Capítulo 18. Futura Lady

875 Words
Ele entrou no carro, sentou-se no banco traseiro e pediu que o motorista esperasse antes de partir. A luz da rua entrava pelas janelas escurecidas, recortando seu rosto sério, mas havia algo nos olhos dele que não era costumeiro. Yara. Era esse o nome que não saía da cabeça dele. Harry sempre foi metódico, analítico, objetivo. Tinha uma vida planejada ao minuto, interações calculadas, ligações rápidas, nada supérfluo. Mas no jantar, nada funcionou do jeito que ele estava acostumado. Ele tinha perdido o controle da conversa diversas vezes e, paradoxalmente, não se incomodou. Ele apoiou os cotovelos nos joelhos, entrelaçando as mãos, lembrando-se da forma leve e natural como ela falava. A risada dela quando ele descreveu a farofa como “areia de praia”. O brilho curioso nos olhos quando ele perguntava sobre o Brasil. A firmeza com que ela recusou a carona, sem medo do status dele. A maneira como ela o descreveu “o estereótipo britânico dos filmes da Sessão da Tarde” e a honestidade despretensiosa com que disse isso. Nenhuma mulher falava com ele daquele jeito. Nenhuma mulher o tratava como se ele não fosse especial. E isso o intrigava mais do que ele queria admitir. Harry passou a mão pelos cabelos loiros, respirando fundo. Não fazia sentido. Ele não deveria estar pensando tanto assim. Yara era apenas uma candidata para um trabalho alguém que poderia ajudá-lo. Mas havia algo nela. Algo que quebrava a armadura dele. Espontaneidade. Transparência. Calor. Coisas que ele não via com frequência no seu mundo corporativo gelado. “Perigoso,” ele pensou. Perigoso porque o tirava da zona de conforto. E ainda assim… ele estava ansioso para vê-la no dia seguinte. Ele recostou no banco, finalmente pedindo ao motorista que seguisse. Um contrato. Era isso que ele precisava. Regras, estrutura, limites. Não porque ela fosse inadequada… mas porque ele precisava proteger aquela parte dele que começava perigosamente a se interessar demais. Enquanto o carro se afastava, Harry olhou pela janela, ainda imaginando o sorriso dela quando ele experimentou o pudim. “Yara.” Ele repetiu o nome mentalmente. Yara abriu a porta devagar, tentando não fazer barulho… mas não adiantou. Beatriz já estava sentada no sofá, enrolada numa manta, com o cabelo preso num coque torto e os olhos muito atentos. Assim que Yara entrou, Bia ergueu as sobrancelhas com um sorriso que dizia “eu vou arrancar cada detalhe de você”. — Finalmente! — Beatriz se levantou de um pulo. — Achei que você tinha sido sequestrada pelo inglês bonito do bar. Yara soltou uma risada baixa, tirando os sapatos cansada. — Eu falei que não ia demorar. — Não ia demorar? — Bia arregalou os olhos. — Você saiu antes do meu banho, terminou meu skincare, vi dois episódios da série e ainda fiz um lanche. Claro que ia demorar. — Meu Deus, exagerada… — Yara jogou a bolsa no aparador, mas não conseguia esconder o sorriso tímido no rosto. Beatriz estreitou os olhos, aproximando-se devagar. — Você está sorrindo demais, isso não é normal. — Para, Beatriz. — Conta. Tudo. Agora. Yara suspirou derrotada e se jogou no sofá. Beatriz caiu ao lado dela, virada de frente, preparada para absorver cada palavra. — Tá… — Yara começou, ajeitando o cabelo. — Primeiro, ele não tentou nada estranho. Foi super educado. Até meio… formal demais, sabe? — Formal? Tipo “boa noite, senhorita Yara, permita-me puxar sua cadeira”? — Bia imitou um sotaque britânico péssimo. Yara riu. — Desse jeitinho. Ele é muito… certinho. — E bonito — Beatriz acrescentou, porque era impossível não mencionar. — Muito. — Yara admitiu, meio vermelha. — Mas enfim… a gente conversou, ele explicou o tal trabalho. Eu fiquei meio desconfiada, mas… ele pareceu sincero. — O que vocês comeram? — Bia perguntou, como se isso fosse crucial. — Picanha. — Ele comeu picanha? — Comeu. Mas reclamou da farofa. — O QUÊ? — Bia colocou a mão no peito. — Como ele ousa? — Calma, depois ele gostou — Yara gargalhou. — Ficou com uma cara fofa tentando entender o que era. Beatriz sorriu ainda mais, observando o rosto da amiga. — Você gostou dele… — disse baixinho, com um tom acusador e afetuoso. — Não começa — Yara revirou os olhos. — Eu gostei da oportunidade, só isso. Ele é legal, mas… é um homem rico, inglês, dono de empresa. Eu? Sou garçonete, estrangeira ,tentando pagar aluguel e mandar dinheiro para casa. A gente não tem nada a ver. Bia ficou séria por um instante e colocou a mão no ombro dela. — Não precisa ter nada a ver, Yara. Você só precisa entender se isso vai te fazer bem — e sorriu de novo. — Mas que ele é bonito, ele é. E que você voltou sorrindo, você voltou. Yara suspirou, vencida. — Eu vou lá amanhã ver tal contrato que ele quer fazer. — Contrato… — Bia disse devagar. — Isso é tão novela das oito. — Para… — “A jovem brasileira humilde que vira noiva do magnata britânico.” — Beatriz dramatizou, deitando no sofá. — Eu já posso fazer o pôster. Yara jogou uma almofada nela. — Boa noite, palhaça. — Boa noite, futura Lady.
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