que não posso desfazer. Outra que ainda estou tentando entender. Ellis se aproximou devagar, como se temesse que qualquer gesto brusco pudesse quebrar algo dentro da filha. — Você está ferida? — Não fisicamente. — E emocionalmente? Donna riu, sem humor. — Isso é permanente, Mama. Você sabe. Ellis tocou o braço da filha, suave. — Então me conta. Desde quando você parou de confiar em mim? Donna hesitou, e esse pequeno gesto já foi resposta suficiente para Ellis. Ainda assim, Donna falou: — Eu matei três homens na Espanha. Era um contrato. Eles estavam armados. iam caçar, talvez. Não importava. Eles iam estragar tudo. E eu... — a voz dela falhou por um momento, — eu fui precisa. Fria. Calma. E depois disso, eu me demiti. Deixei tudo. Fui embora. O contrato assinado, a fusão garantida. Mas eu larguei tudo. Houve um silêncio tenso entre as duas. O tipo de silêncio que pesa mais que grito. Ellis assentiu lentamente. Não havia horror em seu rosto. Apenas compreensão. Ellis por fim quebrou: — Tudo bem. Já falou com seu pai? Donna balançou a cabeça. — Não. Eu queria falar com você antes. A mãe a observou com um misto de compreensão e firmeza. — Você vai ter que contar pra ele. Eu não vou fazer isso por você. — Mas o Jake provavelmente já deve ter falado com ele… — Não. — Ellis foi categórica. — Eu proibi Jake de se meter nesse assunto. Isso é entre você e seu pai. — Por que a senhora não pode contar? — Donna insistiu. — Porque essa escolha foi sua, e as consequências também serão. Você vai contar. Depois que falar com o seu pai, nós três decidimos o que fazer. Donna assentiu, devagar, sentindo uma espécie de peso cair sobre os ombros. — Tudo bem... Eu só... O problema é que eu não faço ideia de como ele vai reagir. Se ele vai ficar bravo. Ou decepcionado. Ou bravo e decepcionado comigo. Ellis caminhou até ela, e parou perto o bastante para que Donna sentisse o perfume discreto de lavanda e madeira do vestido azul-marinho da mãe. — Ele vai ficar frustrado e bravo. Vai gritar. Talvez quebre alguma coisa. Mas depois… vai se sentar ao seu lado, abrir uma garrafa de vinho… e perguntar: "O que vem agora, filha?" Porque ele é seu pai. E ele sabe que você nunca faz nada sem pensar. Donna riu sem humor, e passou as mãos pelo rosto. — Pois é… mas dessa vez eu fiz. E não sei o que vem depois. Talvez eu não queira mais seguir esse caminho. Talvez… eu não queira mais fazer parte dos negócios da família. Ellis arregalou ligeiramente os olhos. — Essa parte… — disse, cuidadosa — … sem dúvida é um problema mais sério. E sem dúvida, o Vittorio não vai engolir tão fácil. Donna começou a andar de novo pela mansarda, como uma fera presa, inquieta. — Esse é o meu medo. E se ele não aceitar? E se… ele não me perdoar? E se nunca mais falar comigo? — Não vai ser assim. — Claro que vai! — explodiu Donna, a voz embargada. — A mãe dele… a minha avó… morreu e ele nunca a perdoou. Nunca mais falou com ela! Ellis estreitou os olhos. — Quem te contou isso? — Jake. Disse que o papà não falava com a mãe dele. Que nem sequer a visitava em Pedesina. — Claro que foi o Jake — murmurou Ellis, revirando os olhos. — Esse menino está se tornando um verdadeiro fofoqueiro. — Não importa! — Donna rebateu. — O ponto é que é verdade! E se isso acontecer comigo? Ellis tirou os óculos novamente e caminhou até a filha, parando bem à sua frente. Colocou as mãos nos ombros dela e falou com firmeza: — Isso não vai acontecer. — Como você pode ter certeza? — Porque eu sou sua mãe. E jamais deixaria algo assim acontecer entre vocês. Donna baixou os olhos, os lábios trêmulos. — Ainda assim, mamma… tudo depende dele. Ele é o Don. Ellis a puxou para um abraço apertado. Segurou a cabeça da filha contra o ombro, como fazia quando Donna era menina e caía da bicicleta. — Sim, ele é o Don. Mas antes disso, ele é seu pai. E você é o sol dele, Donna. Sempre foi. Ele vai gritar, vai se trancar no escritório, talvez não fale com você por um tempo… mas ele não vai deixá-la para trás. Eu conheço esse homem, eu me casei com ele. Duas vezes. Donna se permitiu ficar ali, abraçada, por mais alguns segundos. Depois se afastou, limpando os olhos discretamente. — Eu odeio quando você tem razão. — Eu sei — sorriu Ellis. — Por isso sou sua mãe. O silêncio que se seguiu foi mais leve. Como se algo tivesse se acomodado no coração de Donna, ainda que a tempestade não houvesse passado. — Agora — disse Ellis, voltando à caixa de fotos — me ajuda com isso. Quero separar as imagens dos meninos para o aniversário deles. No pé em que estou indo, acabarei no aniversário de trinta anos. Donna começou a vasculhar o espaço, afastando lençóis manchados pelo tempo, empilhando caixas, separando objetos esquecidos. Entre papéis soltos e brinquedos quebrados, encontrou fotos de Jake com seus inseparáveis carrinhos de brinquedo; uma caixa com o nome "Vittorio" escrito em letras firmes, cheias de autoridade; até uma pasta cheia de recortes antigos de jornais onde se via uma jovem de cabelos pretos e olhos verde — tão diferente da mulher pintada no quadro enorme da sala de estar, e ainda assim, com o mesmo olhar penetrante. Foi então que os olhos de Donna encontraram algo familiar. Um lençol azul-claro cobria algo volumoso. Ela se aproximou, puxou o tecido e sentiu o mundo ao redor silenciar por um instante. Um baú de madeira escura, com as letras “DONNA” entalhadas com precisão, repousava ali como um túmulo carregado de segredos. As ferragens de bronze estavam cobertas por uma camada fina de ferrugem, e a fechadura — quebrada desde sempre — permanecia como uma cicatriz antiga. Ela se ajoelhou. Suas mãos pairaram sobre a tampa por um segundo, quase como se pedissem permissão para abrir. Então, com um estalo surdo, o baú se abriu. Um sopro de passado escapou dali, carregado por aquele perfume de cânfora e infância. Dentro, bonecas de pano sem um braço, livros infantis com desenhos e rabiscos tortos, pulseiras de plástico coloridas, tiaras quebradas. Havia também um caderno antigo, com folhas coladas por adesivos e o nome “Donna Vittoria Amorielle” escrito em letras trêmulas de criança, contornado por corações. Ela sorriu. Por um instante, o sótão inteiro parecia ter desaparecido, e tudo que existia era aquele pequeno baú com fragmentos de quem ela tinha sido. Mas então, algo atrás do baú chamou sua atenção. Uma pilha de caixas brancas, menores, todas rotuladas com o mesmo nome: Nova York. O coração de Donna deu um salto curioso. Ela abandonou o baú de infância e se aproximou das caixas. Algumas estavam amareladas nas bordas, outras pareciam lacradas há muito tempo. Ela puxou a de cima, retirou a fita com cuidado e levantou a tampa. Lá dentro, cuidadosamente dobrado, havia um casaco roxo escuro com as letras brancas da New York University. Donna o ergueu devagar, com as sobrancelhas franzidas de confusão. — Eu não sabia que o papai tinha estudado na NYU — murmurou. Ellis, que a observava de onde estava, ergueu os olhos do álbum que folheava e respondeu com naturalidade: — Ele não estudou. Quem estudou lá fui eu. Donna piscou, surpresa, virando-se lentamente para a mãe. — Você? Ellis caminhou até a filha com passos lentos. — Sim. Cursei Urban Design and Architecture Studies no College of Arts and Science da NYU. — Seus olhos pareciam vagar por lembranças muito distantes. — Foi um tempo muito específico da minha vida. Um tempo diferente, onde nada estava acontecendo e eu e seu pai estávamos bem e felizes, vivendo uma vida... normal. — Mas você não se formou lá — disse Donna, ainda tentando processar. — Não. Me formei em arquitetura pela University of Washington, em Seattle, depois que nos mudamos para lá. Você nasceu lá e ficamos um bom tempo em Seattle — explicou Ellis. — Você não lembra dessa época? — Não muito... algumas imagens, talvez — respondeu ela, apertando o casaco contra o peito. Era estranho imaginar sua mãe naquele mundo universitário, tão longe da imagem que sempre teve dela — a matriarca imponente da família, fria e precisa como uma lâmina. Ellis se inclinou sobre a caixa. — Deve estar aqui o seu álbum daquela época. Com algum esforço, puxou de dentro da caixa um grande álbum em tom pérola, com o nome “Donna” gravado em dourado. O movimento fez outras coisas caírem no chão, entre elas papéis soltos e uma folha em particular, amarelada, que chamou a atenção de Donna. No topo, em letras quase apagadas, lia-se: Birth Certificate.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD