Capítulo 15. "Trabalho"

1094 Words
Yara manteve o olhar firme nele, mas Harry conseguia ver por trás da calma ensaiada que ela estava tentando adivinhar o que viria. Ele respirou fundo, preparando-se para explicar tudo com cuidado… mas o garçom voltou para anotar os pedidos, quebrando o momento tenso por alguns segundos. Eles pediram a comida. Assim que o garçom se afastou, o silêncio voltou e dessa vez era denso, cheio de algo novo. Harry passou a mão pelos cabelos, uma forma de ganhar tempo. — Certo… — ele começou. — Antes de tudo, eu quero que você saiba que isso aqui não é uma brincadeira, nem uma falta de respeito. Eu realmente pensei muito antes de te chamar. Yara franziu o cenho e o encarou firme. Harry respirou fundo como quem mergulha em água fria. — Eu preciso de alguém para fingir ser minha noiva. O mundo parou. O barulho do restaurante continuava, mas para Yara… ele ficou amortecido. Ela ficou imóvel por um segundo inteiro um segundo comprido antes de soltar um riso curto, incrédulo. — O quê? Harry manteve o olhar sério. — Eu sei que parece estranho, mas deixa eu explicar. — Não, espera. — Ela ergueu a mão, como se precisasse de um freio urgente. — Você tá me dizendo que… que você me chamou pra jantar pra me pedir isso? — Sim. Mas eu tenho motivos — ele tentou acrescentar, mas ela já estava avermelhando nas bochechas, não de vergonha… de indignação. — Isso é real mesmo? Você quer que eu… finja ser sua noiva? Alguma aposta entre amigos? Uma brincadeira dessas de rico? Harry se ajeitou na cadeira, sentindo um desconforto crescer não por ela estar brava, mas porque ele achou inesperadamente adorável vê-la assim, defendendo a própria dignidade sem hesitar. — Não! — ele disse rápido. — Não é nada disso. Eu nunca faria você perder tempo com uma palhaçada dessas. — Então o que é? — Ela colocou as mãos na cintura, mesmo sentada. — Porque do jeito que você tá falando, parece que eu virei figurante de novela mexicana sem saber. Harry quase riu, mas não ousou. — Deixa eu explicar do começo — pediu, calmo. — É por segurança. Não é charme, não é brincadeira, não é teste de nada. Eu preciso parecer comprometido, sério. Eu sei que é ridículo isso, mas meu pai tem uma cabeça antiga, ele é... ignorante, tem ideias arcaicas e só vai me permitir comandar a empresa da família se eu aos olhos dele for "homem de verdade" Yara respirou fundo. Estava tentando controlar a irritação. — E por que eu? — perguntou, agora mais calma. — Você m*l me conhece. Harry ficou em silêncio por um momento. Era a parte mais difícil de admitir. — Porque… você me parece corajosa, discreta, inteligente,não tem medo de mim, não conhece minha família. Yara estreitou os olhos, desconfiada. Ela recostou na cadeira, respirando devagar. A comida ainda não tinha chegado, mas se tivesse, provavelmente esfriaria. — Isso é muita coisa pra absorver — disse, finalmente. Harry assentiu. — Eu sei. Por isso eu não quero resposta agora. Nem hoje. Nem amanhã. Só queria te explicar a verdade. Sem filtros, sem metáforas. Yara o observou longamente. Então seus ombros relaxaram não totalmente, mas o suficiente para mostrar que ela não ia levantar e ir embora. — Tá — ela disse. Harry soltou um ar que nem percebera que estava prendendo. — Obrigado. — Mas… — ela continuou — isso não quer dizer que eu aceitei. Só que eu parei de querer jogar água dessa sua caipirinha na sua cara. Harry riu baixo, finalmente. — Já é um começo. E nesse instante, o garçom chegou com os pratos. Eles olharam a comida, depois olharam um para o outro. E pela primeira vez desde que a conversa começara, Yara sorriu de verdade. A noite ainda tinha muito pela frente. Yara abriu um sorriso quase infantil ao ver a farofa dourada ao lado da picanha. — Ahh, obrigada, meu Deus — ela murmurou — finalmente comida de verdade. Harry levantou uma sobrancelha, divertindo-se. — Tão animada assim? — Você não tem ideia do quanto eu tava com saudade disso aqui — ela respondeu, pegando os talheres com entusiasmo. — Vamos lá. Harry cortou um pedaço da picanha, provou… e seus olhos se abriram de leve. — Isso é… muito bom. — Óbvio, né? — Yara riu. — Brasileiro entende de churrasco. Ele cortou mais um pedaço, claramente rendido. Yara aproveitou para preparar o próprio prato, equilibrando feijão, arroz e farofa em proporções quase matemáticas. Quando Harry olhou para aquela mistura, franziu o cenho. — Posso perguntar uma coisa? — Manda. Ele apontou com o garfo, curioso: — Isso aí… essa coisa amarela. — Farofa — ela disse com orgulho. — Sim, isso. — Ele estreitou os olhos, avaliando. — Isso parece areia de praia. Yara congelou por meio segundo… depois jogou a cabeça pra trás e caiu na risada. — Pelo amor de Deus, Harry! — Ela tentou se recompor, ainda rindo. — Você nunca comeu farofa? Tipo… nunca? — Não. — Ele respondeu sinceramente. — E não sei se deveria. — Vai comer agora. — Yara empurrou o potinho de farofa na direção dele. — Não começa com preconceito culinário, não. Harry ergueu as mãos, rendido. — Tá, tá… mas se isso ranger nos meus dentes igual areia, você deve explicações ao meu dentista. — Come logo. Ele pegou uma pequena quantidade na ponta do garfo, hesitou… e então provou. O silêncio durou dois segundos. Yara esperava uma careta. O que ela ganhou foi outra coisa. Harry mastigou devagar, o olhar vagamente surpreso. — Isso… não é r**m. Yara ergueu uma sobrancelha. — Só “não é r**m”? Ele provou mais um pouco, agora com um pedacinho de carne. — Ok, isso é bom. — Outro pedaço. — Isso é bem bom. — Aí sim! — Yara vibrou, satisfeita. — Bem-vindo a melhor culinária do mundo, britânico. Ele riu, sacudindo a cabeça. — Eu juro que parece areia. — Mas é areia com personalidade — ela rebateu. E Harry riu mais alto dessa vez uma risada solta, verdadeira, que nem ele esperava. Eles continuaram comendo, conversando entre um garfo e outro. A tensão da proposta ainda estava ali, escondida entre eles… mas, naquele momento, só havia dois mundos se tocando por acaso: O de Yara simples, quente, cheio de sabores conhecidos. E o de Harry preciso, frio, cheio de regras e armaduras. E em algum ponto, entre feijão e farofa, esses mundos começaram a se misturar.
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