04 - Lorena

1005 Words
Lorena Narrando Anoiteceu e eu já fui logo fechando todas as janelas do apartamento. O vento gelado tava cortando, e eu queria deixar tudo bem fechado pra não entrar nem um fiapo de frio. Fui pro meu quarto, tranquei a porta com a chave e respirei fundo. Tomei um banho demorado, daqueles que dão até preguiça de sair, e depois vesti uma roupa de dormir bem quentinha, porque hoje tá frio de verdade. Me sentei na cama, puxei os livros e o caderno. Hoje era dia de estudar pra valer, tenho um simulado que vai contar ponto pro Enem, e eu quero muito fazer essa prova esse ano. É minha chance de mudar de vida, e eu não posso vacilar. Fiquei mergulhada nas anotações, rabiscando, lendo, fazendo resumo, até o sono começar a pesar. A cabeça já tava meio lenta, as letras dançando na página. Fechei o caderno, ajeitei o travesseiro e me deitei. Não ouvi o Clóvis chegando, o que é raro, mas já fui dormir ciente de que, quando acordar, provavelmente vai ser com ele quebrando tudo. Infelizmente, essa paz que eu tenho agora nunca dura muito. Era madrugada. Eu dormia, cansada como sempre, quando fui acordada por barulho. Achei que era mais uma vez Clóvis derrubando móveis, tropeçando nos próprios passos. Mas dessa vez tinha algo diferente. O som era mais forte, mais grave. E aí eu ouvi dois gritos. Dois gritos desesperados. Eram dele. Me levantei num pulo. O coração batia tão forte que parecia que ia sair pela boca. Corri pra sala e, quando cheguei lá, congelei. Quatro homens. Altos, armados, todos vestidos de preto. Um deles socava Clóvis sem dó. Os outros três apontavam arma pra ele. — MEU DEUS! — gritei. — O que tá acontecendo aqui?! Tentei voltar pro quarto, mas não deu tempo. Um deles me agarrou pela cintura como se eu fosse um saco de pão. Me levantou com uma facilidade absurda. — ME SOLTA! — berrei, desesperada, me debatendo. — ME SOLTA AGORA! Foi aí que ouvi a voz de Clóvis, fraca, desesperada, mas audível: — Levem ela, Levem a Garota. Ela é virgem! Tem só dezessete anos, ela vale mais do que estou devendo. Eu paralisei. — O quê? — minha voz saiu engasgada. — O que você tá falando? Um dos caras puxou meu cabelo com força, me fazendo gritar de dor. — Cala essa boca, garota! — ele rosnou. — Você vai pro Cavaleiro. — Cavaleiro? — perguntei, confusa, em prantos. — Quem é esse? Ele não respondeu. Me jogou no ombro como se eu fosse um peso qualquer. Eu berrava, chorava, chutava, pedia socorro. Nada adiantou. Essa é a pior noite da minha vida, meu mundo virou do avesso. Eu, que só queria terminar o ensino médio, sair daquela casa, construir minha vida, me tornei uma moeda de troca. O carro não rodou muito, e logo percebi que estávamos indo em direção à Lagoa. Não demorou pra entrar num condomínio fechado, daqueles que a gente só vê em novela ou revista de luxo, onde só tem mansão com muros altos, portões imponentes e segurança reforçada. Cada casa parecia mais imponente que a outra. O motorista passou pela guarita como se já fosse de casa, sem precisar se identificar, e seguiu por uma rua bem iluminada, ladeada por jardins impecáveis. Quando o portão de uma das mansões se abriu automaticamente, meu coração acelerou. Entramos direto na garagem, que mais parecia um showroom de concessionária de carro importado. Tinham ali pelo menos uns cinco veículos, todos reluzindo, zero poeira. O carro estacionou no canto e, sem me dar tempo pra nada, o homem que estava no banco da frente desceu, abriu minha porta e me puxou pelo braço. A primeira reação que me veio foi abrir a boca e gritar, puxei o fôlego, mas antes que eu fizesse qualquer som, ele se inclinou perto do meu rosto e disse com uma frieza que gelou minha espinha: — Se você gritar, vai apanhar até ficar inconsciente. Senti o estômago embrulhar. Como eu não tava com nenhuma vontade de provar que ele falava sério, fiquei quieta, engolindo o medo e tentando não demonstrar que minhas pernas já estavam tremendo. Me levou pra dentro da mansão. Assim que atravessamos a porta, meus olhos rodaram pelo ambiente. A sala era de um luxo absurdo pé-direito alto, lustre de cristal pendurado no centro, tapete grosso que abafava o som dos passos, sofás enormes de couro branco, poltronas bem posicionadas, uma lareira acesa mesmo sendo Rio de Janeiro, e prateleiras com livros e enfeites caros. O cheiro do ambiente misturava perfume amadeirado com algo doce, quase enjoativo. Enquanto eu tentava absorver cada detalhe, ouvi duas vozes masculinas conversando mais ao fundo. Uma delas disse com clareza: — O Cavaleiro já tá chegando. Meu corpo arrepiou na hora. Quem era esse tal de Cavaleiro? Me empurraram levemente em direção ao sofá e eu me sentei, meio sem saber o que esperar. Pelo menos o sofá era confortável, daqueles que te abraçam quando você afunda neles. Encostei as costas, puxei as pernas pro lado e acabei me deitando, porque a tensão e o cansaço estavam me vencendo. O silêncio da sala, quebrado só pelo crepitar da lareira, acabou me embalando. Não sei quanto tempo fiquei apagada, mas quando abri os olhos, a primeira coisa que vi foi um homem sentado numa poltrona, bem de frente pra mim. Ele não se mexia. Olhos apertados, expressão impassível, corpo magro, pele coberta de tatuagens que subiam pelo pescoço. O jeito que ele me observava era desconfortável, mas ao mesmo tempo, tinha algo calculado ali, como se ele estivesse me medindo. Fechei os olhos por instinto, achando que talvez estivesse sonhando. Esperei alguns segundos, abri de novo, e ele ainda tava ali, na mesma posição, como se não tivesse piscado nem uma vez. Me endireitei no sofá, o coração acelerando, e ele, com uma voz calma, mas rouca e profunda, estendeu a mão na minha direção e disse: — Satisfação. Sou Cavaleiro… Seu dono.
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