CAPITULO 16

1380 Words
Ellis fechou a porta com cuidado. Seu rosto endurecido suavizou-se apenas o suficiente para que Donna percebesse que algo a abalava profundamente. A mãe de Donna caminhou até a janela, afastou levemente a cortina e observou o jardim por um instante, como se estivesse organizando seus pensamentos. Só então se virou. — Como você acha que foi? — A voz era firme, mas sem agressividade. — Eu não sei. — Ele ficou furioso. — Ellis cruzou os braços, apoiando-se levemente na lateral da cômoda. — Ele quebrou um copo de cristal contra a porta. Um dos da coleção de Veneza. Donna engoliu em seco, mas não disse nada. — Você tem ideia do que mais ele fez? — continuou Ellis, com a voz mais baixa, mas ainda afiada. Donna balançou a cabeça em negativa. Ellis fechou os olhos por um instante, cansada. — Ele me mostrou os documentos que você forjou durante a madrugada. Toda a papelada com o nome... Donna Smith. Donna tentou aliviar o peso da situação, mesmo sabendo que seria inútil. — Em minha defesa... a certidão de nascimento é verdadeira — murmurou. — Eu só alterei o sobrenome nos outros documentos. Então, tecnicamente, não foi bem uma fraude. A expressão de Ellis endureceu imediatamente. — Não brinque com a minha inteligência, Donna. Nem com a gravidade disso. Isso aqui — disse, apontando para o chão, para a casa, para tudo — não é brincadeira. E você sabe disso. Donna abaixou os olhos, envergonhada. — Eu sinto muito... — Por quê? — interrompeu a mãe. — Por que você fez isso? Donna demorou alguns segundos para responder. — Porque eu queria saber como era. Ellis franziu o cenho. — Como era o quê? Ir para uma faculdade? Você já fez isso. Bologna. Anos longe de nós. — Sim, mas ainda era aqui, mãe. Ainda era Itália. Ainda era perto de vocês. Ainda era... ser Donna Amorielle. Ellis soltou um suspiro frustrado e se afastou da cômoda, andando pelo quarto como uma leoa presa em uma jaula. — Então Vittorio tem razão. — disse, com amargura. — Você quer nos renegar. Quer se livrar da família. Quer ser qualquer coisa menos uma Amorielle. — Claro que não! — retrucou Donna, revirando os olhos. — Você tá agindo como uma mãe italiana dramática! Ellis girou nos calcanhares, os olhos faiscando. — Então me diga, exatamente, o que te levou a largar tudo para ir para os Estados Unidos com outro nome. Donna ficou em silêncio por um momento. Então se aproximou da cama e sentou-se, apoiando os cotovelos nos joelhos, olhando para o chão. — Eu acabei de falar. — Não. — A palavra de Ellis cortou o ar. — Você não disse. Então fala, Donna. Fala o que está te levando a largar tudo. A atravessar o oceano. A se esconder atrás de outro sobrenome! Eu mereço isso. Eu estou arriscando meu casamento por você! Donna olhou para a mãe, alarmada. —Vittorio está agora, nesse momento, saindo da mansão de Pedesina em direção a Milão. Ele não me falou uma palavra sequer depois que conversamos. Nem olhou nos meus olhos. E você sabe o que isso significa. Então, por favor, me dá um motivo. E um motivo excelente. Porque neste momento eu estou arriscando tudo — disse Ellis, a voz embargada. — Então fala. Donna ficou em silêncio por alguns segundos. O peso das palavras da mãe caiu como chumbo sobre seus ombros. Ela sentiu vontade de chorar, de pedir desculpas mil vezes, de voltar atrás. Mas respirou fundo e disse, com a voz firme: — Porque eu quero saber como é ser uma pessoa normal. Uma humana normal. Só isso. Ellis arregalou levemente os olhos. — Só isso? — Sim — disse. — Quando você contou como se sentiu estudando na NYU... eu fiquei imaginando como era. Tomar um café em um lugar qualquer, sem segurança. Sentir a neve cair no rosto, andar por uma rua qualquer sem que os olhares se voltassem para você porque seu sobrenome é Amorielle. Fez uma pausa. — Você viveu isso, por um tempo. Mas eu? Eu não. Mesmo em Bologna, mesmo longe, todo mundo sabia quem eu era. Sabia de onde eu vinha. E o pior — ninguém se aproximava de mim sem uma segunda intenção. Nunca. Ellis não disse nada. Observava a filha com atenção. Donna se aproximou da mãe, agora com os olhos marejados. — Eu quero viver. Quero saber como é sentir o mundo sem uma rede de seguranças armados me cercando. Sem ser seguida em toda esquina. Sem ser chamada pelo nome que carrega o sangue de um império criminoso. Eu nunca tive a chance de ser... só eu. Ela sorriu com amargura. — Você teve essa chance. Em algum momento da sua vida, antes do meu pai, antes de tudo isso... você viveu como Ellis Barker. Eu nunca vivi como ninguém além de Donna Amorielle. Ellis ficou em silêncio. Seus olhos agora estavam úmidos, mas não choravam. Era o tipo de dor que vinha de dentro, de lugares onde as lágrimas não alcançam mais. — Então é isso — concluiu Donna. — É isso que você está defendendo. O meu direito de ser uma pessoa normal. De descobrir quem eu sou sem essa sombra sobre mim. Me diz, mãe... é argumento suficiente? Ellis respirou fundo, desviando o olhar para o chão. Sua mandíbula se contraiu por alguns segundos antes que ela erguesse novamente os olhos para a filha. — É. — respondeu, com a voz embargada. — É argumento suficiente. Donna soltou o ar, sentindo os ombros relaxarem pela primeira vez em, sabe Deus quanto tempo. Ellis se aproximou e, de maneira inesperada, a puxou para um abraço apertado, daqueles que parecem ser uma despedida, mesmo que não sejam. Donna sentiu o perfume da mãe, o calor familiar, o toque protetor. E, pela primeira vez, chorou de verdade. — É, tesoro mio... é um argumento muito bom. Donna sorriu, mas havia tristeza naquele gesto. — Obrigada, mãe. — Você ainda é muito jovem para entender... — disse Ellis. — Mas esse desejo de ser normal... ele nunca desaparece. Só muda de forma. Eu também quis isso, tantas vezes. Ainda quero, às vezes. Mas nós não somos normais, Donna. E não por sermos melhores ou piores. Apenas... não somos. Somos moldadas pelas escolhas que fizemos — e pelas que nos foram tiradas. — Eu sei — disse Donna. — Só quero ter certeza de que, se um dia eu voltar... foi porque eu escolhi. Não porque me disseram que era o único caminho. Elas ficaram ali por um tempo, apenas sentindo uma à outra, em silêncio. Quando se separaram, Ellis limpou discretamente os olhos com os dedos e voltou a encarar a filha. — Vittorio vai precisar de tempo — disse Ellis. — Mas ele vai entender. Um dia. — E até lá? — Até lá, você terá a mim. Donna sorriu. Dessa vez, com mais sinceridade. — Sempre? — Sempre. — Ele vai me odiar pra sempre? — Ele nunca vai te odiar. Você é a filha dele. — Ellis segurou o rosto de Donna entre as mãos. — Mas você o feriu. Profundamente. Ele confiava em você mais do que em qualquer outra pessoa. — Eu não quero ser inimiga dele. — E não é. — Ellis disse. — Mas também não pode esperar que ele entenda. Seu pai construiu um império na base do sangue e do medo. Você era o que ele considerava o futuro. Ele não sabe lidar com perda. Donna sentiu os olhos arderem. — Eu só queria ter uma chance... de ser eu. Só isso. — E você merece. Mais do que ninguém. Mas entenda uma coisa, minha filha: você pode tentar fugir do nome Amorielle, do peso dele, mas ele vai te seguir. Você não precisa negá-lo para se descobrir. Só precisa encontrar o equilíbrio. — E se não tiver equilíbrio? Ellis sorriu com tristeza. — Então você cria um. Com as próprias mãos. Como eu criei quando aceitei me casar com Vittorio. Como Jake sobrevive todos os dias sendo menos do que queria ser. Donna virou o rosto para a mãe, surpresa. — Você sabia? — Sempre soube.
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