O restaurante brasileiro tinha luzes amareladas, mesas de madeira escura e um cheiro acolhedor de churrasco, farofa amanteigada e pão de alho assando no forno. Era animado, mas não barulhento exatamente o tipo de lugar que Harry raramente frequentava.
Talvez por isso ele tivesse chegado quinze minutos antes do horário.
Entrou usando um blazer escuro sobre uma camisa branca sem gravata, elegante, mas menos formal do que ele costumava ser. O maître o reconheceu de algum lugar, ou talvez só percebesse que ele tinha jeito de “executivo importante”.
— Boa noite, senhor. Tem reserva?
— Sim. Harry Bakserville. Mesa para dois.
O maître confirmou no sistema.
— Claro, senhor. Pode me acompanhar.
Harry caminhou entre as mesas, observando detalhes que normalmente passariam despercebidos os quadros coloridos nas paredes, as músicas mais animada tocando ao fundo, algumas pessoas rindo um pouco mais alto, o cheiro de carne grelhada misturado com temperos que ele nunca conseguiu nomear.
Era um lugar vivo. Real. Diferente de qualquer restaurante corporativo de Londres.
E ele… gostou disso.
Sentou-se na mesa reservada. Uma mesa ao canto, espaçosa, com boa visibilidade da porta de entrada perfeito para observar quem chegava.
O maître entregou o cardápio e se afastou.
Harry o abriu… e não entendeu nada.
Feijoada completa — porção para dois
Picanha na manteiga
Moqueca baiana
Escondidinho de carne seca
Purê de batata com filé de angus.
Ele leu cada nome como se estivesse decifrando um idioma alienígena.
Moqueca? Escondidinho?
Ele respirou fundo, repousando o cardápio à mesa.
Olhou discretamente para o relógio: 19:57.
Yara ainda não tinha chegado.
Harry tamborilou os dedos no tampo da mesa.
Depois os tirou achou que parecia ansioso demais.
Ajeitou o colarinho.
Passou a mão no cabelo.
Olhou pra porta.
Olhou pro relógio de novo. 19:58.
Ridículo.
Ele era CEO. Tomava decisões de milhões. Assinava contratos internacionais sem piscar.
Mas esperar uma mulher… era outra história.
O garçom se aproximou.
— Deseja beber algo enquanto aguarda, senhor?
Harry pensou.
Normalmente pediria vinho, ou whisky, algo que combinasse com o estilo dele.
Mas naquele ambiente…
— O que vocês sugerem? Nunca estive em um restaurante assim.
O garçom sorriu, animado.
— Caipirinha? Bebida originalmente brasileira, senhor.
Harry concordou, sem saber exatamente no que estava se metendo.
— Uma caipirinha, então. Obrigado.
Quando o garçom se afastou, Harry voltou a olhar para a porta.
Um casal entrou.
Uma família com duas crianças.
Dois rapazes rindo alto.
Mas não Yara.
Ele checou o relógio mais uma vez. 20:01.
Respirou fundo.
E foi exatamente nesse momento no instante em que ele piscou que a porta se abriu e ela entrou.
Yara Santos da Silva.
Vestido azul.
Cabelos cacheados perfeitamente moldados.
Leve.
Linda.
Radiante de um jeito que não pedia atenção, mas a atraía de qualquer forma.
Harry sentou-se mais ereto, quase sem perceber.
Ela passou os olhos pelo salão, procurando por ele…
E quando encontrou, sorriu.
Um sorriso pequeno, mas que bateu nele como se acendesse todas as luzes do restaurante.
E Harry pensou, muito simplesmente:
Estou ferrado.
Yara atravessou o salão com passos suaves, segurando a bolsinha simples que Beatriz emprestara. Ela estava nervosa, Harry percebeu pelo jeito como ela apertava os dedos ao caminhar. Mas, mesmo assim, mantinha o queixo erguido e um sorriso seguro. Era uma combinação que ele achou… perigosa.
Quando ela chegou à mesa, Harry se levantou imediatamente.
— Boa noite, Yara.
A voz dele saiu mais baixa do que ele pretendia.
Yara sorriu de volta, discreta.
— Boa noite, Harry. Desculpa o atraso… o metrô atrasou. Aí eu me atrasei junto. — Ela riu de leve. — Mas tô aqui.
— Fico feliz que esteja.
Harry puxou a cadeira para ela, sem nem pensar no gesto — era automático, educação de berço.
Yara hesitou por meio segundo, surpresa, e depois se sentou.
Quando Harry voltou ao lugar dele, não pôde evitar observar por mais alguns segundos: o vestido azul emoldurava a pele bronzeada dela de um jeito suave, e os cachos pareciam ter sido colocados um a um no lugar certo. Ela estava impecável mas ainda assim, natural. Ele não sabia como ela conseguia isso.
O garçom reapareceu naquele instante com a caipirinha.
— Sua bebida, senhor.
— Obrig… — Harry começou, mas Yara arregalou os olhos e interveio antes que o garçom saísse.
— Você pediu caipirinha?
Ela parecia mais preocupada do que divertida.
Harry franziu levemente o cenho.
— Sim. É ruim.?
Yara apoiou os cotovelos na mesa e respondeu num tom meio sério, meio brincalhão:
— Harry… isso daí derruba até turista de cabine executiva. Vai devagar.
Ele sorriu, achando aquilo genuinamente encantador.
— Vou considerar o aviso.
Ela abriu o cardápio, e Harry percebeu que ela fazia isso com um carinho quase afetivo como quem reencontra algo familiar.
— Você já pediu alguma coisa? — ela perguntou.
— Ainda não. Esperei por você.
— Hm. — Yara levantou o olhar. — Então você vai precisar de ajuda pra escolher.
— Vou, sim. Não faço ideia do que é a metade das coisas aqui.
Yara mordeu o lábio para não rir abertamente e isso quase acabou com o autocontrole dele.
Ela fechou o cardápio devagar.
— Então vamos ao básico. Você come carne?
— Sim. Bastante.
— Ótimo. Picanha, feijão, arroz, farofa e vinagrete. Confia em mim.
— Confio. — Harry disse sem hesitar… e não entendeu por que as palavras tinham saído tão verdadeiras.
Yara piscou, meio surpresa com a resposta direta.
— Então pronto. Pedimos isso. E… — ela apontou para o copo dele — se a caipirinha te derrubar, eu peço uma água com açúcar.
Harry a observou com um pequeno sorriso no canto da boca.
— Você costuma colocar açúcar nas suas emergências?
Ela riu.
— Sou brasileira, né? A gente resolve tudo com água, açúcar e fé.
E, por um momento, a atmosfera entre eles ficou leve leve demais.
Era como se o mundo ao redor tivesse diminuído um pouco.
Mas Harry não havia esquecido o propósito daquela noite.
Ele se inclinou levemente para frente, apoiando os antebraços na mesa.
O tom da voz ficou sério.
— Yara… eu te chamei aqui porque preciso te fazer uma proposta incomum. Uma proposta de… trabalho.—
Ele respirou fundo antes de continuar— E quero que ouça tudo antes de achar que é loucura.
O sorriso dela murchou um pouco, e ela ficou atenta cautelosa, mas não assustada.
— Tá.
Ela colocou as mãos sobre a mesa, entrelaçando os dedos.
— Eu tô ouvindo.
Harry a encarou.
E percebeu que, naquele exato instante, contar a verdade seria muito mais difícil do que ele imaginava.